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Assim como com Gaza, os jornalistas dos EUA falharam com seus colegas assassinados no Iêmen

O silêncio da grande mídia sobre o assassinato de 35 jornalistas iemenitas é parte de um encobrimento muito maior e vergonhoso que visa proteger Israel

James North
Jato da Força Aérea israelense se preparando para ataque no Iêmen, em 16 de setembro de 2025. (Foto: Forças de Defesa de Israel)
Jato da Força Aérea israelense se preparando para ataque no Iêmen, em 16 de setembro de 2025. (Foto: Forças de Defesa de Israel)

Uma regra não escrita no mundo do jornalismo é que os repórteres devem defender uns aos outros, independentemente de suas opiniões pessoais. Se um de nós é ameaçado ou assassinado, os demais devem se manifestar e falar abertamente, assim como fazem os bombeiros ou policiais quando um deles é morto no cumprimento do dever.

Mas essa regra informal não se aplicou às 35 pessoas que Israel matou em Sanaa, capital do Iêmen, no dia 10 de setembro.

Primeiro olhemos o relatório da Human Rights Watch de 15 de setembro sobre o que realmente aconteceu. Aqui está o título: “Ataque das forças israelenses a Sanaa mata jornalistas”. O relatório da HRW confirmou que Israel matou “pelo menos 35 pessoas, incluindo jornalistas, e feriu dezenas de outras”. Os jornalistas trabalhavam para um jornal chamado “26 de setembro”, associado ao grupo governante iemenita Ansar Allah (também conhecido como “houthis”). A HRW sugeriu que o ataque pode ter sido programado, citando uma fonte: “Como se trata de uma publicação semanal, e não diária, os funcionários estavam reunidos na redação para preparar a distribuição, aumentando significativamente o número de pessoas presentes no complexo”.

O relatório da HRW continuou: “O bairro é uma área residencial densamente povoada, próxima à Antiga Cidade de Sanaa, um patrimônio da UNESCO. Os ataques [israelenses] ocorreram quando muitos moradores e transeuntes estavam caminhando e dirigindo pelas ruas, de acordo com entrevistas e imagens de vídeo feitas após o ataque e compartilhadas naquela noite no X pela Al-Masirah, um canal de notícias administrado pelos houthis, e verificadas pela Human Rights Watch. O vídeo, uma compilação de clipes editados juntos, mostra ruas lotadas de pessoas e veículos, prédios danificados e equipes de resgate retirando feridos, incluindo pelo menos uma criança, dos escombros.”

Já se passou mais de uma semana desde o ataque, e a grande mídia dos EUA falhou quase completamente com seus colegas assassinados — e com os civis inocentes — no Iêmen. Vamos começar com o New York Times. O jornal claramente confia na Human Rights Watch, pois cita relatórios da HRW sobre outras partes do mundo o tempo todo. Só em setembro, o Times citou a organização sete vezes. Mas a reportagem do jornal no dia do ataque israelense não mencionou que jornalistas haviam morrido, embora o Times tenha um correspondente em Saana, Shuaib Almosawa. O Times também não publicou nenhuma reportagem cobrindo o fato, mesmo dias após o ataque.

Outros veículos de comunicação proeminentes dos EUA foram igualmente negligentes. Nem uma palavra na National Public Radio (NPR). Aparentemente, nada na rede de TV a cabo MSNBC. O Washington Post acabou incluindo uma frase, retirada da Associated Press, que informou que “centenas [em Saana] compareceram ao funeral de 31 jornalistas do Iêmen que teriam sido mortos em ataques aéreos israelenses na semana passada”. E só.

A omissão da grande mídia sobre o assassinato de jornalistas iemenitas faz parte de um encobrimento vergonhoso muito mais amplo. Nos últimos dois anos, Israel atacou sete nações no Oriente Médio; o ataque ao Catar seguiu-se a ataques e invasões contra Palestina, Iraque, Líbano, Síria, Irã e Iêmen.

 Leia também – “Nunca vamos esquecer posições de Lula sobre a Palestina”, diz embaixador houthi no Irã 

Seria preciso vasculhar a história das últimas décadas para encontrar outro país que tenha lançado ataques armados contra tantos de seus vizinhos. Mas a cobertura da grande mídia dos EUA continua mínima e superficial. Em contrapartida, imagine o clamor da grande mídia se um grupo realizasse um bombardeio em um jornal ou emissora de TV israelense e matasse 35 pessoas.

Mesmo o ataque de Israel em 9 de setembro ao Catar, um importante aliado dos EUA, provocou uma reação moderada. (Embora a conservadora Economist, devemos dar o devido crédito, tenha apontado que “o ataque ao Catar não foi preventivo contra uma ameaça iminente[…] Foi um ato de vingança no território de um Estado soberano”.)

Israel não está atacando nações pequenas e insignificantes. O Iêmen, por exemplo, tem uma população de 40,5 milhões (maior que a Arábia Saudita). Acrescentemos as dezenas de milhões nas outras seis nações do Oriente Médio e veremos que Israel e seu patrono, os Estados Unidos, estão criando inimigos que se estenderão no futuro por décadas.

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