Jeanette Jara (nascida em 1974) venceu as primárias presidenciais chilenas das quatro principais forças políticas de esquerda, realizadas no dia 29 de junho de 2025. Com 60% dos votos, Jara derrotou Carolina Toha, do Partido Socialista Democrático (28%), Gonzalo Winter, do Frente Amplio (9%), e Jaime Mulet, da FRVS, uma fusão dos Verdes e dos Progressistas (2%). Em novembro, Jara liderará a coalizão Unidad para Chile (Unidade para o Chile) nas eleições presidenciais, onde enfrentará o candidato da direita, que será Evelyn Matthei (nascida em 1953), da União Democrática Independente (UDI), ou José António Kast (nascido em 1966), do Partido Republicano, ou ainda ambos, caso eles não consigam chegar a um acordo sobre um candidato único. Se Matthei e Kast permanecerem na disputa, eles dividirão os votos da direita e darão a Jara uma oportunidade histórica de vencer as eleições como comunista. Isso nunca aconteceu na história do Chile. Se Matthei e Kast decidirem apoiar um ou outro, juntando todos os votos da direita, parece provável que a esquerda não vença. Mas novembro ainda está longe, e a alegria de ter Jara como candidato da chapa da Unidad para Chile é evidente. As comemorações de 29 de junho se estenderam pela noite, com as bandeiras dos vários grupos de esquerda hasteadas no ar.
Jara foi membro do governo de Gabriel Boric, que assumiu o cargo em 2022. A partir de março de 2022, Jara atuou como ministra do Trabalho e Previdência Social de Boric, deixando o cargo apenas em abril deste ano para ser a candidata do Partido Comunista do Chile nas eleições presidenciais. Esta foi a primeira vez que uma comunista foi ministra no Chile desde o golpe militar de Augusto Pinochet contra o governo da Unidade Popular de Salvador Allende (1970-1973); durante o governo de Allende, os ministros comunistas foram Orlando Millas (Finanças) e Luis Figueroa Mazuela (Trabalho e Previdência Social).
Antes das eleições que levaram Boric ao poder, nós nos reunimos com ele, e ele nos disse que sua prioridade máxima era a reforma previdenciária. Não foi surpresa que ele tenha recorrido a Jara para conduzir essa reforma em seu governo. Ela havia trabalhado como subsecretária de Desenvolvimento Social (MDS) de 2016 a 2018 no governo da social-democrata Michelle Bachelet (extremamente popular no Chile por seu mandato como presidente de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018, confidente de Jara e provável próxima secretária-geral das Nações Unidas). A reforma previdenciária é muito difícil, dividida entre os compromissos neoliberais das instituições financeiras dentro do governo e as dificuldades dos cálculos orçamentários baseados nos baixos níveis de receita proveniente dos impostos. A tentativa de Jara de reformar a previdência teve que ser construída por meio de concessões e coalizões, o que, obviamente, enfraqueceu seu potencial radical. Mas, mesmo com tudo isso, a reforma previdenciária aumentou as contribuições dos empregadores em 7%, aprimorou a Previdência Universal Garantida, proporcionou substancial igualdade de gênero e fortaleceu as regulamentações do setor previdenciário. Qualquer coisa menos do que a eliminação do financiamento privado nos planos de previdência não satisfaria um marxista, mas Jara teve que trabalhar nas condições que lhe foram dadas, que não permitiam mais do que algumas reformas importantes, em vez de algo mais revolucionário.
Quando a vitória de Jara nas primárias foi confirmada, seu ex-chefe, o presidente Boric, a parabenizou e disse: “O que nos espera não será fácil, mas Jeannette sabe o que são batalhas difíceis. Agora, vamos todos trabalhar juntos pela unidade para mobilizar a maioria dos nossos compatriotas para continuar construindo um país mais justo, mais seguro e mais feliz”. Boric também disse que Jara seria uma presidente melhor do que ele. Uma batalha difícil está garantida, mas Boric está certo: Jara sabe o que são batalhas difíceis. Nascida em Conchalí, ao norte de Santiago, filha de pais de esquerda – seu pai, Sergio Jara, era mecânico industrial, e sua mãe, Jeannette Román, dona de casa e mãe de cinco filhos –, Jara ingressou na Juventude Comunista aos 14 anos, a idade mínima para se filiar ao partido. Casada aos 19 anos, ficou viúva aos 21, o que foi um golpe muito duro para a jovem. “Foi um período muito longo de luto”, disse Jara. Mas isso não a parou. Ela se tornou presidente da Federação Estudantil da Universidade de Santiago (Feusach) em 1997 e liderou uma série de greves estudantis contra a presidência de Eduardo Frei (1994-2000). Em 1999, Jara se filiou ao Partido Comunista e, quando entrevistada pelo jornal El Siglo alguns anos depois, disse sobre sua geração de comunistas: “Somos conservadores. Nos falta audácia política e instinto. Precisamos mostrar que nossas opiniões são diversas. Na esquerda, ninguém deve ser respeitado simplesmente por estar na frente de um guanaco [veículo de controle de distúrbios]”.
O estilo descontraído de Jara – sua naturalidade no Instagram, por exemplo – lhe rendeu seguidores dedicados. Enquanto preparava café instantâneo na cozinha e falava sobre a falecida líder comunista Gladys Marín, sua oponente, Carolina Tohá, preparava café boliviano em uma cafeteira francesa e falava sobre as tarifas de Trump. O pai de Kast, Michael Kast Shindele, fugiu da Alemanha na década de 1950 para evitar ser submetido à desnazificação. Ele era tenente da Wehrmacht e membro do Partido Nazista. Quando Michael Kast chegou ao Chile, juntou-se à sua família para enriquecer muito, inicialmente através de uma fábrica de salsichas. O seu filho, o político, não renega o pai e, na verdade, tem opiniões comparáveis à ideologia que o dominava.
Matthei não é tão radical quanto Kast e se posicionará como uma figura mais liberal, tentando manchar Jara com os sentimentos negativos em torno do comunismo que existem na sociedade chilena. Assim como Kast, Matthei tem um pai que representará um desafio para a filha. Fernando Matthei Aubel, filho de um oficial militar alemão treinado pela Força Aérea dos Estados Unidos, voltou ao Chile após o golpe de 1973 para se tornar general. Durante a ditadura, o general Matthei teria liderado o programa de testes de armas bacteriológicas contra presos políticos. Sua filha, Evelyn, juntou-se ao governo da ditadura militar no final do regime para privatizar o sistema de pensões. Em 2024, a revista The Economist disse que ela é a “mulher que liderará a contrarrevolução chilena”. Embora Matthei tente esconder seu extremismo, ela disse recentemente que as mortes durante a ditadura militar foram inevitáveis.
Portanto, a eleição pode ser entre Jara, uma comunista trabalhadora que quer construir um sistema de pensões sociais, e Matthei, que trabalhou em uma ditadura militar para privatizar o sistema de pensões. Se a escolha fosse tão simples, não haveria uma eleição real. Mas, nos próximos meses, a mídia estará repleta de meias verdades e mentiras descaradas. A primeira batalha de Jara será contra a percepção do público: a mídia já a atacou duramente por ser comunista; Jara terá que reverter o anticomunismo no Chile, que foi cultivado durante a ditadura.
Se Jara vencer, será a primeira comunista a ganhar a presidência do Chile.
(*) Tradução de Raul Chiliani