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Morre José Mujica: o descanso do guerreiro

Morte de Mujica ampliará a lenda acerca do velho guerrilheiro, mas não haverá só elogios: muitos na esquerda recordarão criticamente sua metamorfose política

Roberto Montoya
"Pepe" Mujica, ex-guerrilheiro Tupamaro e ex-presidente do Uruguai, falecido em 13 de maio de 2025. (Foto: Protoplasma K / Flickr)
“Pepe” Mujica, ex-guerrilheiro Tupamaro e ex-presidente do Uruguai, falecido em 13 de maio de 2025. (Foto: Protoplasma K / Flickr)

“Meu ciclo chegou ao fim. Sinceramente, estou morrendo e o guerreiro tem direito ao seu descanso”. No último dia 9 de janeiro, José Alberto Mujica Cordano (Montevidéu, 1935-2025), Pepe Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, ex-deputado, ex-presidente do Uruguai, despediu-se publicamente após anunciar que a metástase do câncer de esôfago descoberto em 2024 havia “colonizado” o fígado e que não daria mais entrevistas nem aceitaria cuidados paliativos. Nesta terça-feira, 13 de maio, sua vida chegou definitivamente ao fim.

Aos 89 anos, o veterano político deixou instruções para ser enterrado ao lado de sua cadela Manuela em sua casa, a fazenda de Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu.

De família humilde, floricultor que abandonou os estudos secundários para trabalhar no campo, descendente de bascos e italianos, Mujica ingressou no Movimento Nacional Tupamaros (MLN-T), uma organização armada de esquerda nascida no calor da revolução cubana, no início dos anos 60. Foi ferido por seis tiros em confrontos com a polícia. Passou 15 anos de sua vida preso e fugiu de duas dessas prisões.

Em 1971, protagonizou, junto com o líder máximo e fundador dos Tupamaros, Raúl Sendic, e outros líderes históricos — Eleuterio Fernández Huidobro e Jorge Manera Lluberas e vários outros militantes —, uma espetacular fuga da prisão de Punta Carretas, retratada no filme La noche de 12 años, do uruguaio Álvaro Brechner.

Sem disparar um tiro, em silêncio, rastejando por um túnel de 40 metros a partir de suas celas, em uma complexa operação que durou 20 minutos, 106 militantes dos Tupamaros, além das organizações OPR-33, FARO e cinco presos comuns, distribuídos em três andares diferentes da prisão, conseguiram fugir pela saída de uma casa particular no lado de fora, previamente ocupada por um comando tupamaro de apoio.

Mujica seria preso novamente em 1972 e recuperaria a liberdade em 1985, com o retorno da democracia ao Uruguai. Junto com outros antigos líderes tupas e outros grupos da esquerda radical, Mujica fundou quatro anos depois o Movimento de Participação Popular (MPP), que passou a fazer parte da coalizão de centro-esquerda Frente Amplio, nascida no início dos anos 70.

A Frente Amplio venceu pela quarta vez as eleições presidenciais em novembro de 2024, tendo como candidato à presidência Yamandú Orsi, herdeiro político de Mujica, e Carolina Cosse como vice-presidente, apoiada por várias das forças de esquerda radical integrantes da coalizão.

A Frente Amplio reúne cerca de trinta partidos, movimentos e correntes de esquerda, socialistas, comunistas, trotskistas e democratas-cristãos. Em seu programa comum, eles se definem como progressistas, anti-imperialistas, antirracistas e antipatriarcais.

Pepe Mujica foi deputado pelo Frente Amplio, senador, ministro da Agricultura de Tabaré Vázquez e chegou à presidência do Uruguai em 2010, após vencer as primárias dessa coalizão heterogênea.

Os governos do Frente Amplio, do socialista Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020) e de Pepe Mujica (2010-2015) romperam definitivamente com o sistema bipartidário no país, a alternância de décadas entre o Partido Nacional e o Partido Colorado.

Apesar do impulso de um programa de medidas sociais progressistas desde o primeiro governo da Frente Amplio, as divisões em seu seio logo se tornaram evidentes.

Tabaré Vázquez vetou uma proposta da maioria da coalizão, aprovada no Parlamento, para legalizar a interrupção da gravidez, e vetou novamente uma proposta legislativa do Frente Amplio para revogar a Lei da Caducidade, que deixava impunes os crimes cometidos tanto por militares e policiais quanto por civis durante a ditadura militar.

Tabaré Vázquez só aceitou que alguns responsáveis por esses crimes não fossem cobertos pela anistia.

Mujica substituiu Vázquez em 2010, após a segunda vitória eleitoral do Frente Amplio, e imprimiu um traço mais progressista ao governo. Durante seu mandato, o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo foram legalizados, e o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a venda controlada e o consumo de maconha, regulamentado pelo Estado.

“Aplicamos um princípio muito simples”, diria Mujica, “reconhecer os fatos. O aborto é tão antigo quanto o mundo”. “Agora a mulher não vai diretamente à clínica para abortar. Isso acontecia quando era clandestino. Aqui ela passa por um psicólogo e depois é bem atendida”.

Quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, ele afirmava: “Dizem que é moderno, mas é mais antigo do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe e não legalizá-lo seria torturar as pessoas inutilmente”. “Que cada um faça o que quiser com seu traseiro”, disse ele em uma entrevista.

E o mesmo diria sobre o consumo de maconha: “É uma ferramenta para combater o narcotráfico, que é um crime grave, e para proteger a sociedade”. Mujica fazia uma esclarecimento: “Mas atenção, os estrangeiros não poderão vir ao Uruguai para comprar maconha; não vai haver turismo de maconha”.

Apesar de ser um pequeno país de 3,5 milhões de habitantes sem particular relevância no plano internacional, durante os governos da Frente Ampla, e especialmente durante o mandato de Mujica, o Uruguai teve uma participação ativa nos novos organismos regionais da América Latina e do Caribe nas primeiras décadas do século XXI, em que coincidiram no poder mais governos de corte progressista do que nunca na história da região.

Forças progressistas de diferentes características chegaram ao poder na Argentina, Uruguai, Chile, Brasil, Paraguai, Bolívia, Equador, El Salvador, Venezuela e Nicarágua e, ao contrário das turbulências, divisões internas e graves desvios ideológicos que vários desses processos experimentaram, o Frente Amplio conseguiu manter uma relativa estabilidade interna, apesar das diferenças entre as formações que o compõem.

Mujica atribuía esses desvios em outros países ao personalismo e ao distanciamento de muitos governantes dos movimentos e maiorias sociais que os levaram ao poder.

Nos últimos anos, ele acabou se tornando muito crítico não apenas de Daniel Ortega, após a deriva ditatorial do antigo líder do FSLN, ou de Nicolás Maduro, que ele considerava ter traído o ideário chavista, mas também se mostrou irritado com Cristina Kirchner e Evo Morales por não aceitarem que “seu tempo havia acabado”, recomendando que eles se afastassem e passassem o bastão para as novas gerações.

“Na vida, há um tempo para chegar e outro para partir”, dizia Mujica. “Um bom líder é aquele que não apenas faz coisas boas, mas tem a capacidade de criar uma boa equipe capaz de continuá-las”.

Mujica nunca deixou de viver com sua companheira Lucía em sua humilde fazenda de 20 hectares em Rincón del Cerro, zona rural próxima à capital uruguaia, mesmo quando era presidente.

Ele trabalhava pessoalmente na terra com seu trator e vendia seus produtos, pois durante anos doou 90% de seus salários para obras sociais e 5% para o Movimento de Participação Popular (MPP). Ele afirmava que com o dinheiro que lhe restava, o salário de senadora de sua companheira e os produtos que vendia, eles tinham o suficiente para viver os dois.

Quando sua companheira de toda a vida, a também ex-tupamara e ex-senadora Lucía Topolansky, falecer, a fazenda passará para as mãos do MPP, conforme decisão do casal.

A vida austera do velho guerrilheiro, sua simplicidade, seu discurso direto e sem rodeios, sua luta contra a corrupção e o desperdício, seu compromisso social, sua capacidade de conversar e tomar mate tanto com pessoas do povo quanto com líderes de grandes potências, e sua tolerância e busca constante pelo consenso com aqueles que defendiam outras posições ideológicas, lhe renderam o respeito até mesmo de muitos políticos e pessoas com posições diametralmente opostas às suas.

Apesar disso, sua vida política pública não esteve isenta de duras críticas de setores que compartilharam a militância com ele nos Tupamaros e de militantes de outros grupos de esquerda. Não foram poucos os que sustentaram que Mujica estava sendo absorvido pelo próprio sistema contra o qual lutou desde a juventude.

Em maio de 2007, ele fez algumas declarações nas quais se mostrou autocrítico em relação ao seu passado guerrilheiro: “Estou profundamente arrependido de ter pegado em armas com pouca experiência e não ter evitado assim uma ditadura no Uruguai”.

A adaptação do velho guerrilheiro aos novos tempos; sua forma peculiar de fazer política no plenário, primeiro como deputado, depois como senador e finalmente como presidente, foi vista muitas vezes pelos setores mais radicais da esquerda como um abandono dos valores ideológicos dos Tupamaros.

As críticas que recebeu de setores da esquerda, algumas muito duras, centraram-se em vários aspectos de suas posições políticas: na ausência de avanços significativos na redistribuição da riqueza durante seu mandato, em suas mudanças de postura em relação aos militares ou em suas divergências com o movimento feminista.

Em 2019, após ser eleito senador, ele fez declarações polêmicas e agressivas ao semanário uruguaio Voces. “O movimento feminista é bastante inútil”, chegou a dizer. Mujica reconhecia o machismo, denunciava a sociedade patriarcal, mas sustentava que o feminismo não podia substituir a luta de classes. “Vejo as classes sociais também dentro do próprio movimento feminista”, afirmava.

Talvez a declaração que mais críticas provocou no seio do movimento feminista uruguaio tenha sido quando ele falou, na mesma entrevista, sobre os papéis da mulher no lar: ”A mulher tem uma responsabilidade com seus filhos que não é a do homem. Ela tenta fazer qualquer coisa para alimentá-los e protegê-los. A mulher é sempre mãe, e nós andamos pelo mundo sempre precisando de uma, porque, se não, não sabemos nem onde está a nossa camisa”.

Outra crítica que Mujica e Topolansky receberam da esquerda foi por causa de suas opiniões sobre os militares e sua relação com as forças armadas durante seu mandato.

Uma das polêmicas que se manteve durante anos no seio do Frente Amplio foi a postura a ser adotada em relação à Lei 15.848 de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, aprovada em 1986 durante o governo de Julio María Sanguinetti, líder do tradicional Partido Colorado, conservador, que venceu em 1984 as primeiras eleições após o retorno da democracia.

Por meio dessa lei, foram anistiados os crimes cometidos pela ditadura militar entre 1973 e 1º de março de 1985, quando Sanguinetti assumiu o poder.

Diante das críticas do Frente Amplio e de setores da sociedade, Sanguinetti submeteu a plebiscito popular em 1989 a continuidade ou a anulação dessa lei de impunidade. O medo de revoltar os militares e de que eles voltassem ao poder pode ter sido, segundo alguns analistas, a razão pela qual o plebiscito resultou na manutenção da lei.

Mujica denunciou na época o presidente Sanguinetti por usar a controversa lei para impedir a investigação de casos de prisioneiros desaparecidos. Durante sua presidência, Sanguinetti decidiu amparar sob essa lei casos como o da detenção do militante comunista Álvaro Balbi, preso em 1975 e levado para o Batalhão de Infantaria 13, onde apareceu morto no dia seguinte.

Ao chegar ao poder, Mujica anulou essa resolução de Sanguinetti, que também havia sido criticada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em 2009, com Tabaré Vázquez no poder, o Frente Amplio voltou a promover a realização de um novo plebiscito, e o mesmo resultado se repetiu. Os uruguaios e uruguaias decidiram por maioria a permanência da lei.

Mujica sempre criticou que, nesse plebiscito, a pergunta sobre a Lei da Caducidade não fosse feita como uma votação independente, mas incluída como uma votação secundária no mesmo dia das eleições gerais; uma simples caixa para preencher que muitos eleitores deixaram em branco. “Não se deve concluir que a maioria dos uruguaios está com os repressores”, diria Mujica, ‘mas o que eles querem é virar a página, olhar para frente, não para trás’.

Em 2011, com Pepe Mujica já como presidente, o Frente Amplio levou a votação no Congresso a proposta de realização de um terceiro plebiscito sobre a lei para tentar revogá-la.

Mujica foi criticado por boa parte do próprio Frente Amplio por rejeitar essa proposta que antes havia defendido. Sua postura foi semelhante à adotada por outro ex-líder histórico dos Tupamaros, Eleuterio Fernández Huidobro: “Embora não concordemos, devemos respeitar o que nossos cidadãos já disseram em plebiscito por duas vezes, devemos respeitar a vontade popular”.

No entanto, Mujica disse que em nenhum caso usaria sua prerrogativa presidencial para vetar a iniciativa apresentada por sua formação política e que acataria a disciplina de voto. Os dois votaram a favor da revogação da Lei da Caducidade. Seus votos eram decisivos, já que sabia-se que seria uma votação muito acirrada.

No entanto, a proposta legislativa não foi aprovada. Houve um empate em 49 votos porque um deputado do próprio Frente Amplio, Víctor Semproni, antigo líder sindical e ex-guerrilheiro Tupamaro, cujo voto era esperado, ausentou-se da votação, pelo que a iniciativa não foi aprovada e a Lei da Caducidade continuou em vigor. Semproni foi posteriormente punido pelo Tribunal de Conduta Política do Frente Amplio.

Fernández Huidobro, por sua vez, renunciou ao seu cargo de senador do Frente Amplio em repúdio à posição que obedeceu, mas que não compartilhava com a coalizão. Posteriormente, ele se tornaria ministro da Defesa do segundo governo de Tabaré Vázquez e chegaria a criticar muitos de seus ex-companheiros e organizações de direitos humanos por “estigmatizar” os militares. “São doentes que falam mal das Forças Armadas e dos militares o tempo todo”.

Suas declarações, feitas em um discurso pelo Dia do Exército, em 18 de maio de 2015, fizeram com que a Mesa Política do Frente Amplio emitisse um comunicado duro e três das organizações integrantes da coalizão, La Vertiente Artiguista, Casa Grande e Partido por la Victoria, pedissem sua renúncia como ministro. Eles denunciavam que a postura do ex-chefe tupamaro destruía toda a luta pela memória histórica.

Pepe Mujica evitou entrar nessa polêmica, mas sua postura sobre o tema já era conhecida, pelo menos desde 2008, quando disse que não se dedicava “a cultivar o esquecimento nem a cultivar a memória”. “Decidi me empenhar no que me parece que será o mundo dos meus netos, no qual eu não estarei”.

E em 2014, ele fez algumas declarações ao jornal La República sobre os militares da ditadura presos, que reacenderam o debate no seio do Frente Amplio: ”Eu não lutei para ter idosos presos. Prefiro que morram em suas casas (…) Para que vamos manter um cara de 85 anos preso? Deixem que a morte os encontre em algum canto e coloquem-os em prisão domiciliar!”.

O tema permaneceu latente todos esses anos, desde o momento em que a democracia voltou ao Uruguai, há 40 anos. O lançamento, em 2024, do livro Los Indomables, de Pablo Cohen, com entrevistas com Mujica e Topolansky, reabriu a polêmica.

A ex-senadora e companheira de Mujica afirmou em entrevista que “testemunhas de crimes contra a humanidade ocorridos durante a última ditadura mentiram em seus depoimentos à Justiça com o objetivo de obter condenações de ex-militares”. Mujica endossou essa grave acusação: “Não foram muitos, mas houve, e o fizeram por rancor, por vingança”.

Tal acusação foi um verdadeiro golpe para os sobreviventes da ditadura, para os familiares dos pelo menos 192 desaparecidos, os milhares de perseguidos e exilados, e representou um fôlego para os repressores acusados de mentir sistematicamente à Justiça sobre os crimes da ditadura e de obstruir as investigações.

Pouco depois, o casal Mujica-Topolansky recebeu em sua fazenda Guido Manini Ríos, um homem que entrou no Liceu Militar em 1973, o mesmo ano em que as forças armadas deram o golpe de Estado, e que com o passar dos anos se tornaria um controverso comandante-chefe do Exército durante o governo de Tabaré Vázquez em 2015.

Suas constantes críticas às investigações que a Justiça conduzia sobre os crimes da ditadura levaram o Frente Amplio a exigir sua renúncia e Vázquez finalmente dispensou-o em 2019.

Manini entrou então na política e fundou a formação de direita Cabildo Abierto, da qual foi senador, tornando-se de fato porta-voz das reivindicações dos militares da ditadura presos.

Em 2020, ele repetiu em seu assento no Senado palavras semelhantes às que Mujica havia dito em 2014: “Até quando continuarão processando militares octogenários por fatos ocorridos há 50 anos?”.

Manini pediu a Mujica repetidamente que intercedesse para melhorar as condições dos militares presos e que eles pudessem terminar de cumprir suas penas em suas casas.

Por sua vez, o ex-líder tupamaro reclamou que ele pedisse aos seus que colaborassem de uma vez com informações sobre o paradeiro dos prisioneiros da oposição desaparecidos.

O fato de o Frente Amplio ter maioria no Senado, mas não na Câmara dos Deputados, tem causado temor em setores da esquerda uruguaia de que tanto a relação cordial que Mujica tinha com Manini quanto a que seu sucessor, Yatmandú Orsi, mantém com o entorno do militar, leve o Frente Amplio a buscar o apoio dos dois senadores do Cabildo Abierto para aprovar seus orçamentos e leis no plenário. Se isso acontecer, poderá provocar uma dura crise no seio do Frente Amplio.

Mujica não foi o único dos muitos ex-líderes guerrilheiros que se tornaram presidentes com a chegada da democracia em países da América Latina e África a receber críticas de seus ex-companheiros de militância por sua metamorfose.

Nelson Mandela, líder do Congresso Nacional Africano (CNA) e da organização guerrilheira Umkhonti we Sizwe (MK – A Lança da Nação), experimentou isso pessoalmente, quando, após 27 anos de prisão, se tornou presidente da África do Sul. Muitos de seus ex-companheiros o criticaram por fazer muitas concessões àqueles que haviam sido cúmplices do apartheid, da opressão, da repressão brutal e dos crimes dos quais foi vítima durante décadas a maioria da população negra, da qual o próprio Mandela fazia parte.

O mesmo aconteceu com Dilma Rousseff, marxista como Mandela e Mujica, militante do grupo guerrilheiro Política Operária (Polop) e Comando de Libertação Nacional (COLINA), que também foi torturada e presa durante dois anos e acabaria se tornando presidente do Brasil. A esquerda radical questionava sua política de coexistência no poder com setores da direita, que foram precisamente os que acabariam traindo-a e protagonizando um golpe brando contra ela para derrubá-la.

Como a maioria dos países da América Latina e do Caribe que sofreram ditaduras militares sangrentas financiadas e armadas pelo império norte-americano, o Uruguai também não conseguiu saldar suas contas com os repressores e muitos dos que lutaram contra eles, como Pepe Mujica, entendem que “há dívidas que nunca poderão ser cobradas; elas ficam na mochila”.

Com seu humor mordaz e ironia, disse o velho guerrilheiro em um discurso aos seus em novembro de 2018, depois de pedir que lutassem pela unidade da esquerda e quando já parecia começar a ver ao longe a sombra da morte: “Quero dizer-lhes, companheiros, do fundo do coração, que quando chegar a última viagem, e porque amo a vida apesar de todas as dores, gostaria de dizer àquele que nos leva para o outro lado: ‘Por favor, mais uma rodada!’”.

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