No dia 7 de junho de 2024, pela primeira vez desde que a empresa foi fundada em 1969, os trabalhadores da Samsung na Coreia do Sul entraram em greve. Eles agiram por iniciativa do sindicato National Samsung Electronics Union (NSEU), criado em 2021 e o primeiro na história da empresa. Um mês depois, eles aprofundariam seu plano de luta. Haviam aberto um caminho que rapidamente teria repercussões globais.
No dia 26 de junho do mesmo ano, o segundo sindicato da Samsung no mundo, o Samsung India Workers Union (SIWU), foi registrado na Índia. Entretanto, sua jornada não seria fácil.
Apesar de atender aos requisitos de filiação e a todas as legislações vigentes, o governo – em conluio com a empresa – deixou passar os 45 dias estipulados por lei e não concedeu ao sindicato o reconhecimento legal.
A criação do sindicato não foi (e nunca é) um mero capricho, mas respondia a uma necessidade concreta: melhorar as condições de trabalho. Assim, no dia 9 de setembro, teve início uma greve que assumiria proporções históricas, tornando-se a maior e mais extensa do setor de tecnologia do país.
Os trabalhadores montaram barracas em frente à fábrica de Sriperumbudur, no estado de Tamil Nadu, e paralisaram a planta. Somente no primeiro dia, a produção foi reduzida em 50%. Dos 1,8 mil trabalhadores da fábrica, cerca de 1,3 mil aderiram à greve.
Entre as principais reivindicações estavam salários mais altos, horas de trabalho mais curtas e, é claro, o reconhecimento do SIWU. A ação grevista também foi apoiada pelo Centre of Indian Trade Unions (Centro de Sindicatos Indianos – CITU), liderado pelo Partido Comunista da Índia (Marxista), o maior partido de esquerda do país.
Especificamente, o sindicato exigiu um aumento salarial ao longo de três anos (70% em 2024, 15% em 2025 e 15% em 2026) para elevar os salários de 300 dólares para 730 dólares. Os trabalhadores também exigiam uma extensão da licença parental de 3 para 7 dias e salários iguais para aqueles que estão nas mesmas categorias.
Embora a Samsung tenha iniciado suas operações na Índia em 1995 e tenha 200 mil lojas de varejo em todo o país, a fábrica de Sriperumbudur só foi inaugurada em 2007. É uma das duas fábricas da empresa (a outra fica em Uttar Pradesh) na quinta maior economia do mundo e fabrica principalmente eletrodomésticos, como televisores, geladeiras e aparelhos de ar condicionado.
De acordo com o site The Hindu, a produção nessa fábrica é responsável por cerca de 30% da receita anual da Samsung (12 bilhões de dólares) na Índia, um mercado que a empresa considera fundamental em sua disputa com as marcas chinesas de tecnologia.
O triunfo da greve e a batalha jurídica
No dia 20 de setembro de 2024, menos de duas semanas após o início da greve, o sindicato foi ao Tribunal Superior de Madras para insistir no seu reconhecimento. No entanto, o Departamento de Trabalho continuou adiando a decisão, pedindo várias prorrogações do prazo.
No mesmo dia, o sindicato sul-coreano NSEU emitiu uma declaração de apoio na qual questionava duramente a empresa. “Uma política de não sindicalização é anti-trabalhador, pura e simplesmente, e viola direitos básicos. Esse tipo de política não deveria ter lugar em lugar algum, nem na Coreia nem no mercado global. É uma tática de gestão ultrapassada que suprime os direitos dos trabalhadores e ignora suas vozes, tudo em prol do lucro corporativo”, disse o sindicato.
Enquanto isso, na Índia a gerência continuou sua ofensiva contra os grevistas. A polícia de Kancheepuram prendeu vários trabalhadores da Samsung à meia-noite do dia 8 de outubro. E um dia depois, as forças de segurança desmontaram a tenda de protesto do sindicato. As prisões de trabalhadores e líderes sindicais pela polícia continuaram nos dias seguintes em Chennai e Kancheepuram.
Finalmente, o governo estadual, liderado pelo partido conservador Dravida Munnetra Kazhagam (DMK), decidiu intervir como mediador na disputa e chegou a um acordo em 15 de outubro. O acordo consistia em quatro pontos: os trabalhadores deveriam suspender a greve e retornar ao trabalho imediatamente; a empresa não deveria tomar medidas punitivas contra os grevistas; os trabalhadores deveriam cooperar com a empresa e evitar atividades contra a gerência; e a gerência deveria enviar uma resposta por escrito ao oficial de conciliação sobre as demandas dos trabalhadores, incluindo aumentos salariais.
No entanto, a questão do reconhecimento do sindicato permaneceu sem solução. “Isso vai além de dinheiro ou bem-estar. A empresa está negando nosso direito de formar um sindicato para discutir essas questões”, disse o presidente do SIWU, E. Muthukumar, em outubro.
Finalmente, já no dia 5 de dezembro, o Tribunal Superior do Estado deu ao governo seis semanas para decidir sobre a solicitação do sindicato. Em 27 de janeiro, no dia em que o prazo expirou, o SIWU foi legalmente estabelecido.
O líder do Centro de Sindicatos Indianos – CITU, S. Kannan, chamou o registro do SIWU de “uma vitória da luta incansável das classes trabalhadoras” e “um golpe contra as políticas econômicas neoliberais adotadas pelas classes dominantes”. Por sua vez, o presidente da central sindical em Tamil Nadu, A. Soundararajan, disse que o registro “deveria ter sido feito por meio de canais legais normais”. Em vez disso, “o governo ficou do lado da gerência da Samsung, forçando os trabalhadores a protestarem por 37 dias”. “O Departamento de Trabalho teve quatro semanas, depois seis semanas, para decidir, mas esperou até o último dia. Todos os partidos políticos, exceto o BJP [do presidente do país, Narendra Modi] e o DMK, apoiaram nossos trabalhadores”, acrescentou.
Suspensões e greve geral na Índia
Apesar da vitória legal dos trabalhadores, a Samsung continuou com suas práticas de repressão sindical e suspendeu três líderes do SIWU em 4 e 5 de fevereiro. Eles haviam solicitado uma reunião com o diretor geral e, quando a solicitação foi recusada, iniciaram uma discussão. Devido a essa “perda de tempo”, a empresa alegou que eles haviam interrompido a produção. Em resposta a essa situação, iniciou-se uma nova paralisação, que continua até a data de publicação deste artigo.
“A gerência da Samsung está tentando minar e enfraquecer o sindicato. Ao suspender os líderes sindicais, ela acredita que os trabalhadores voltarão ao trabalho por medo”, disse Soundararajan.
Diante da ação maciça da greve, a empresa contratou 1.500 trabalhadores temporários para realizar tarefas, violando a Lei das Fábricas de 1948. Ciente disso, a Samsung lhes deu um dia de folga em 11 de fevereiro, temendo uma inspeção do governo.
Determinados a aprofundar o conflito, os gerentes suspenderam outros 14 trabalhadores em 20 de fevereiro. “Intensificaremos ainda mais nosso protesto”, respondeu Muthukumar depois que as negociações com a gerência fracassaram.
Ele também antecipou que a CITU está organizando uma greve geral de solidariedade em cerca de 40 unidades industriais no cinturão de Kanchipuram em 13 de março. “Fomos forçados a levar nossa luta a outras empresas devido à postura rígida da gerência da Samsung”, acrescentou o líder sindical.
A ação grevista atingirá as instalações de empresas de produtos eletrônicos, automotivos e alimentícios, como a Hyundai Motor India, a JK Tyres, a Yamaha e a Britannia, entre outras.
(*) Tradução de Raul Chiliani