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Trump e Rubio apertam o cerco a Cuba

Sob sanções cada vez mais graves, Cuba sofre devastação econômica profunda. Em 2019, PIB encolheu 15%, em 2020, 11%.

Manolo De Los Santos
A economia de Cuba, já abalada pelo golpe devastador da pandemia no turismo e pelo bloqueio de seis décadas, foi ainda mais pressionada desde que Trump assumiu o cargo. (Foto: Clara Sanchiz / Flickr)
A economia de Cuba, já abalada pelo golpe devastador da pandemia no turismo e pelo bloqueio de seis décadas, foi ainda mais pressionada desde que Trump assumiu o cargo. (Foto: Clara Sanchiz / Flickr)

Cuba enfrenta novamente uma crise grave e multifacetada, não devido aos furacões que assolam o Caribe todos os anos, mas à pressão implacável e sufocante exercida pelo seu poderoso vizinho do norte. Trata-se da história de um povo que luta repetidamente pela independência sob um cerco e um bloqueio inflexíveis. Através de ações deliberadas, o governo dos EUA tem construído e imposto meticulosamente barreiras ainda maiores que ameaçam a própria sobrevivência do povo cubano.

A mais recente manifestação desta crise ocorreu em 30 de maio, com um anúncio da ETECSA, a empresa estatal de telecomunicações de Cuba, sobre um aumento significativo das tarifas dos dados móveis de telefonia. Embora aparentemente insignificante para quem está de fora, para os cubanos, este aumento desencadeou uma onda de críticas que refletem frustrações latentes. As novas tarifas, especialmente para dados adicionais, são altas em comparação com o salário médio. Agora, 3 GB extras custam 3.360 pesos cubanos, quase dez vezes o preço do plano mensal de 6 GB. Não se trata apenas de um ajuste de preço; foi um choque para a grande maioria dos 8 milhões de usuários de telefones celulares em Cuba, muitos dos quais dependem do acesso à internet para estudar, trabalhar e se conectar com familiares no exterior. Mas este anúncio da ETECSA não é um incidente isolado; ele ressalta a imensa pressão sob a qual Cuba tenta atender às necessidades básicas de seu povo sob o bloqueio dos Estados Unidos.

Aperto do bloqueio

Para aqueles menos familiarizados com a história recente de Cuba, a economia da ilha, já abalada pelo golpe devastador da pandemia no turismo e pelo bloqueio de seis décadas, foi ainda mais pressionada desde que Trump assumiu o cargo.

As 243 sanções impostas por Trump entre 2017 e 2021 continuam em vigor, uma manta sufocante entrelaçada no tecido da vida cotidiana cubana. Mesmo sob o presidente Biden, que fez campanha prometendo mudanças, a pressão foi mantida.

Em 2017, os EUA acusaram Cuba de “ataques sônicos” contra funcionários de sua embaixada. A alegação foi posteriormente provada falsa, mas serviu ao seu propósito: foi um pretexto para Trump congelar as relações, colapsar o turismo e fechar as portas para os mais de 600 mil visitantes americanos anuais. Em seguida, veio o fechamento da Western Union em 2020, interrompendo remessas vitais de dinheiro para Cuba. A suspensão dos serviços de visto na Embaixada dos EUA em Havana em 2017 provocou a maior onda de migração irregular desde 1980, um êxodo desesperado de cubanos em busca de alguma saída.

A devastação econômica desde então tem sido profunda. O PIB de Cuba encolheu impressionantes 15% em 2019 e mais 11% em 2020. Trata-se de um país incapaz de comprar produtos de primeira necessidade devido a restrições bancárias, com seus serviços públicos e indústrias paralisados. Quando a COVID-19 chegou em 2020, o robusto sistema de saúde pública de Cuba, uma razão de orgulho nacional, se viu sob imensa pressão. Sua única fábrica de oxigênio, essencial para o tratamento de pacientes, ficou inoperante porque não conseguiu importar peças de reposição devido ao bloqueio. Milhares de cubanos lutavam para respirar, mas Washington se recusou a abrir exceções.

A resposta de Cuba ao agravamento da crise

O último ato de Trump no cargo, listar Cuba como um Estado patrocinador do terrorismo, em janeiro de 2021, representou um golpe devastador. Essa designação torna quase impossível para Cuba realizar transações financeiras normais, cortando o comércio vital à ilha. E então, nos primeiros 14 meses do governo Biden, a economia cubana perdeu cerca de 6,35 bilhões de dólares devido às sanções de Trump continuadaspor Biden, impedindo investimentos cruciais em sua obsoleta rede elétrica e na compra de alimentos e medicamentos. O peso cubano despencou, desvalorizando os salários já baixos do setor público. Embora o sistema de racionamento forneça uma dieta de subsistência, esse nível de privação não era sentido na ilha desde o “Período Especial” da década de 1990, após o colapso da União Soviética.

Diante dessas severas restrições, o governo cubano teve que se adaptar. Em 2020, começou a depender mais do setor privado como nova fonte de emprego e importador de bens básicos — uma medida pragmática nascida da necessidade. Mais de 8 mil pequenas e médias empresas foram registradas desde 2021 e, em 2023, o setor privado estava a caminho de importar 1 bilhão de dólares em bens. Embora essa ascensão do setor privado tenha impulsionado a importação de alguns suprimentos, ela também trouxe novos desafios para o projeto socialista de Cuba, criando disparidades de renda, um contraste gritante com a ênfase histórica de Cuba na distribuição equitativa da riqueza.

O presidente Miguel Díaz-Canel tem enfatizado consistentemente o compromisso do governo em fornecer serviços essenciais, ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de mudanças devido ao cenário atual de um bloqueio cada vez mais rígido. Ele define o projeto socialista de justiça social de Cuba não apenas como “bem-estar”, mas em termos de uma distribuição justa de renda, em que aqueles que ganham mais contribuem mais e aqueles que não podem são apoiados. Essa é a corda bamba em que a Revolução caminha: equilibrar as realidades econômicas com seus princípios fundamentais. A liderança insiste em salvaguardar o projeto socialista e garantir os serviços essenciais, resistindo aos apelos por grandes esforços de privatização.

A pandemia, que dizimou o turismo, a principal indústria de Cuba, exacerbou ainda mais a crise. Apesar do acesso cada vez mais restrito a divisas fortes, o governo gastou centenas de milhões de dólares em suprimentos médicos e continuou a garantir salários, alimentos, eletricidade e água, aumentando sua dívida em 2,4 bilhões de dólares para cobrir as necessidades básicas de seu povo.

Seis décadas de tentativas de mudança de regime pelos EUA

O maior obstáculo enfrentado por Cuba em seus esforços para atender às necessidades básicas de seu povo é o antagonismo aberto e implacável dos Estados Unidos. Desde o primeiro dia da Revolução Cubana, o objetivo do governo dos EUA tem sido a mudança de regime, promovida através da criação de condições cada vez mais adversas e do financiamento de atividades subversivas internas. Embora o bloqueio sempre tenha impedido o desenvolvimento de Cuba, durante as três primeiras décadas, o apoio soviético e um ambiente favorável no Terceiro Mundo compensaram grande parte de seu impacto. A década de 1990, que ficou conhecida como o “Período Especial”, foi uma crise de proporções imensas, pois Cuba teve que enfrentar sozinha o poder do bloqueio dos Estados Unidos, embora essa época tenha exigido respostas inovadoras que permitiram a sobrevivência do país.

No entanto, o momento atual é diferente. Os efeitos cumulativos das sanções de Trump, a pandemia, a recessão econômica global, a inação de Biden e o retorno de Trump com um vingativo Marco Rubio como Secretário de Estado criaram uma tempestade perfeita para os EUA tentarem seus objetivos de longa data de mudança de regime. O infame memorando de Lester Mallory de 1960, que afirmava explicitamente que o objetivo do bloqueio era causar uma rebelião interna por meio da fome e do desespero, encontrou uma aplicação nova e mais sofisticada. Essa estratégia está forçando o Estado cubano a adotar medidas que podem ser contrárias ao seu projeto, mas são essenciais para sua sobrevivência em um período de grande hostilidade.

As empresas estatais, alicerces da economia socialista cubana, estão desmoronando devido à incapacidade de financiar a manutenção necessária ou gerar reservas cambiais suficientes, em consequência do bloqueio.

A ETECSA, fortemente sancionada pelos EUA, ficou com poucas ou nenhuma opção para renovar toda a sua infraestrutura interna, além de ter aumentado suas tarifas pela primeira vez em anos. De seus servidores aos retransmissores, tudo requer tecnologia importada. O Estado, historicamente capaz de subsidiar tudo, desde a educação e a saúde até o transporte e a alimentação, está sendo forçado a reduzir, adaptar e, em alguns casos, abrir mão de sua capacidade de atender a todas as necessidades ao mesmo tempo. A coleta de lixo, os serviços de água e, mais criticamente, a eletricidade enfrentam desafios tão graves que seu mau funcionamento gera não apenas frustração, mas uma crescente descrença na capacidade do Estado de resolver esses problemas.

Embora o governo dos EUA, em 60 anos de guerra econômica, não tenha conseguido derrubar o Estado cubano de forma definitiva, suas medidas começaram agora a ter seu impacto mais severo, a ponto do governo Trump e seus capangas, como Marco Rubio, estarem apertando ainda mais o cerco à capacidade do Estado cubano de atender às necessidades do povo. Quaisquer que sejam as medidas tomadas por Cuba neste momento, elas não são sinais de fraqueza ou rendição, mas uma consequência direta da crise imposta pelo bloqueio.

As respostas do povo cubano a esta crise têm sido variadas. Desde julho de 2021, protestos, muitas vezes pequenos e isolados, tornaram-se uma ocorrência normal em toda a ilha, e os cubanos em geral tornaram-se mais expressivos nas suas críticas e exigências ao Estado cubano. Em resposta ao aumento dos preços da ETECSA, cubanos de diversos setores da sociedade manifestaram críticas. Entre eles estão estudantes e seções da Federação de Estudantes Universitários (FEU) em todos os campi, que, desde o anúncio, não apenas criticaram, mas também lideraram negociações diretas com o Estado cubano e a ETECSA para encontrar soluções. No entanto, como era de se esperar, vozes anticubanas nos Estados Unidos tentaram explorar este momento de crise para manipular as críticas dos estudantes em tentativas de derrubar a Revolução Cubana.

Em resposta a isso, Roberto Morales, um líder de alto escalão do Partido Comunista, condenou as “manipulações da mídia e distorções oportunistas” que “os inimigos da Revolução tentam impor”. Embora as críticas legítimas do povo sejam compreensíveis e um aspecto importante da vida em Cuba, ele argumenta que elas devem ser vistas dentro do contexto mais amplo de uma nação sitiada. O objetivo de Trump e Rubio, como sempre foi para os elementos anticubanos em Miami, declara Morales, tem sido “semear o caos, promover a violência e destruir a paz de nossa pátria”.

O custo humano do bloqueio

A resposta mais significativa a esta crise, no entanto, tem sido a maior onda migratória da história de Cuba, superando a fuga de Mariel e a crise dos balseros de 1994 combinadas. Quase 425 mil cubanos migraram para os EUA em 2022 e 2023, representando mais de 4% da população. Milhares mais foram para a Espanha, México, Brasil e outros países. A população de Cuba caiu para menos de 10 milhões pela primeira vez desde o início dos anos 1980, perdendo 13% de seus habitantes desde seu pico em 2012. No entanto, os EUA, que durante décadas criaram as condições e promoveram essa migração em massa de cubanos, deram uma guinada brusca. Os requerentes de asilo cubanos estão sendo deportados, e Cuba acaba de ser adicionada à lista de proibição de viagem de Trump, que impede totalmente os cubanos de viajar com segurança e legalmente para os EUA.

Esta é a dura realidade de Cuba: um país sitiado, seu povo enfrentando grandes dificuldades e seu governo se adaptando de maneiras necessárias e desafiadoras para sobreviver. Os desafios são imensos e os sacrifícios de seu povo são profundos para sustentar os ganhos de sua revolução.

É neste contexto que a solidariedade dos povos do mundo e dos EUA deve ser forjada novamente. Não podemos simplesmente estar cientes; precisamos ser ativos. Devemos ir além da conscientização e tomar medidas concretas para apoiar o povo cubano. Isso significa exigir o fim do bloqueio brutal e genocida dos Estados Unidos, uma política cruel e desumana que pune toda uma nação por seu compromisso com a autodeterminação. Significa apoiar os esforços de ajuda humanitária, defender o engajamento diplomático e mobilizar-se por um mundo sem sanções e bloqueios. O povo cubano precisa de mais do que nossa simpatia; precisa de nossa solidariedade ativa e inabalável.

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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