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Vijay Prashad: Venezuela enfrenta um teste neste domingo

Sob sanções, Maduro enfrentará candidato da extrema-direita, em eleição que representará teste sobre o futuro da Venezuela

Vijay Prashad
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, antes de iniciar seu programa televisivo dominical. 18/12/2016. (Foto: Eneas De Troya / Flickr)

Caracas.

Em 28 de julho, o povo da Venezuela irá às urnas para participar da sexta eleição presidencial desde a Constituição Bolivariana de 1999. As duas eleições anteriores (2013 e 2018) foram vencidas por Nicolás Maduro Moros, o presidente em exercício. Maduro está concorrendo a um terceiro mandato que começará em 2025 e terá duração de seis anos. Ele lidera uma vasta aliança de partidos de esquerda e democráticos que se uniram para defender a revolução bolivariana, que está em andamento há quase 25 anos.

Maduro teve que liderar a Venezuela e o processo revolucionário bolivariano desde a morte de Hugo Chávez, a lendária figura que rompeu o domínio da oligarquia sobre a política da Venezuela. Ele tem feito isso em meio ao colapso dos preços do petróleo em 2015, bem como ao crescente estrangulamento por parte dos Estados Unidos para destruir a agenda bolivariana. Sem dúvida, Maduro tem uma das tarefas mais difíceis do planeta, tendo que suceder o carismático Chávez e dirigir o navio nas águas turbulentas criadas pelos Estados Unidos. Ao que tudo indica, Maduro vencerá no domingo, em grande parte devido ao caráter abominável da oposição.

O terrível candidato da extrema-direita

Maduro enfrenta Edmundo González Urrutia, o candidato da extrema-direita. González é retratado como uma figura de avô, embora seja apenas 13 anos mais velho que Maduro (nascido em 1962, enquanto González nasceu em 1949). Essa imagem de González como um abuelo (avô) mascara seu projeto político mais feroz e seu passado. González lidera a Plataforma Unitária, que foi criada em 2021 por Juan Guaidó. Vale lembrar que Guaidó foi o político tirado da obscuridade pelos Estados Unidos para se tornar um pretenso presidente em 2019 (seguindo um modelo que foi bem-sucedido para os Estados Unidos na Ucrânia, quando o governo dos Estados Unidos colocou Arseniy Petrovych Yatsenyuk no cargo de primeiro-ministro ucraniano).

A Plataforma Unitária, ou PU em seu acrônimo em espanhol, reúne os políticos da extrema-direita que foram financiados e treinados pelos Estados Unidos (como María Corina Machado e Leopoldo Eduardo López Mendoza). Em particular, os membros da PU dizem que não podem vencer uma eleição na Venezuela; apesar das privações causadas pelas sanções impostas pelos EUA, o controle do chavismo sobre as massas é indelével. É por isso que pessoas como Corina Machado e López se amparam nos Estados Unidos para usar seu arsenal contra a Venezuela, uma posição traiçoeira que os impede de participar do processo eleitoral.

É por isso que a PU escolheu González para ser seu candidato, mas, durante a campanha, não houve nenhum projeto alternativo real ao chavismo apresentado por González ou por seus seguidores. De fato, sua única alegação é que eles não são Maduro e que seriam capazes de melhorar a economia ao se renderem às exigências dos EUA. González ocultou amplamente seu próprio passado, que foi enterrado sob a alegação de que ele era apenas um diplomata. Aqueles que se lembram de seu período como funcionário da embaixada em El Salvador têm coisas diferentes a dizer sobre essa figura de avô. Em julho de 1981, González foi enviado para a embaixada da Venezuela em El Salvador, onde trabalhou diretamente com o embaixador Leopoldo Castillo. Durante seu tempo lá, segundo relata a diplomata colombiana María Catalina Restrepo Pinzón de Londoño, ele trabalhou com os esquadrões da morte contra guerrilheiros de esquerda. Uma dessas líderes guerrilheiras, Nadia Díaz, lembra em sua autobiografia (Nunca estuve sola) que, quando estava na prisão, havia homens venezuelanos entre seus torturadores. Díaz não diz que González a torturou diretamente, mas certamente ele estava entre os que participaram da campanha. Esse é o caráter da figura do “avô” que é o candidato da extrema-direita contra Maduro.

O peso das sanções

Um estudo do Washington Post descobriu que o governo dos Estados Unidos está atualmente aplicando sanções ilegais e unilaterais contra um terço dos países do mundo, com 60% das nações mais pobres sob sanção. Essas sanções dos EUA, aplicadas pela primeira vez em 2005 para derrubar o governo de Hugo Chávez, determinam a economia venezuelana. Em um dado momento, o Estado venezuelano dependia das receitas do petróleo para 90% de suas próprias despesas. Em meados de 2014, o boom do petróleo terminou com o colapso dos preços do petróleo, que foi ampliado pelo aumento das sanções dos EUA e ameaças de ataque armado contra a Venezuela. O impacto das sanções secundárias contra instituições financeiras e empresas de transporte secou as receitas da Venezuela e levou o Estado a tomar medidas emergenciais para manter os requisitos básicos do projeto bolivariano.

Durante várias visitas entre 2014 e 2024, fiquei impressionado tanto com o impacto negativo das sanções quanto com a mobilização política do governo Maduro para explicar a situação ao povo. As privações causaram enorme angústia, o que levou à diminuição da ingestão nutricional e à migração em massa. Eu estava em Caracas em fevereiro de 2021, quando a relatora especial da ONU, Alena Douhan, realizou uma coletiva de imprensa sobre o impacto das sanções. Suas conclusões na coletiva de imprensa foram bem claras: “A falta de maquinário necessário, peças de reposição, eletricidade, água, combustível, gás, alimentos e medicamentos, a crescente insuficiência de trabalhadores qualificados, muitos dos quais deixaram o país em busca de melhores oportunidades econômicas, em particular pessoal médico, engenheiros, professores, juízes e policiais, tem um enorme impacto sobre todas as categorias de direitos humanos, incluindo os direitos à vida, à alimentação, à saúde e ao desenvolvimento.” A situação desde 2021 melhorou, em grande parte devido ao Acordo de Barbados de outubro de 2023, assinado entre o governo venezuelano e a oposição, e pela entrada de outros países (como China, Irã, Rússia e Turquia) no comércio com a Venezuela. Mas o caminho à frente é difícil e longo.

As sanções definem esta eleição. Os Estados Unidos gostariam que mais petróleo venezuelano entrasse no mercado, não para beneficiar o povo venezuelano, mas para fornecer energia à Europa, dadas as sanções impostas à Rússia. Mas há muitas contradições em jogo aqui. Os EUA certamente negarão a legitimidade das eleições se Maduro vencer e deixarão que as sanções impeçam o petróleo venezuelano de fornecer um alívio aos europeus. Durante as eleições presidenciais de 2020, as sanções desempenharam o papel principal. Elas continuam a ser a principal questão na cédula de votação.

Os comícios eleitorais de Maduro têm sido efusivos. Os chavistas o aplaudem, com suas camisas vermelhas brilhando de suor sob o céu quente da Venezuela. “Nós prevaleceremos”, diz o ex-motorista de ônibus, cujos discursos bem-humorados são audaciosos. Não há evasivas aqui. Maduro é claro: a Venezuela está sendo posta à prova. O povo venezuelano dará continuidade ao processo bolivariano ou voltará ao terrível passado oligárquico?

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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