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O Vietnã comemora 50 anos do fim do período colonial

Os enormes desafios do Vietnã na reconstrução de sua economia, após 67 anos de colonialismo francês e 21 anos de uma guerra brutal

Vijay Prashad
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)

Há cinquenta anos, no dia 30 de abril de 1975, as forças revolucionárias do Exército Popular do Vietnã e da Frente de Libertação Nacional entraram em Saigon, antiga capital do Vietnã do Sul. Dois dias antes, em uma tentativa desesperada de evitar mais conflito, os EUA trouxeram um “candidato da paz” – o ex-general Duong Văn Minh – para ser presidente. Foi “Big Minh”, como era conhecido, quem ordenou que suas forças se rendessem às tropas comunistas, o que significou a retirada das forças americanas naquele dia. Finalmente, no dia 2 de julho de 1976, o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul foram formalmente reunificados sob a presidência de Tôn Duc Thắng, um líder comunista de longa data, que assumiu a presidência da República Democrática do Vietnã (o norte) após a morte de Ho Chi Minh em 1969. O Tio Tôn, como era conhecido, trabalhou em estreita colaboração com o general Le Duan para unificar o país e reconstruir a economia, devastada após 67 anos de colonialismo francês (de 1887 a 1954) e 21 anos de guerra brutal (de 1954 a 1975).

É difícil compreender a situação após 1975 sem uma avaliação completa da destruição causada pelos 21 anos de guerra. Os comunistas vietnamitas organizaram um exército de massas composto por patriotas que recusaram-se a render-se, apesar da violência horrível infligida pelos Estados Unidos, a maior potência industrial da época. Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). Essas armas incluíam o uso do químico Agente Laranja, bombas de fragmentação e bombas incendiárias de gel combustível chamadas Napalm (feitas de ácidos naftênico e palmítico).

O uso do Agente Laranja teve um impacto de longo prazo na agricultura vietnamita. Entre 1961 e 1971, os EUA espalharam mais de 20 milhões de galões de herbicidas no solo vietnamita (mais da metade disso era Agente Laranja). Os herbicidas atingiram pelo menos 5 milhões de acres de terra, incluindo florestas (que sofreram um extenso desmatamento, além da redução de um terço dos manguezais) e terras agrícolas (meio milhão de acres ficaram quase permanentemente impróprios para o cultivo). Milhões de vietnamitas, especialmente nas áreas rurais, enfrentaram terríveis problemas de saúde devido ao Agente Laranja por gerações (em razão dos graves defeitos congênitos). Uma história colonial tão dura quanto a francesa e, em seguida, a guerra sangrenta, esgotaram a vitalidade da economia (milhões de pessoas, principalmente camponeses, morreram na guerra) e, após a reunificação, mais de dois milhões de pessoas deixaram o país (incluindo muitos intelectuais, profissionais da área médica, cientistas e engenheiros). Isso representou um enorme desafio para o novo país.

O novo Vietnã socialista deu enorme ênfase à reconstrução da vida dos camponeses, que haviam sofrido o impacto da guerra. Dois projetos de enorme importância raramente são lembrados: os programas nacionais de alimentação para aliviar a fome através do aumento da produção de arroz e da distribuição de alimentação de emergência, e o programa de desenvolvimento rural para reconstruir escolas, clínicas médicas e sistemas de irrigação, bem como o envio de brigadas de saúde e alfabetização para construir um novo homem vietnamita a partir das rígidas hierarquias do antigo Vietnã (con người mới xã hội chủ nghĩa – construir uma nova pessoa). Contra todas as adversidades, o Partido Comunista Vietnamita conseguiu iniciar a transformação da sociedade rural, que estava totalmente devastada pela guerra, até esta alcançar algum nível de normalidade. A estagnação das cooperativas agrícolas devido à má qualidade do solo e equipamentos obsoletos levaram a uma séria reconsideração do caminho a ser trilhado. Foi a partir da constatação de que as forças produtivas precisavam ser desenvolvidas que o Partido Comunista Vietnamita lançou a política Doi Moi (ou Renovação) em 1986, com o fim de atrair novas tecnologias e financiamento.

O período Doi Moi foi mal compreendido fora do Vietnã. O Estado vietnamita continuou controlando o seu sistema financeiro e monetário por meio do Banco Estatal do Vietnã (política monetária) e do Ministério das Finanças (política fiscal e supervisão das empresas estatais). Enquanto isso, o Estado regula rigidamente os bancos privados e os investidores, restringe e monitora os fluxos de moeda estrangeira por meio de controles rígidos de capital e aloca crédito para favorecer setores estratégicos ou empresas estatais. Ligado à dinâmica da economia chinesa e devido à importação de novas tecnologias de empresas estrangeiras, o Vietnã registrou altas taxas de crescimento (mais de 7% em 2024), impulsionado pela indústria e construção, com contribuições modestas da agricultura, silvicultura e pesca. Como consequência, a expectativa de vida melhorou, assim como os indicadores sociais gerais.

No entanto, sua economia é vulnerável a choques externos, pois 87% do seu Produto Interno Bruto (PIB) provém das exportações. Mas a crescente demanda no âmbito do Acordo de Parceria Econômica Regional Abrangente de 2020, que criou o maior bloco comercial do mundo, proporcionou ao Vietnã um conjunto diversificado de clientes e, assim, o isolou de qualquer problema. Dentro do Vietnã, há uma forte demanda política para aumentar o mercado interno e erradicar a pobreza absoluta, especialmente nas áreas rurais. Isso tem estado em discussão, juntamente com a campanha do Partido Comunista para acabar com a corrupção entre funcionários públicos e empresas privadas. Um indicador dessa abordagem é que, embora o Vietnã seja o maior exportador mundial de arroz, nenhum grão de arroz sai do país sem que as necessidades internas sejam primeiro atendidas.

Na comemoração da reunificação do Vietnã, To Lam, secretário-geral do Partido Comunista, invocou uma frase de Ho Chi Minh: “O Vietnã é único, o povo vietnamita é único. Os rios podem secar, as montanhas podem erodir, mas essa verdade nunca mudará”. Na verdade, o Estado vietnamita e o povo vietnamita estão em uma luta para garantir que os rios não sequem e as montanhas não erodam, para que permaneçam unidos e que seu país comece a abolir os velhos problemas (fome, pobreza, analfabetismo) que os assolam há séculos. O ex-secretário-geral do Partido, Nguyễn Phú Trọng, disse neste contexto: “Nenhum vietnamita deve passar fome na terra que sua revolução libertou”. Este é um compromisso que o Partido assumiu para acabar com essas heranças rígidas do passado. O fato de muitos desses problemas estarem prestes a serem erradicados dá ao povo fé em seu sistema.

(*) Tradução de Raul Chiliani

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