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A turbulência na economia global

Economia mundial vive turbulência, mas tarifas de Trump não são explicação para baixo crescimento: desde a crise de 2008, crescimento anual dos EUA foi de 2%

Vijay Prashad
O presidente dos EUA, Donald Trump, assina série de ordens executivas ao lado da secretária da Educação, Linda McMahon. 23/04/25. (Foto: White House / Molly Riley)
O presidente dos EUA, Donald Trump, assina série de ordens executivas ao lado da secretária da Educação, Linda McMahon. 23/04/25. (Foto: White House / Molly Riley)

No dia 22 de abril de 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou seu relatório anual World Economic Outlook, que tem um subtítulo discreto, mas decisivo: A Critical Juncture and Policy Shifts (Uma conjuntura crítica e mudanças de política). O relatório, mais uma vez um trabalho robusto dos economistas do FMI e seus associados, se apressa em dar sentido às tarifas ameaçadas inicialmente pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que depois foram adiadas e, como se a enxurrada não fosse suficiente, mantidas e aumentadas contra a China. O FMI tenta argumentar que, até 2024, “o crescimento global estava estável” e que o atual declínio do crescimento global é, em grande parte, um elemento advindo da “incerteza” e “imprevisibilidade” das tarifas de Trump.

O FMI divulgou esse relatório durante a semana anual de reuniões do Fundo e do Banco Mundial. No início das reuniões, a diretora do FMI, Kristalina Georgieva, refletiu sobre a situação da economia global e afirmou que a turbulência se deve, em grande parte, a uma “erosão da confiança”. Segundo ela, os países não confiam mais uns nos outros como antes, nem no sistema internacional. Além da reversão das tarifas, o FMI diz que o que precisa ser construído novamente é a confiança nos assuntos econômicos internacionais.

Os cochichos nos cantos das reuniões do FMI e do Banco Mundial são todos sobre irracionalidade do governo Trump e – em particular – à imprevisibilidade das declarações do próprio Trump. Com o chefe da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ao seu lado, Trump disse em uma coletiva de imprensa na Casa Branca que o Canadá não é um país de verdade, mas seria um excelente estado dentro dos Estados Unidos. Esse tipo de comentário alimenta risadas abafadas nos bastidores do encontro, onde homens e mulheres em trajes executivos mantêm um ar de preocupação com os altos assuntos de Estado.

Erros de avaliação

Um dos erros significativos na avaliação do FMI é de que tudo nas economias ocidentais começou a parecer estável no ano passado. Embora seja fato que a ameaça das tarifas e, depois, as próprias tarifas anti-China tenham criado “um grande choque negativo no crescimento”, não é verdade que se esperava que as taxas de crescimento atingissem novos patamares este ano.

O crescimento nos EUA tem estado significativamente abaixo de sua tendência histórica desde a crise financeira induzida pela crise das hipotecas subprime de 2007-08 – de fato, o crescimento dos EUA desde então tem sido cumulativamente menor do que na Grande Depressão. Nos 17 anos após a Grande Crise de 1929, o crescimento anual do PIB dos EUA foi em média de 3,7%, enquanto nos 17 anos desde a Crise Financeira Internacional, o crescimento anual dos EUA foi em média de apenas 2,0%.

Em outubro de 2024, o FMI projetou que os Estados Unidos cresceriam 2,2% e, desde então, reduziu sua previsão para 1,8%. Enquanto isso, em outubro do ano passado, sugeriu uma taxa de 4,5% para a China e 6,5% para a Índia, muito mais alta do que a taxa projetada para os EUA ou as projeções para as economias avançadas (1,8%). As tarifas de Trump certamente agravaram os problemas para os EUA, mas elas não são a causa do problema. O crescimento lento tem sido a situação por quase duas décadas.

Sobre essa lentidão, o novo World Economic Outlook do FMI é notavelmente brando. O relatório sugere que o “principal desafio da política macroeconômica” dos Estados Unidos é a dívida do governo federal. Essa dívida, que é de 36,2 trilhões de dólares, representa 124% do PIB. Dez países do Norte Global estão entre os vinte países com os maiores índices de dívida em relação ao PIB: Japão (266%), Grécia (193%), Itália (151%), Estados Unidos (124%), Portugal (122%), Espanha (117%), França (112%), Bélgica (111%), Canadá (109%) e Reino Unido (105%). A redução do déficit pode fazer sentido do ponto de vista macroeconômico, mas não se traduz em uma proposta, por si só, de um caminho de volta ao crescimento para os Estados Unidos. A redução dos gastos com bem-estar social esgotará ainda mais o consumo privado. E o sonho de Trump de revitalizar a indústria dos EUA não funcionará apenas com a redução do déficit do governo federal, sem uma liberação maciça de recursos para a industrialização. Sem um ataque aos padrões de vida dos EUA, isso só poderia vir de medidas como a redução dos gastos militares excessivos ou a reforma do sistema de saúde privado grotescamente ineficiente do país. E essas são políticas que Trump não adotará.

De fato, o FMI dá conselhos extremamente equivocados ao governo chinês. O órgão sugere que a China deveria imitar os Estados Unidos, e não o contrário. O FMI diz que a China deveria “estimular o consumo privado cronicamente baixo” e “reduzir as políticas industriais e o envolvimento generalizado do Estado no setor”. Em outras palavras, abandonar seu perfil de crescimento de longo prazo e tornar-se como os Estados Unidos, que crescem lentamente!

Em novembro de 2024, o FMI divulgou um documento interessante de seus economistas (Dirk Muir, Natalija Novta e Anne Oeking) chamado “China’s Path to Sustainable and Balanced Growth” (O caminho da China para o crescimento sustentável e equilibrado). O documento e o relatório World Economic Outlook, em conjunto, argumentam que o forte desempenho econômico da China se deve ao estímulo da COVID-19, às altas exportações, à alta taxa de poupança doméstica para financiar a infraestrutura pública, ao sistema bancário que direciona a liquidez para pequenas e médias empresas para gerar atividade produtiva em vez de especulação imobiliária e à ênfase em forças produtivas de alta qualidade. Esse é um resumo bastante adequado da estrutura do crescimento chinês no último período. Mas ele é totalmente contrário às sugestões que o FMI agora dá à China: liquidar tudo o que lhe permitiu evitar a lentidão de longo prazo dos países industrializados avançados (inclusive pressionar o renminbi a se valorizar, como os EUA gostariam, para que seu desequilíbrio comercial possa ser corrigido por uma mudança no câmbio e não por uma maior produtividade nos próprios EUA).

O FMI está certo. Há uma grande incerteza à frente. Mas há certeza também em seus próprios relatórios e em seus gráficos. O alto nível de reservas domésticas e uma melhor gestão da soberania dos recursos (inclusive do sistema financeiro), juntamente com a canalização dessas finanças para o setor produtivo (para infraestrutura e industrialização), produzem mais estabilidade no longo prazo do que uma dependência excessiva dos mercados financeiros privados e dos caprichos da classe bilionária. Mas, é claro, o relatório do FMI não se encerra com essa versão. O FMI prefere olhar pela janela e ver as tempestades nos céus do Ocidente em vez da calmaria no Oriente.

(*) Tradução de Raul Chiliani

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