Houve um tempo em que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu parecia ter todas as cartas na mão. A Autoridade Palestina estava bastante passiva, a Cisjordânia ocupada estava relativamente calma, o alcance diplomático de Israel estava se expandindo e os Estados Unidos pareciam dispostos a contornar o direito internacional para acomodar o desejo de Israel de controlar totalmente a Palestina.
O primeiro-ministro israelense também havia, pelo menos em sua própria opinião, conseguido subjugar Gaza, o enclave persistentemente desafiador que há anos lutava sem sucesso para quebrar o sufocante bloqueio israelense.
Dentro de Israel, Netanyahu era celebrado como o primeiro-ministro mais antigo do país, uma figura que prometia não apenas longevidade, mas também uma prosperidade sem precedentes. Para marcar esse momento, Netanyahu empregou um recurso visual: um mapa do Oriente Médio ou, em suas próprias palavras, “o Novo Oriente Médio”.
As operações militares israelenses intensificadas em Gaza são uma tentativa de Netanyahu de projetar força em meio à percepção de vulnerabilidade política.
Esse novo Oriente Médio imaginado, segundo Netanyahu, seria um bloco verde unificado, representando um futuro de “grandes bênçãos” sob a liderança israelense.
Notavelmente ausente desse mapa estava a Palestina em sua totalidade — tanto a Palestina histórica, agora Israel, quanto os territórios palestinos ocupados.
A última revelação de Netanyahu ocorreu na Assembleia Geral das Nações Unidas em 22 de setembro de 2023. Seu discurso supostamente triunfante teve pouco público e, entre os presentes, o entusiasmo estava notavelmente ausente. Isso, no entanto, pareceu ter pouca importância para Netanyahu, sua coalizão de extremistas ou o público israelense em geral.
Historicamente, Israel tem contado com o apoio de algumas poucas nações consideradas, em seu próprio cálculo, de importância primordial: Washington e um punhado de capitais europeias.
Então veio o ataque de 7 de outubro. Inicialmente, Israel aproveitou a ofensiva palestina para angariar apoio ocidental e internacional, validando suas políticas existentes e justificando sua resposta planejada. No entanto, essa simpatia se dissipou rapidamente quando ficou claro que a resposta de Israel envolvia uma campanha de genocídio, o extermínio do povo palestino em Gaza e a limpeza étnica da população de Gaza e das comunidades da Cisjordânia.
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À medida que imagens e filmagens da carnificina devastadora em Gaza surgiam, o sentimento anti-israelense crescia. Até mesmo os aliados de Israel tiveram dificuldade em justificar o assassinato deliberado de dezenas de milhares de civis inocentes, predominantemente mulheres e crianças.
Nações como a Grã-Bretanha impuseram embargos parciais de armas a Israel, enquanto a França tentou um equilíbrio, apelando para um cessar-fogo e reprimindo ativistas domésticos que defendiam o mesmo. A narrativa pró-Israel do Ocidente tornou-se cada vez mais incoerente, embora continue profundamente problemática.
Washington, sob o ex-presidente Joe Biden, manteve inicialmente um apoio inabalável, endossando implicitamente o objetivo de Israel: genocídio e limpeza étnica.
No entanto, como Israel não conseguiu atingir seus objetivos inicialmente idealizados, a postura pública de Biden passou a mudar. Ele pediu um cessar-fogo, embora sem demonstrar qualquer disposição tangível de pressionar Israel. O apoio incondicional de Biden a Israel tem sido citado por muitos como um fator que contribuiu para a derrota do Partido Democrata nas eleições de 2024.
Então veio o novo presidente dos EUA, Donald Trump. Netanyahu e seus apoiadores, tanto em Israel quanto em Washington, anteciparam que as ações de Israel na Palestina e na região mais amplamente – Líbano, Síria, etc. – se alinhariam a um plano estratégico mais amplo.
Eles acreditavam que o governo de Trump estaria disposto a intensificar ainda mais a escalada. Essa escalada, segundo eles, incluiria ações militares contra o Irã, o deslocamento dos palestinos de Gaza, a fragmentação da Síria, o enfraquecimento do Ansarallah no Iêmen e muito mais, sem concessões significativas.
Inicialmente, Trump sinalizou a disposição de seguir essa agenda: lançar bombas mais pesadas, fazer ameaças diretas contra o Irã, intensificar as operações contra o Ansarallah e expressar publicamente o interesse em controlar Gaza e deslocar sua população.
No entanto, as expectativas de Netanyahu resultaram apenas em promessas não cumpridas. Isso levanta a questão: Trump estava deliberadamente enganando Netanyahu ou a evolução das circunstâncias exigiu uma reavaliação de seus planos iniciais?
A última explicação parece mais plausível. Os esforços para intimidar o Irã se mostraram ineficazes, levando a uma série de compromissos diplomáticos entre Teerã e Washington, primeiro em Omã, depois em Roma.
O Ansarallah demonstrou resiliência, levando os EUA a reduzir suas campanhas militares no Iêmen em 6 de maio, especificamente a Operação “Rough Rider”. No dia 16 de maio, uma autoridade americana anunciou que o navio USS Harry S. Truman se retiraria da região.
Notavelmente, no dia 12 de maio, o Hamas e Washington anunciaram um acordo em separado, independente de Israel, para a libertação do prisioneiro americano-israelense Edan Alexander.
O ponto culminante ocorreu no dia 14 de maio, quando Trump proferiu um discurso em um fórum de investimentos entre os EUA e a Arábia Saudita em Riad, defendendo a paz e a prosperidade regional, suspendendo as sanções contra a Síria e enfatizando uma resolução diplomática com o Irã.
Notavelmente ausente dessas mudanças regionais estava Benjamin Netanyahu e sua “visão” estratégica.
Netanyahu respondeu a esses acontecimentos intensificando as operações militares contra hospitais palestinos em Gaza, visando pacientes no Hospital Nasser e no Hospital Europeu. Essa ação, que teve como alvo os mais vulneráveis, foi interpretada como uma mensagem a Washington e aos Estados árabes de que seus objetivos permaneciam inalterados, independentemente das consequências.
A intensificação das operações militares israelenses em Gaza é uma tentativa de Netanyahu de projetar força em meio à percepção de sua própria vulnerabilidade política. Essa escalada resultou em um aumento acentuado no número de vítimas palestinas e exacerbou a escassez de alimentos, se não a fome total, para mais de 2 milhões de pessoas.
Ainda não se sabe por quanto tempo Netanyahu permanecerá no poder, mas sua posição política se deteriorou significativamente. Ele enfrenta uma oposição interna generalizada e condenação internacional. Até mesmo seu principal aliado, os Estados Unidos, sinalizou uma mudança em sua abordagem. Este período pode marcar o início do fim da carreira política de Benjamin Netanyahu e, potencialmente, das políticas associadas ao seu governo terrivelmente violento.
(*) Tradução de Raul Chiliani