À medida que chegamos a um importante aniversário, de 80 anos desde a derrota do fascismo, um estranho silêncio paira sobre o meu país, a Macedônia, e sobre toda a região que hoje chamamos de território da antiga Iugoslávia. As autoridades nacionais têm sofrido contínuas pressões externas do Ocidente há anos: o dia 9 de maio não deve mais ser associado à vitória sobre o fascismo. Ano após ano, tanto na memória pública quanto no sistema educacional, o dia 9 de maio foi reformulado como Dia da Europa.
As gerações mais velhas ainda se lembram, mas o que as mais jovens sabem sobre o enorme sacrifício humano da Iugoslávia, superado apenas pela URSS, na luta contra o mal? Quase nada. Nós, os mais velhos, podemos sofrer da ausência de esquecimento – lembramo-nos teimosamente dos tempos em que nossos pais e avós deram suas vidas por ideais dos quais os jovens de hoje mal ouvem falar.
Este esquecimento imposto às gerações mais jovens chega ao ponto de programas de televisão mostrarem jovens incapazes de responder a uma pergunta simples: quem foi Josip Broz Tito? Na Macedônia, cada vez mais estudantes nada sabem sobre o dia 11 de outubro de 1941, o Dia da Revolta Macedônia contra o fascismo. No entanto, destacam-se em competições onde demonstram um conhecimento quase perfeito sobre Europa. A ironia é dolorosa: as raízes do patriotismo e os laços com os momentos mais gloriosos do nosso passado não tão distante não só estão sendo cortados, mas também retratados como ruins.
Uma conexão mítica e quase religiosa está sendo cultivada em direção a uma miragem chamada Europa – que significa, é claro, a União Europeia – que é idealizada como uma terra prometida, esperando-nos de braços abertos E isto não é uma coincidência. Através de todo o seu aparato de construção do Estado, a UE procura reescrever a história e implantá-la nas mentes das novas gerações. Nessa versão da história, qualquer ligação ao seu brutal passado colonial é apagada. Mais importante ainda, é ocultado o fato de que foram as ambições imperiais da Europa que levaram a duas guerras mundiais. A Segunda Guerra Mundial, cujo aniversário agora rememoramos discretamente – talvez até clandestinamente, nas costas da UE –, representou o anticlímax do capitalismo, com sua degeneração no nazismo e no fascismo. Isso não foi apenas resultado de indivíduos como Hitler ou Mussolini, mas de condições estruturais que emergiram do útero da crise do capitalismo pós-Primeira Guerra Mundial.
A UE, apresentando-se falsamente como a personificação da “Europa”, tem colocado esforços em remodelar a sua imagem – até o início da operação militar especial na Ucrânia, chegou mesmo a tentar retratar-se como uma potência normativa, conquistando corações e mentes através do soft power. Ela chegou a receber o Prêmio Nobel da Paz pelos seus feitos do passado. No entanto, o seu presente e futuro parecem sinalizar o renascimento da própria semente do mal que outrora a Europa alegava combater. O último ciclo profundo da crise do capitalismo na Europa resultou, primeiro, em um afastamento dos princípios democráticos, mas agora não esconde suas aspirações hiperimperialistas e militaristas – em nome da “autodefesa” contra uma ameaça russa imaginária. Coloquialmente, muitos de nós usamos a nova palavra “russofobia”: a crença de que a Rússia está prestes a entrar em colapso e, ao mesmo tempo, dominar o mundo. Este termo descreve bem a visão irracional sobre a Rússia que está agora enraizada na opinião pública ocidental. Ela ajuda a legitimar a nova onda de militarização, mesmo à custa do bem-estar social dos cidadãos ocidentais.
A reabilitação do fascismo começou com o seu esquecimento. Depois veio a glorificação do Euromaidan na Ucrânia – a chamada revolução pró-europeia de 2014. Uma estranha amnésia está se espalhando pelo chamado mundo ocidental. Como já foi dito, o dia 9 de maio foi sequestrado e, com ele, os livros didáticos, os atos simbólicos e as comemorações foram gradualmente despojados de qualquer conexão com os verdadeiros vencedores da Segunda Guerra Mundial: o Exército Vermelho e o povo soviético, que sacrificaram mais de 27 milhões de vidas contra o nazismo. (Os iugoslavos sacrificaram mais de um milhão de pessoas.)
Foram os soviéticos que libertaram Berlim – duas vezes. A última vez, foi realizada por Mikhail Gorbachev, a um custo que a Rússia continua pagando até hoje. Até mesmo o secretário-geral da ONU agora evita nomear os soldados do Exército Vermelho que libertaram prisioneiros dos campos de concentração mais notórios.
São Moscou e seus aliados que agora se apresentam como os únicos a agirem no espírito da afirmação de Orwell de que “em tempos de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário”. Essa verdade ressoa alto durante o desfile e a grande celebração na Praça Vermelha.
O que está acontecendo no que costumava ser a Iugoslávia? Em países onde gerações foram criadas com narrativas de fraternidade e unidade, sobre o heroísmo dos guerrilheiros que lutaram pelo lado certo da história? Primeiro veio a erosão da soberania e do direito à autodeterminação. À medida que a nova religião – a OTAN e a UE são a única alternativa e estão sempre certas – foi internalizada, os governos começaram a distanciar-se dessa parte da nossa história. Em vez disso, voltaram-se para glórias antigas ou para pintar um futuro brilhante em união com o Ocidente.
Ser vermelho, ser partidário, ser antifascista tornou-se gradualmente suspeito, até mesmo perigoso. O nosso governo orgulha-se agora das alianças com o Ocidente (embora seja cada vez menos claro quem é o Ocidente – da América ou da Europa?) e de se distanciar daqueles com quem outrora compartilhamos trincheiras. Os antigos ocupantes são agora chamados de “administradores”. Já os bustos dos partisans acumulam poeira.
O antifascismo tornou-se algo incômodo de exibir: é para que os nossos aliados ocidentais não se reconheçam no espelho. Assim, prevalece o silêncio. A Europa, a UE, continua sendo celebrada – mesmo enquanto se remilitariza, pisoteia valores básicos e direitos humanos e apoia tacitamente regimes genocidas. Reina a confusão sobre o que celebrar, o que recordar e porquê. Porque, num mundo orwelliano, a guerra é paz e a paz é guerra.
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As comemorações e a memória histórica são importantes. Mas tão vital quanto isso é a capacidade de ver, com os olhos bem abertos, que o ovo da serpente ainda está vivo – e pode eclodir novamente naquilo que milhões de pessoas em todo o mundo deram suas vidas para derrotar há 80 anos. A amarga verdade é que o fascismo nunca foi totalmente derrotado – exceto no campo de batalha, em 1945. Os cientistas sociais sabem bem que as raízes do fascismo não podem ser destruídas apenas com armas. O neofascismo simplesmente se adaptou, se disfarçou e se remodelou de acordo com os tempos. Em alguns Estados, vemos agora o revisionismo histórico – e até mesmo a glorificação de fascistas locais ou colaboradores nazistas.
É por isso que a iniciativa russa nas Nações Unidas é significativa. No dia 17 de dezembro de 2024, durante a 79ª sessão da Assembleia Geral da ONU, a Federação Russa propôs uma resolução: Combate à glorificação do nazismo, do neonazismo e de outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada. Ela foi co-patrocinada por 39 Estados de várias regiões. Por fim, recebeu 119 votos a favor e 53 contra. Lamentavelmente, o meu país estava entre os últimos, apesar de o seu próprio direito à autodeterminação e à soberania dentro da Iugoslávia ter nascido da luta antifascista. Talvez para a política global seja ainda mais revelador examinar quem mais votou contra a resolução: Ucrânia, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Itália, Bélgica, Noruega, Países Baixos, Finlândia, Suécia, Japão, Canadá… Olhe para o novo mapa geopolítico do mundo e tudo se torna evidente e revelador.
Segundo algumas fontes, o marechal soviético Georgy Zhukov teria dito: “Nós libertamos a Europa do fascismo, mas eles nunca nos perdoarão por isso”.
E não perdoaram, como agora vemos claramente.
(*) Tradução de Raul Chiliani