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Como Daniel Noboa venceu no Equador e o que esperar do seu novo mandato

Após vencer eleições marcadas por militarização e denúncias de fraude, Noboa avança autoritarismo no Equador, mantém medidas neoliberais e reabre país aos EUA

Pilar Troya Fernández
O presidente do Equador, Daniel Noboa, chega ao Palácio de Carondelet, em novembro de 2023. (Foto: Carlos Silva-Presidencia de la República)
O presidente do Equador, Daniel Noboa, chega ao Palácio de Carondelet, em novembro de 2023. (Foto: Carlos Silva-Presidencia de la República)

Em 10 de maio de 2025, o Conselho Nacional Eleitoral do Equador proclamou Daniel Noboa como vencedor das eleições presidenciais realizadas em 13 de abril. O anúncio foi feito em meio a acusações de fraude, irregularidades eleitorais e autoritarismo crescente. Essa reeleição representa a continuidade e o aprofundamento do modelo neoliberal e militarizado que agravou a crise econômica, a violência e a pobreza no país.

Noboa, herdeiro do empresário mais rico do Equador, tornou-se presidente pela primeira vez em 2023, após a “morte cruzada“, decretada por Guillermo Lasso, para evitar seu impeachment. Ele venceu essa eleição contra Luisa González da Revolución Ciudadana (RC), o movimento do ex-presidente Rafael Correa. Em seu primeiro mandato, que durou apenas um ano e meio, seu governo causou uma recessão de -2% em 2024, a pobreza atingiu 28% em nível nacional e 43% nas áreas rurais, e houve um aumento alarmante da violência.

Em abril de 2025, Noboa foi reeleito, novamente contra González, que tinha o apoio de uma ampla frente de esquerda, incluindo o movimento indígena, o movimento popular mais forte do país.

As eleições foram marcadas por graves anomalias: o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) desqualificou o candidato Jan Topic, o principal rival de Noboa na direita; ao mesmo tempo, o governo suspendeu a vice-presidente Verónica Abad para evitar que ela assumisse temporariamente a presidência, o que permitiu que Noboa contornasse a exigência constitucional de tirar uma licença durante sua campanha eleitoral.

O candidato-presidente Noboa frequentemente “confundia” esses dois papéis, algo mencionado no relatório dos observadores eleitorais da União Europeia. O governo usou recursos estatais para fins eleitorais, liberando 550 milhões em subsídios e usando a mídia pública para a campanha, sem a sanção do CNE. Por outro lado, o CNE abriu processos infundados contra figuras da oposição, como Pabel Muñoz, prefeito de Quito pelo partido Revolución Ciudadana – uma nova forma do lawfare que tem afligido o país desde 2018.

O CNE também proibiu o uso de telefones celulares no dia da eleição, limitando a transparência e as possibilidades de controle democrático dos cidadãos e dos movimentos políticos, e restringiu as possibilidades de voto dos equatorianos que vivem na Venezuela. Ao mesmo tempo, Noboa declarou estado de emergência com presença militar nas províncias onde o RC é mais forte.

As Forças Armadas apoiaram abertamente a campanha de Noboa, contrariando seu papel não partidário. Todas as pesquisas pré-eleitorais e de boca-de-urna mostraram um empate técnico ou até mesmo uma vantagem para González. Entretanto, o resultado oficial deu uma surpreendente vantagem de quase 11 pontos para Noboa. O RC denunciou fraude e solicitou uma revisão das atas e uma recontagem, pedido que foi rejeitado. Um relatório de especialistas estrangeiros advertiu que as cédulas poderiam ter sido manipuladas porque foram impressas com uma tinta especial, e o relatório da OEA também detectou irregularidades. Um estudo mostra que não há precedentes, neste século, na região, para uma mudança tão grande e repentina entre o primeiro e o segundo turnos.

O país está passando por uma grave crise de segurança. A violência relacionada ao narcotráfico disparou: houve mais de 400 mortes em massacres em prisões desde 2021 e uma taxa de homicídios que passou de 5 mortes por 100 mil habitantes em 2017 para 45 em 2025. Um número recorde de mortes violentas é batido todos os meses; 831 em março de 2025 frente a 750 em janeiro, um aumento de 65% em relação ao primeiro trimestre de 2024 e quase 40% em relação ao mesmo período de 2023. Embora Noboa afirme ter um “Plano Fênix” para combater o crime organizado, seu conteúdo é secreto e seus resultados nulos até o momento. Ao mesmo tempo, há uma série de denúncias que ligam diretamente as empresas do grupo Noboa a remessas de drogas em exportações de banana.

A concentração da mídia e a desinformação nas redes sociais – que constantemente divulgam notícias falsas contra Correa e a RC – ajudam a manter a narrativa oficial. Por exemplo, o correísmo é responsabilizado pelo aumento da violência por ter fechado a base militar dos EUA em Manta em 2009, apesar do crime ter caído entre 2010 e 2017 e só ter aumentado a partir de 2019, com a guinada à direita de Lenín Moreno, que retornou ao FMI.

Do ponto de vista econômico, o Equador foi um dos países latino-americanos que apresentou um declínio em 2024, com a sua economia sofrendo contrações há quatro trimestres consecutivos. A projeção para 2025 é de apenas 1,6% de crescimento, de acordo com o FMI, e pode piorar se houver um choque externo ou caso se repita a crise energética causada pela seca do ano passado, que deixou o país sem eletricidade por até 14 horas por dia. Isso levando em conta que Noboa não adotou nenhuma medida relevante para resolver o problema de energia, nem implementou nenhuma proposta séria e viável para reativar a economia.

Na política externa, o presidente equatoriano se alinha com as políticas imperialistas de Washington, tendo se reunido com o Comando Sul e demonstrado afinidade com Donald Trump, com quem tentou se reunir na Flórida antes das eleições, sem sucesso.

O novo período de governo já está mostrando sinais de mais autoritarismo. Com uma maioria legislativa parcial, o partido de Noboa apresentou um projeto de lei em 14 de maio com a categoria de “urgência econômica”, o que obriga a Assembleia Nacional a lidar com ele dentro de um mês, ou ele será automaticamente aprovado. O projeto de lei, sob o pretexto de combater a economia criminosa que é a base do “conflito armado interno” – um rótulo criado por Noboa que busca equiparar criminosos e traficantes de drogas a terroristas –, busca conceder perdões antecipados a militares e policiais, permitir batidas sem mandados e ampliar os motivos para prisão preventiva.

Na frente militar, a constituição proíbe bases estrangeiras, mas acordos assinados com os EUA desde 2019 (pelo ex-presidente Guillermo Lasso) facilitaram o uso de portos e aeroportos equatorianos por militares e pessoal de segurança dos EUA. Noboa agora buscará reformar a Constituição para permitir o retorno formal das bases militares estadunidenses, especialmente nas Ilhas Galápagos, um enclave estratégico para os EUA como parte de seu controle do Pacífico Sul e dos fluxos para o Canal do Panamá, na lógica de cercar a China. A presença militar dos EUA já foi registrada nesse território.

Em suma, o segundo mandato de Daniel Noboa está se configurando como um aprofundamento de suas políticas neoliberais: redução do investimento público, privatizações, maior precarização do trabalho, redução dos programas sociais, financeirização ligada à eliminação dos controles sobre lavagem de dinheiro e autoritarismo expresso como militarização. A oposição denuncia uma regressão democrática, o enfraquecimento do estado de direito e um movimento em direção ao controle total do país por uma elite econômica, com apoio externo (EUA) e militar.

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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