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EUA declaram genocídio no Sudão, mas se recusam a reconhecer genocídio em Gaza

Governo Biden aponta como evidências de genocídio no Sudão crimes que Israel repete, com financiamento norte-americano, contra os palestinos

Julia Conley
Antony Blinken, secretário de estado dos EUA, informa Joe Biden sobre ataques do Hamas no 7 de outubro de 2023. (Foto: Cameron Smith / White House)

Embora saudando o reconhecimento dos Estados Unidos de que os paramilitares no Sudão cometeram atos genocidas durante a devastadora guerra civil do país que se estende desde 2023, defensores dos direitos humanos disseram na terça-feira (7) que a declaração evidenciou a recusa do governo Biden em reconhecer o que, segundo especialistas, também está claramente ocorrendo em Gaza nas mãos das Forças de Defesa de Israel apoiadas pelos EUA.

Tanto a matança em massa de civis no Sudão quanto a de palestinos em Gaza “devem ser reconhecidas e interrompidas”, disse Kenneth Roth, ex-diretor executivo da Human Rights Watch.

As autoridades do governo Biden teriam hesitado em avançar com a declaração de que as Forças de Apoio Rápido (RSF), que estão lutando contra os militares do Sudão em uma sangrenta guerra civil, estão cometendo genocídio, dizendo que reconhecer isso poderia intensificar as críticas ao apoio contínuo dos EUA a Israel.

Mas o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, acabou assinando a declaração na segunda-feira (6), dizendo que os atos de genocídio da RSF incluem violência sistêmica contra os Masalit, um grupo étnico não árabe, entre abril e novembro de 2023 na região oeste de Darfur.

Trabalhadores humanitários relataram que contaram 2 mil corpos em um único dia durante esses ataques, enquanto as Nações Unidas estimaram que até 15 mil pessoas chegaram a ser mortas em uma única cidade.

Centenas de milhares de Masalits fugiram para campos de refugiados superlotados no vizinho Chade.

A RSF, disse Blinken na terça-feira, “alvejou civis em fuga, [assassinou] pessoas inocentes que escapavam do conflito e impediu que os civis remanescentes tivessem acesso a suprimentos vitais”.

O grupo paramilitar também impediu que a ajuda chegasse a algumas áreas, contribuindo para o que a Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC) identificou como fome em pelo menos cinco distritos do Sudão no mês passado.

O jornalista Muhammad Shehada, que vive na Palestina, exigiu saber como o governo Biden poderia determinar que está ocorrendo um genocídio no Sudão e, ao mesmo tempo, negar repetidamente o mesmo em Gaza – mesmo que o Tribunal Internacional de Justiça tenha considerado que Israel pôs em risco o direito dos palestinos de serem protegidos contra o genocídio e que vários grupos de direitos humanos tenham acusado Israel de atos de genocídio.

“Literalmente, cada um dos crimes que você [cita] para concluir que está ocorrendo um genocídio no Sudão está sendo cometido por Israel em Gaza; o mesmo genocídio que VOCÊ tem orgulhosamente financiado, armado e encoberto”, disse Shehada.

Mais de 45 mil palestinos foram mortos em Gaza desde que as Forças de Defesa de Israel (IDF) começaram a bombardear o enclave, em outubro de 2023, com hospitais, escolas, campos de refugiados e edifícios residenciais entre os locais visados. A maioria dos mortos são mulheres e crianças, de acordo com a ONU, mesmo que Israel e os EUA – o maior financiador internacional das IDF – tenham insistido que estão atacando combatentes do Hamas.

O bloqueio quase total de Israel à ajuda humanitária também levou partes do enclave à fome, de acordo com especialistas.

“Blinken considera que houve genocídio no Sudão, mas não em Gaza”, disse Mark Seddon, diretor do Center for United Nations Studies. “Sinceramente, não dá para engolir essa besteira.”

Juntamente com a determinação do Departamento de Estado, o Departamento do Tesouro dos EUA anunciou na terça-feira (7) que estava sancionando o líder da RSF, general Mohamed Hamdan, e sete empresas nos Emirados Árabes Unidos (EAU), o principal financiador internacional do grupo paramilitar.

Roth destacou que, embora as empresas privadas dos EAU tenham sido sancionadas, os EUA não citaram o governo do país do Oriente Médio.

Em janeiro passado, a deputada americana Ilhan Omar (Democrata) liderou um esforço para bloquear uma venda americana de 85 milhões de dólares em equipamentos militares para os Emirados Árabes Unidos, alertando que o país “estava violando o embargo de armas da ONU em Darfur para apoiar a RSF”.

“É bom ver os EUA determinarem oficialmente que a brutal milícia RSF está cometendo genocídio no Sudão”, disse o jornalista Nicholas Kristof. “Mas a responsabilização é prejudicada quando os EUA deixam de denunciar publicamente o apoiador da RSF, os Emirados Árabes Unidos, que é quem possibilita o genocídio.”

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