Em janeiro de 2025, a Indonésia – o quarto maior país do mundo em população (282 milhões), com o sétimo maior Produto Interno Bruto em termos de poder de compra – passou a integrar o bloco BRICS+. Onze países agora fazem parte desse grupo em expansão. Os membros originais – Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul – se uniram em 2009 em resposta à crise do subprime no mercado imobiliário dos EUA, que sinalizou para eles o fim dos Estados Unidos como o comprador preferencial para seus bens e serviços.
Discussões sobre a cooperação Sul-Sul nas décadas anteriores a 2009 não foram levadas muito a sério; mas depois que a crise financeira se transformou em um longo período de baixo crescimento, profundamente impactado pela pandemia da COVID-19 e pela guerra na Ucrânia, ficou claro que o comércio Sul-Sul poderia ser a saída para as grandes economias do Sul Global. Fazia sentido expandir o BRICS com a inclusão dos principais países produtores de energia (Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), bem como das grandes economias de suas regiões (Egito, Etiópia e, agora, Indonésia).
A adesão da Indonésia ao BRICS+ se dá no aniversário de 70 anos da Conferência Asiático-Africana realizada em Bandung, Indonésia, em 1955. Essa conferência criou o que foi então chamado de “Espírito de Bandung”, uma noção sobre a necessidade de os países recém-libertados do colonialismo definirem seu próprio caminho para o desenvolvimento. O comunicado publicado no último dia da conferência de 1955 pedia a “promoção de interesses mútuos e cooperação”, que mais tarde passaria a ser conhecida como Cooperação Sul-Sul. O processo de Bandung criou duas instituições para levar adiante esse princípio: o Movimento dos Não Alinhados (NAM), formado em 1961, e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), formada em 1964. Enquanto o NAM pressionava por uma agenda de paz contra a Guerra Fria, a UNCTAD tentava forjar uma agenda para o desenvolvimento. Esses dois termos – paz e desenvolvimento – passaram a definir o Espírito de Bandung. Embora o avanço de ambas tenha se reduzido nos países mais pobres do mundo nas últimas sete décadas, o surgimento do BRICS+ revive parte da esperança de 1955.
Canário na mina de níquel
O níquel é um metal encontrado em dois tipos de minérios – de sulfetos e lateritas. Ele se tornou uma parte fundamental das indústrias mundiais com o crescimento do setor de aço inoxidável (cerca de dois terços da produção global de níquel ainda são usados para fabricar aço inoxidável, que é usado em tudo, desde a construção civil até equipamentos médicos). Com a crescente pressão pela descarbonização, tem aumentado o interesse no papel do níquel na produção de baterias de íons de lítio para veículos elétricos de alto desempenho. O níquel de melhor qualidade – Classe 1 – é encontrado na Rússia, no Canadá e na Austrália, onde o níquel vem de minérios de sulfeto. A Indonésia é o maior produtor de níquel do mundo, mas produz níquel Classe 2 a partir de minérios de laterita (e, portanto, vende principalmente para o mercado de aço inoxidável). Empresas privadas chinesas, como a Zhejiang Huayou Cobalt, construíram grandes instalações de lixiviação ácida de alta pressão (HPAL) na Indonésia para converter laterita em níquel para baterias. Se o processo de HPAL for ampliado, a Indonésia poderá se tornar o maior produtor de níquel Classe 1 até 2030.
Com o aumento do interesse pelo níquel, o governo da Indonésia proibiu a exportação de minério de níquel bruto e obrigou que ele fosse processado dentro do país. Isso foi feito para evitar a perda de valor do níquel, já que ele se torna cada vez mais importante para o setor elétrico. No entanto, a Indonésia não deu o passo seguinte, que implicaria insistir para que todo o processamento do minério fosse realizado por empresas indonésias (sejam elas do governo ou do setor privado). Os funcionários indonésios do Ministério de Energia e Recursos Minerais (ESDM) me explicaram que o motivo pelo qual não nacionalizaram efetivamente o setor é que eles não têm os recursos financeiros nem os recursos tecnológicos para construir instalações de HPAL. É por isso que eles abriram o setor para empresas estrangeiras. A russa Nornickel, a maior produtora de níquel do mundo, tem os recursos financeiros, mas não a experiência, já que opera na Rússia, onde os minérios são principalmente de sulfetos. As empresas privadas da China, por outro lado, têm os recursos financeiros e o conhecimento técnico para extrair o níquel de Classe 1 do minério de Classe 2. É por isso que as empresas chinesas, por enquanto, dominam a produção de níquel na Indonésia.
No entanto, em conversa com funcionários da ESDM, ficou claro que as empresas chinesas estão “ativamente transferindo tecnologia para a empresa estatal indonésia”. A maior parte da fundição de níquel está sendo feita em joint-ventures entre empresas chinesas e duas empresas indonésias, a PT Vale Indonesia e a PT Aneka Tambang (PT Antam). A PT Vale Indonesia é de propriedade da empresa estatal de mineração PT Mineral Industri Indonesia (PT MIND ID), da Vale Canada e da Sumitomo Metal Mining. As empresas canadense e japonesa são acionistas minoritárias dessa empresa. A PT MIND ID é a acionista majoritária da PT Antam.
Em outubro de 2024, a PT Antam comprou uma grande participação da PT Jiu Long Metal Industry (de propriedade da Tsingshan Holding de Wenzhou, China), uma das grandes empresas de fundição que operam na Indonésia. Gradualmente, a empresa estatal de mineração da Indonésia planeja absorver as fábricas de processamento no país e substituir as empresas chinesas assim que a tecnologia tiver sido transferida.
O desenvolvimento industrial tem seus próprios problemas. A tecnologia HPAL cria problemas ambientais e sociais significativos, levantados pelas comunidades que vivem ao lado das fundições. Parte do processo de desenvolvimento deverá incluir melhorias na tecnologia HPAL e exigir que parte dos benefícios das vendas de níquel seja destinada às pessoas que vivem acima das minas e ao lado das fábricas.
Em 2019, a União Europeia, que compra apenas 2% do minério não processado da Indonésia, entrou com uma ação na Organização Mundial do Comércio contra a proibição de exportação de minério de níquel da Indonésia. Os europeus disseram que a proibição era “contra as regras da OMC”. Em novembro de 2022, a OMC concordou com a União Europeia e, no mês seguinte, a Indonésia recorreu dessa decisão. Na ausência de um órgão de apelação adequado, o caso está no limbo. Entretanto, o dilema é característico: a Indonésia tenta desenvolver pacificamente sua economia exercendo sua soberania sobre suas próprias matérias-primas – de acordo com o Espírito de Bandung – e a União Europeia – que inclui a Holanda, antiga governante colonial da Indonésia – decide impedir esse desenvolvimento.
Contradições de Bandung
A Indonésia sediará um evento discreto para comemorar o 70º aniversário da Conferência de Bandung em junho. O “Espírito de Bandung” não está sendo amplamente divulgado atualmente, parte em razão dos problemas internos remanescentes entre os países do Sul Global. Parece muito mais lógico simplesmente permitir que as contradições do presente gerem seu próprio espírito novo, com a luta para estabelecer a soberania sobre os recursos de uma nação no centro desse novo estado de espírito.