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Diário do julgamento do golpe – Ato 2: de minuta a Punhal Verde Amarelo, mais 6 viram réus

Grande marca do julgamento do "núcleo 2" do golpe foi o rápido consenso dos 5 ministros da Turma para tornar réus todos os 6 denunciados pela PGR

Por Caio de Freitas | Edição: Ed Wanderley
Diferentemente do julgamento do núcleo 1, quando o ministro Luiz Fux acabou por influenciar o debate sobre uma possível revisão de penas aplicadas contra parte dos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, nesta terça Fux apenas acompanhou – sem tecer comentário algum – o voto do ministro Alexandre de Moraes. (Foto: Antonio Augusto/STF)
Diferentemente do julgamento do núcleo 1, quando o ministro Luiz Fux acabou por influenciar o debate sobre uma possível revisão de penas aplicadas contra parte dos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, nesta terça Fux apenas acompanhou – sem tecer comentário algum – o voto do ministro Alexandre de Moraes. (Foto: Antonio Augusto/STF)
Nesta terça-feira (22), um detalhe no julgamento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama que levou à tentativa de golpe do dia 8 de Janeiro de 2023 chamou atenção: o rápido consenso dos cinco ministros da Turma para tornar réus todos os seis denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no chamado ‘núcleo 2’ do caso.

Após o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, ler seu voto por mais de uma hora e meia, novamente exibindo vídeos da invasão e quebra-quebra do dia 8 de janeiro, os outros quatro membros da 1ª Turma seguiram seu voto rapidamente, em menos de 20 minutos.

Desde o início da sessão, a atmosfera no plenário parecia diferente da sessão anterior do mesmo caso, que também tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, no último dia 26 de março, pela trama de tentativa de golpe. Por volta das 10h, já era possível ouvir as defesas admitindo, nas várias rodas de conversa no auditório, as poucas chances de livrarem seus clientes de uma decisão contrária.

Diferentemente do julgamento do núcleo 1, quando o ministro Luiz Fux acabou por influenciar o debate sobre uma possível revisão de penas aplicadas contra parte dos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, nesta terça Fux apenas acompanhou – sem tecer comentário algum – o voto do ministro Alexandre de Moraes. A manifestação do ministro Fux no julgamento anterior foi muito explorada pela base bolsonarista no Congresso nas últimas semanas para aquecer o projeto de anistia.

Para a PGR, os seis novos réus seriam responsáveis por gerenciar etapas do golpe, com a elaboração do plano “Punhal Verde Amarelo”, o monitoramento e planejamento de sequestro e “neutralização” (assassinato) de autoridades da República.

No julgamento desta terça, a ministra Cármen Lúcia disse às defesas que qualquer réu “será absolvido” das acusações que não tiverem “prova necessária, substancial e coerente” com os fatos investigados e reforçou sua defesa da democracia.

“Falou-se tanto hoje de Bíblia, de um momento pascal que acabamos de viver… neste caso, nesta fase, não há o que perdoar. Sabiam o que estavam fazendo. Portanto, também estou votando no sentido de receber a denúncia”, afirmou a ministra.

Em suas peças iniciais, protocoladas há mais de um mês, os advogados pediram pela inocência de seus clientes questionando a competência do ministro Alexandre de Moraes e do próprio STF de julgar o caso, além da validade de parte das provas reunidas durante as investigações. Ainda pela manhã, a 1ª Turma rejeitou os argumentos. “O investigado não escolhe o juiz”, disse Moraes.

8/1: Quem são os réus do núcleo 2?

Mário Fernandes: General da reserva do Exército, ex-comandante dos “kids pretos” e ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Mário Fernandes: General da reserva do Exército, ex-comandante dos “kids pretos” e ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Marcelo Costa Câmara: Coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República. (Foto: LinkedIN/reprodução)
Marcelo Costa Câmara: Coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República. (Foto: LinkedIN/reprodução)
Marília de Alencar: Ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública e ex-secretária de Inteligência do Distrito Federal. (Foto: Silvio Abdon/CLDF)
Marília de Alencar: Ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública e ex-secretária de Inteligência do Distrito Federal. (Foto: Silvio Abdon/CLDF)
Fernando Oliveira: Ex-secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. (Foto: Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Fernando Oliveira: Ex-secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. (Foto: Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Filipe Martins: Ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência de Bolsonaro. (Foto: Arthur Max/MRE)
Filipe Martins: Ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência de Bolsonaro. (Foto: Arthur Max/MRE)

Um réu (quase) em silêncio

Somente um dos seis agora réus compareceu ao julgamento que avalia a tentativa de golpe: o ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Martins. Proibido pelo STF de falar com a imprensa e de circular por Brasília, Martins acompanhou a sessão ao lado da namorada, Anelise Hauagge, a quem cabia passar seus recados.

Filipe Martins passou a manhã sentado no auditório da 1ª Turma próximo ao deputado federal Marcel Van Hatten (NOVO-RS), um dos mais ferrenhos bolsonaristas em atividade no Congresso. Sob o olhar de dezenas de policiais judiciais do STF durante a sessão, Martins se comunicou, aos cochichos, apenas com a namorada e membros de sua banca.

Já como réu, ele protagonizou uma cena curiosa: observou quieto, do canto de uma sala, repórteres fazendo uma entrevista coletiva com o responsável por coordenar sua defesa no caso, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Sebastião Coelho, que foi detido e expulso do plenário da 1ª Turma durante a sessão que tornou réus os investigados do núcleo 1 da denúncia da PGR.

Coelho pediu que o Supremo rejeitasse a denúncia contra seu cliente, alegando inconsistências em dados sobre a localização de Martins durante a trama golpista. A defesa contesta a ligação do ex-assessor especial de Jair Bolsonaro com a ‘minuta do golpe’ supostamente apresentada ao ex-presidente.

Um advogado de generais acusados de golpe

O advogado do general da reserva do Exército Mário Fernandes, Marcus Vinícius de Camargo Figueiredo, tentou justificar um recente pedido seu – para que o cliente tenha acesso a um computador, mesmo estando preso em uma cela militar em Brasília desde dezembro de 2024. Ao fim do julgamento, Figueiredo renovou o pedido, que Moraes informou que analisaria em breve.

Figueiredo já atuou na defesa do general ‘quatro estrelas’ candidato a vice na chapa derrotada de Bolsonaro, Walter Braga Netto, também réu no STF, antes de assumir a missão de tentar inocentar Fernandes, ex-comandante dos “kids pretos”.

Ex-braço direito do general da reserva e também “kid preto” Luiz Eduardo Ramos na Secretaria da Presidência, Fernandes é acusado de ser um dos responsáveis pelo plano “Punhal Verde Amarelo”, que envolvia o sequestro e “neutralização” de autoridades como o presidente Lula, o vice Alckmin e o ministro Moraes, do STF.

“Queremos fazer a defesa que o Estado Democrático de Direito permite”, disse Camargo à Pública.

Uma defesa à parte

Ao longo das mais de quatro horas de julgamento, a defesa da agora ré Marília Ferreira de Alencar parecia deslocada das demais. O advogado da delegada federal e ex-diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) é o ex-ministro da Justiça do governo Dilma, Eugênio Aragão, figura ligada politicamente à esquerda.

“Não é sem desconforto que estou aqui neste feito, mas conheço a senhora Marília de Alencar há mais de 30 anos”, disse Aragão no início dos 15 minutos reservados para sua argumentação à 1ª Turma.

À Pública, o ex-ministro da Justiça contou ter conhecido Alencar nos tempos em que ambos trabalhavam na PGR. “Não é segredo que a relação entre um advogado e seu cliente é similar à que existe no confessionário: sem segredos. Assumi o caso porque confio nas provas que ela me apresentou”, afirmou.

Durante o voto do relator Alexandre de Moraes para tornar Alencar ré, foi citada a existência de um relatório com planilhas com dados de votação dos candidatos à presidência antes do segundo turno eleitoral em 2022, material ligado à ex-diretora de Inteligência, que, segundo as investigações, teria sido usado para tentar impedir que eleitores comparecessem às urnas para votarem em Lula. Para Aragão, no entanto, há fragilidade nas evidências, especialmente quanto ao relatório citado: “O material foi produzido apenas para identificar áreas que havia risco de confronto entre bolsonaristas e apoiadores do presidente Lula”, defende.

Já em relação a mensagens pessoais de Alencar com outros servidores do antigo governo Bolsonaro, nos quais ela externa descontentamento com o avanço da candidatura de Lula, Aragão disse à Pública que “ser afeito ao ex-presidente [Jair Bolsonaro] não é, por si só, um crime”.

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