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Com Braga Netto preso, intervenção do Rio também deveria ser investigada

Intervenção comandada por Braga Netto foi linha divisória entre o Brasil em que se supunha que os militares se restringiriam aos quartéis e o Brasil em que atuam ostensivamente na política

Pedro Marin
General Braga Netto, preso neste sábado (14), então comandante Militar do Leste, durante entrevista coletiva sobre o decreto de intervenção no Estado do Rio de Janeiro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O general Braga Netto, ex-candidato a vice de Bolsonaro, foi preso neste sábado (14) por supostamente ter buscado interferir nas investigações da Polícia Federal acerca dos planejamentos golpistas de 2022. De acordo com a investigação da PF, reuniões golpistas foram realizadas na casa do general, e ele teria entregado dinheiro a um tenente-coronel para a realização da operação voltada a matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

Como militar, a trajetória de Braga Netto é profícua. Dentre os destaques, está o fato de ter sido adido militar da embaixada do Brasil nos Estados Unidos – uma posição tradicionalmente de relevo nas fileiras militares. Na volta dos EUA, seria coordenador geral da assessoria especial das Olimpíadas no Rio, e depois assumiria o comando da 1a Região Militar (Rio de Janeiro e Espírito Santo), entre 2015 e 2016. Seria depois comandante Militar do Leste (2016-2019) e, durante esse período, nomeado por Michel Temer como interventor federal no Rio de Janeiro.

Segundo o ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, para a escolha de Braga Netto como interventor não pesou só o fato de ser à época Comandante Militar do Leste, “mas, principalmente, por ser um oficial eclético, profundo conhecedor da geografia do Rio de Janeiro e dos personagens que estariam envolvidos”. No seu relato, disponível no livro “General Villas Bôas: conversa com o comandante”, de Celso Castro, o ex-comandante do Exército diz ainda: “Um fator de êxito importante foi a escolha do general Richard [Nunes] para ocupar o cargo de secretário de Segurança. Richard, logicamente que com apoio do Braga Netto, conquistou o apoio das polícias civil e militar, promovendo a elevação da autoestima dos policiais e o saneamento das estruturas administrativas de ambas.

A ascensão dos militares à cena política nacional é indissociável da intervenção federal no Rio de Janeiro. O mesmo Villas Bôas lembra que “a maneira de ser do Braga Netto levou o presidente Bolsonaro a nomeá-lo para a chefia da Casa Civil” – um cargo fundamental, responsável, dentre outras coisas, pela relação da presidência com o Parlamento; o centro nevrálgico da negociação política do Governo Federal.

Se for verdade que Braga Netto participou dos planejamentos golpistas e que chegou ao ponto de entregar dinheiro a um militar para que se matasse a chapa vencedora e um juiz do Supremo, e ainda que tentou interferir nas investigações, é justo investigar também qual foi o papel do general durante a intervenção no Rio. Ele a comandava, afinal; e foi ela a linha divisória entre o Brasil em que se supunha que os militares se restringiriam às casernas e quartéis e o Brasil em que atuam ostensivamente na política nacional.

Foi também sob a intervenção, e portanto sob a batuta do general, que a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados a tiros de fuzil no Rio de Janeiro. O general Richard Nunes, à época secretário de Segurança do Rio sob intervenção, disse em novembro de 2018 que esperava uma conclusão das investigações sobre a morte de Marielle e Anderson até o fim da intervenção, embora indicando que haviam de ser cuidadosos, para ter “provas cabais que não venham a ser contestadas em juízo”. Em maio, disse que sob a intervenção havia “muito mais condições para que o crime fosse elucidado do que se não estivesse”. Nunes também foi o responsável pela indicação do delegado Rivaldo Barbosa à chefia da Polícia Civil do Rio de Janeiro, um dia antes da morte de Marielle. Rivaldo, por sua vez, é acusado pela PF por ter participado na morte da vereadora. A intervenção, ao menos de acordo com as apurações da PF, não dava melhores condições para a elucidação do caso, e Nunes aparentemente não conseguiu promover um “saneamento das estruturas administrativas das polícias”, como dissera Villas Bôas.

Como viemos insistindo, as investigações e eventuais punições a militares que tenham cometido crimes, embora importantes, são insuficientes. O problema das Forças Armadas e do golpismo não é fundamentalmente de ordem penal, mas político e estratégico: diz respeito aos objetivos das organizações militares (para além das Forças Armadas, diga-se), seus limites, estruturas e formas de atuação. Qualquer balanço que demonstre que um determinado general era golpista e criminoso quando candidato a vice, mas que se negue a avaliar a atuação deste mesmo general nos momentos que antecederam este momento e o levaram a tal posição, estará certamente incompleto: servirá, quando muito, para que se alegue um “desvio individual” de um militar, como faz o ministro da Defesa, José Múcio, enquanto se mantém as estruturas e procedimentos das Forças Armadas intocados.

 Leia também: O golpe não passou, mas o golpismo não é passado 

Uma prova cabal disso é o fato de Braga Netto, na reserva desde 2020, estar hoje preso, mas Richard Nunes, o então secretário de Segurança do Rio sob intervenção, ser hoje chefe do Estado Maior do Exército; última posição de Braga Netto, aliás,  antes dele adentrar a política como ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Nunes também é um dos militares sobre os quais se incensa a mística legalista. Uma investigação profunda sobre o passado de Braga Netto que passasse pelo episódio decisivo da quartelização da política que foi a intervenção no Rio de Janeiro certamente esbarraria em muitos militares hoje na ativa e em cargos relevantes. Talvez fosse um passo importante em matéria penal; certamente seria um passo fundamental em matéria política, que é o que nos interessa, afinal, muito mais do que as punições – a mudança. 

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