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A inflação na era Milei

Milei comemora últimos números da inflação, embora para desacelerar o aumento dos preços, muito alto no acumulado, tenha empobrecido os argentinos

Alfredo Serrano Mancilla e Mariana Dondo
O presidente argentino Javier Milei. (Foto: Casa Rosada)

Você sabe qual foi a inflação média mensal durante os anos em que Cristina Fernández de Kirchner (CFK) governou a Argentina? Ela é maior ou menor do que os últimos números da inflação, comemorados por Milei?

Já sei que dirão que os números do INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censo da Argentina) foram falsificados naqueles anos. Por esse motivo, e para evitar entrar em uma discussão que não é relevante no momento, tomaremos como referência os mesmos dados que a The Economist usou para substituir as estatísticas oficiais, ou seja, os cálculos da consultoria privada PriceStats (com um marco ideológico absolutamente oposta ao governo Kirchner).

O que será? Os 4,2% de agosto serão um número tão bom quanto se presume?

Façam suas apostas.

Se levarmos em conta o período de dezembro de 2007 a dezembro de 2015, a inflação média mensal – de acordo com a fonte mencionada acima – foi de 1,9%. Ou seja, menos da metade do melhor número de Milei (4%, no mês de julho).

Outro dado: o governo de CFK levou 52 meses para atingir a inflação acumulada por Milei em nove meses.

Em suma, os números da inflação de Milei não são nada louváveis, não importa o quanto se insista em repeti-los várias vezes. Uma média mensal de 4% é , por si só, um registro muito ruim. Mas é ainda pior se essa porcentagem for calculada a partir de uma média muito alta (e criada por ele mesmo).

Vou explicar de forma mais simples, usando um exemplo real: se nos primeiros cinco meses de governo Milei o preço de um litro de leite vai de 457 para 1.276 pesos, e nos próximos quatro meses de governo chega a 1.353 pesos, se deveria ficar feliz com a “desaceleração” do aumento do preço desse bem básico?

A resposta é de senso comum: não, absolutamente não.

Não há motivo para ficar satisfeito com essa “desaceleração”. Primeiro, porque o preço continuou progredindo nos últimos meses. Em segundo lugar, porque esse crescimento veio depois de um salto muito acentuado nos primeiros meses.

Além disso, não devemos esquecer que, para atingir esse índice ruim na inflação, o governo de Milei forçou uma contração econômica feroz acompanhada de um empobrecimento cruel para a maioria da sociedade argentina.

E todo esse plano é implementado sob uma premissa inegociável: a inflação é explicada exclusivamente pelo déficit financiado pela emissão monetária. Essa questão também carece de rigor, pois todo fenômeno econômico é multicausal e infinitamente mais complexo do que um estúpido modelo de equilíbrio parcial da economia neoclássica (válido apenas na inexistente Ilha de Robinson Crusoé).

Há milhões de exemplos no mundo que invalidam essa relação simplista. Nem sempre é verdade que quanto menor o déficit e menor a emissão, menor a inflação. A rigor, deve-se dizer que “depende, tudo depende”. Depende de vários fatores, como a taxa de câmbio, a disponibilidade de dólares, o grau de concentração da oferta e seus canais de distribuição, e assim por diante.

Entretanto, o “qualquer-coisismo” de Milei suporta tudo. Ou seja, qualquer coisa pode ser dita sobre os preços, sua magnitude e suas causas. “Mentir, mentir, mentir e mentir para que algo permaneça”. Esse é o mantra em que Milei se baseia para vencer a batalha cultural. Mas isso está se tornando cada vez mais difícil para ele. Porque sempre há um limite para as mentiras: a realidade. E a realidade, a realidade da grande maioria dos lares argentinos, diz outra coisa sobre os preços e como tudo está caro.

(*) Tradução de Raul Chiliani

CELAG Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica

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