Pesquisar
, ,

Os ataques dos Estados Unidos ao Irã aumentarão a proliferação de armas nucleares

Tanto os Estados Unidos quanto Israel interpretaram mal o Irã: com uma população disposta à luta, não será fácil derrubar o governo

Vijay Prashad
Homem carrega cartaz do general iraniano Qassem Soleimani, morto em 2020 pelos EUA. (Foto: Ali Reza Safari / 10 Images)
Homem carrega cartaz do general iraniano Qassem Soleimani, morto em 2020 pelos EUA. (Foto: Ali Reza Safari / 10 Images)

No dia 21 de junho, os Estados Unidos atacaram três locais no Irã com sua enorme força militar. Esses locais foram Fordow, Isfahan e Natanz – três áreas onde o Irã possui instalações de energia nuclear. Para ficar claro: as instalações de energia nuclear do Irã são legais e continuamente são inspecionadas e validadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O Irã aderiu à AIEA em 1958, logo após a criação da agência. Desde então, o país é membro da AIEA e tem seguido as linhas gerais das regras estabelecidas para o uso pacífico da energia nuclear. Apesar da imensa pressão exercida sobre a AIEA pelo Norte Global para que sancione o Irã, os relatórios da AIEA têm sido claros ao afirmar que o país não violou as regras e não é um Estado com armas nucleares. O Irã também não ameaçou os Estados Unidos e não atacou os Estados Unidos ou seus ativos. Ao mesmo tempo, não houve nenhuma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas que permitisse aos Estados Unidos atacar o Irã. Portanto, os Estados Unidos e Israel violaram o direito internacional ao conduzir uma guerra de agressão contra o Irã.

O Irã afirmou que não houve contaminação nuclear na área das instalações, o que significa que os Estados Unidos não conseguiram penetrar esses centros altamente protegidos. Até o momento, parece haver pouca disposição do governo Trump em expandir essa campanha de bombardeios e levar sua guerra agressiva para as cidades do Irã, como fez o governo Bush com o Iraque.

Mas não há garantias de que não haverá uma ampliação da guerra e que ela não irá além dos ataques às instalações de energia nuclear. Se o Irã não se render nas negociações previstas, os Estados Unidos e Israel podem muito bem bombardear Teerã e tentar matar a liderança iraniana e derrubar o seu governo.

Tanto os Estados Unidos quanto Israel interpretaram mal o Irã. A pesquisa World Values Survey nos mostra que os iranianos respondem de forma clara e em grande número às perguntas que refletem o orgulho nacional: 83% disseram que têm orgulho de seu país e 72% disseram que estão prontos para lutar por seu país (nos Estados Unidos, esta última porcentagem é de apenas 59%). Nos comícios anuais pela Revolução de 11 de fevereiro, um número gigantesco de pessoas costuma comparecer, marchando com entusiasmo. Os ataques ao Irã não enfraqueceram essa determinação; parecem tê-la aumentado.

Apesar dos ataques, as pessoas têm saído às ruas para demonstrar sua indignação e sua resolução de lutar contra qualquer um que ataque o Irã e sua soberania. Não será fácil para os Estados Unidos e Israel desmantelar a República Islâmica e colocar no poder seus representantes, como Reza Pahlavi, descendente do xá do Irã, que vive em Los Angeles, nos Estados Unidos.

O alto índice de patriotismo no Irã e a determinação do povo iraniano impedirão os Estados Unidos de tentar invadir o país (a população do Irã é de 90 milhões, enquanto a do Iraque é de 45 milhões, e como os EUA não conseguiram subjugar o Iraque, é improvável que consigam subjugar uma população duas vezes maior e muito jovem – com idade média de 33 anos). Um bombardeio covarde ao Irã é uma coisa, outra é uma invasão militar do Irã: está fora de questão para países que simplesmente não queiram enfrentar uma resistência vigorosa nas ruas.

O maior estímulo à proliferação de armas nucleares foi esse ataque ao Irã. A destruição do Estado líbio pelos EUA e pela OTAN (2011) e esse ataque dos EUA e de Israel ao Irã agora provam a países como a Coreia do Norte que o escudo nuclear é necessário. De fato, a recusa da Coreia do Norte em desnuclearizar seu estabelecimento militar mostra aos países do Sul Global que, se querem proteger sua soberania, não basta construir um exército convencional. O Irã provavelmente se retirará do Tratado de Não Proliferação Nuclear (1968), cessará sua cooperação com a AIEA e construirá uma arma nuclear. O Egito, a Arábia Saudita e a Turquia provavelmente seguirão esse processo e desestabilizarão totalmente o Oriente Médio, enquanto Mianmar provavelmente aumentará sua cooperação com a Coreia do Norte para a obtenção de mísseis e uma arma nuclear. É uma defesa lógica para países que observam atentamente à violação da soberania do Irã, não porque ele possui uma arma nuclear, mas porque não possui uma arma nuclear.

Lentamente, grupos cada vez maiores de pessoas começaram a sair às ruas, horrorizados com as implicações deste ataque hiperimperialista de Israel e, em seguida, dos Estados Unidos. Houve declarações de grupos ao redor do mundo condenando esses ataques e afirmando que a paz e o desenvolvimento são os desejos dos povos do mundo, e não a guerra e o retrocesso. Não há dúvida entre os povos do Sul Global de que este ataque de Israel e dos Estados Unidos não tem nada a ver com o comportamento do Irã, mas tudo a ver com os objetivos de guerra do Norte Global para dominar a Ásia Ocidental.

(*) Tradução de Raul Chiliani

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

Continue lendo

Trincheiras preservadas da batalha de Fath-Olmobin, da Guerra Irã-Iraque, na província de Cuzistão, no Irã. (Foto: Ninara / Flickr)
Os EUA podem derrotar o Irã?
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante a Cúpula da OTAN em Haia. (Foto: Martijn Beekman / NATO North Atlantic Treaty Organization)
Vijay Prashad: as alucinações da OTAN
O presidente russo, Vladimir Putin, com o secretário geral do Comitê Central do Partido Comunista da China, Xi Jinping, em Moscou. Junho de 2019. (Foto: The Presidential Press and Information Office / Kremlin / Wikimedia Commons))
China: o ponto fraco da geopolítica de Dugin

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina