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Frei Betto: beba, mate e fique livre

O Brasil gasta anualmente mais de 1 bilhão de reais em tratamentos relacionados ao álcool: por que não se aplicam as leis de proibição do tabagismo à bebida?
Frei Betto
Acidente envolvendo seis carros, sem vítimas fatais, bloqueia momentaneamente a rodovia BR-020. 15/08/2011. (Foto: Renato Araújo / ABr)

A mídia registra, com frequência, inúmeros casos de acidentes de trânsito com mortes, provocadas por motoristas embriagados. Casos recentes são o do empresário Fernando Sastre Filho, que em abril deste ano, na capital paulista, no volante de seu Porsche de R$ 1,3 milhão, acelerado a mais de 300km/h, se chocou com o veículo do motorista de aplicação Ornaldo da Silva Viana, matando-o. E, no Rio, do “influenciador” Vitor Vieira Belarmino que, em julho, atropelou Fábio Toshiro que havia se casado horas antes. No Porsche e no BMW dos culpados foram encontrados sinais de ingestão de bebidas alcóolicas.

Muitos assassinos de trânsito são detidos e, graças à fiança, em seguida soltos. Detalhe: sem que suas carteiras de motoristas sejam apreendidas. Alguns, aliás, nem possuíam habilitação para dirigir.

O Brasil é o país da impunidade. As leis são feitas apenas para os pobres – que não têm dinheiro para pagar advogados e fianças. Da classe média para cima, nenhum assassino do volante costuma ficar preso. Nem condenado em última instância. Ocorre 1,2 morte por hora no trânsito do Brasil, associada ao alcoolismo. Vale, pois, a pergunta: quem é a próxima vítima?

O Brasil é também o país do paradoxo. Há intensa campanha contra o tabagismo. Daqui a pouco haverão de proibir, como nos EUA, até fumar em local público. E não demora também dentro de casa, sob pretexto de que incomoda os vizinhos…

A publicidade de cigarros desapareceu da mídia. As embalagens de tabaco trazem fotos horripilantes dos efeitos deletérios do produto. Ora, o alcoolismo mata mais que o tabagismo. É o terceiro fator de morte no mundo, precedido pelo câncer e doenças cardíacas. Por que não se proíbe publicidade de bebidas alcóolicas?

Dados de 2023 apontam que 18,8% da população brasileira (cerca de 40 milhões de pessoas) abusam da ingestão de álcool. Nos hospitais psiquiátricos, 90% das internações são de dependentes de álcool. Os motoristas bêbados são responsáveis por 65% dos acidentes de trânsito. E o Ministério da Saúde gasta, por ano, via SUS, mais de R$ 1 bilhão em tratamentos e internações causados por álcool.

Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas e Psicotrópicos, vinculado à Faculdade Paulista de Medicina, entre estudantes do primeiro e segundo graus da rede estadual de São Paulo, 70,4% se iniciam na bebida entre 10 e 12 anos. Nos EUA, o índice para a mesma faixa etária é de 50,2%.

Volto à pergunta que não quer calar e o governo, o Conar e as agências de publicidade insistem em não responder: por que não se aplicam as leis de proibição do tabagismo ao álcool?

A resposta existe, o que não existe é a coragem de fechar a torneira do mar de dinheiro que a publicidade de bebidas alcoólicas despeja na publicidade. E o mais grave: associa-se álcool a celebridades, como jogadores de futebol e cantores, que fascinam os mais jovens e atraem legião de fãs.

Uma grande emissora de TV anuncia uma série de programas antitabagistas. Quando veremos algo semelhante em relação ao consumo de álcool?

Nunca tive notícia de acidentes de trânsito causados por vício de fumar, agressão doméstica por aspirar fumaça de tabaco, internação psiquiátrica por dependência de cigarro. Todos nós, porém, conhecemos casos relacionados ao alcoolismo. E haja publicidade de cerveja no horário nobre! Para os jovens, a cerveja é a porta de entrada no consumo de bebidas etílicas.

O cigarro prejudica quem fuma e quem está próximo ao fumante. O álcool, misturado com volante, gera acidentes que envolvem passageiros do veículo causador do acidente, passageiros dos veículos atingidos por ele, e pedestres, além de danos à via pública.

Álcool em excesso transtorna os reflexos. Associado ao volante, é perigo na certa. Mas não se preocupe. Você está no Brasil. Confia que jamais passará pelo azar de ser parado por uma blitz da lei seca. Se acontecer, oferecerá uma grana aos fiscais, na esperança de que sejam corruptos. Caso não sejam, se recusará a pôr a boca no bafômetro. Se for detido, convocará a família e o advogado, pagará fiança e logo estará na rua. Com a carteira de habilitação no bolso. Pronto para se dependurar no volante e repetir a façanha.

Vivam o Brasil e a impunidade! E azar das vítimas por viverem num país como o nosso!

(*) Frei Betto é escritor, autor do romance “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org 

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