“Há tanta solidão / que as palavras se suicidam”. São versos da escritora argentina Alejandra Pizarnik. Ela decidiu pôr fim à sua vida em 25 de setembro de 1972. Morreu de overdose de Seconal e, no quadro de seu espaço de trabalho, entre outros, encontraram este texto: “Não quero ir / nada mais / do que até o fundo”. Ela sofreu vários episódios depressivos durante sua vida e chegou a afirmar que o sofrimento era necessário para a criação de sua poesia.
O suicídio está hoje inserido no debate público, impulsionado por números dolorosos. De acordo com um estudo da Universidade de Washington, cerca de 740 mil pessoas tiram a própria vida no mundo a cada ano. A cada 43 segundos, alguém decide pôr fim à sua existência. O mapa global revela contrastes, e a América Latina chama a atenção: na região os suicídios aumentaram 39% nos últimos cinco anos. O país com a curva mais ascendente é o México.
É especialmente preocupante que as taxas de suicídio mexicanas cresçam de forma alarmante nos grupos mais jovens. Ele tornou-se a quarta causa de morte entre pessoas de 19 a 29 anos. E aumenta especialmente entre as mulheres: na faixa etária de 10 a 19 anos, aumentou 126% e, entre as mulheres de 20 a 29 anos, subiu 144%.
A radiografia do suicídio é complexa: é preciso levar em conta uma série de variáveis que, segundo os especialistas, são influenciadas tanto pelo meio e pelas condições sociais quanto por condições genéticas herdadas. Assim, eles apontam que as vítimas da pobreza, da desigualdade, da violência, das agressões sexuais e dos traumas infantis apresentam um risco maior de cometer suicídio.
E esses fatores sociodemográficos são especialmente notáveis no México, um país onde 12% da população não tem acesso aos produtos da cesta básica e onde 43% da população não consegue satisfazer suas necessidades básicas de alimentação, saúde, educação, vestuário, calçados, moradia ou transporte, de acordo com dados do Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval).
“Os suicídios são evitáveis com intervenções oportunas, baseadas em evidências e, muitas vezes, de baixo custo”. É o que afirma a campanha global que a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou para prevenir o aumento dos suicídios e a crise de saúde mental após a pandemia da COVID-19. Mas a realidade é que, em países como o México, o acesso a profissionais de saúde mental é um privilégio que nem todos podem se permitir.
De acordo com um estudo recente da Faculdade de Psicologia da Universidade Autônoma do México (UNAM), 70% dos mexicanos com problemas de saúde mental não recebem ajuda. E 90% das pessoas entrevistadas opinaram que podem superar seus problemas psicológicos ou psiquiátricos sozinhas.
Esporas, o projeto universitário que salva vidas
Nessa mesma faculdade, foi criado em 2011 um projeto pioneiro para oferecer terapia psicanalítica gratuita aos alunos. Chama-se Esporas, e seu nome faz alusão a essa forma reprodutiva singular. “Eu dei esse nome pensando nos seres vivos que conseguem ter descendência em contextos hostis. Uma metáfora de que a vida pode e deve continuar em condições adversas”, explica Rodrigo Sánchez Vega, seu criador. Ele se formou em Psicologia Clínica e dedicou sua tese de doutorado a desenhar esse sistema de atenção integral. Ele indica que observou que, em algumas faculdades, os professores apontavam que muitos de seus alunos estavam medicados e precisavam de acompanhamento psicológico.
Em seus 14 anos de atendimento, ele viu casos de pessoas que apresentavam os sinais clássicos que poderiam levar ao suicídio, mas adverte que, em alguns perfis, o quadro é mais complexo e difícil de classificar em um protocolo específico. “Principalmente, vemos duas tendências: pessoas com ideias suicidas, seja por quadros claros de ansiedade ou precedidas por episódios depressivos repetidos. Acredito que o mais importante é que haja profissionais treinados e capazes de encaminhar os casos mais graves para atendimento interno e externo à universidade”, reconhece Rodrigo.
Ele menciona um desses pacientes em que observaram claramente como ele atendia aos indicadores de alerta. Chamava-se Gabriel, era formado em Física com pós-graduação e tinha 27 anos quando procurou atendimento. “Ele apresentava ataques de ansiedade com sintomas típicos, como sudorese, palpitações, formigamento e irritabilidade. No caso dele, também observamos hipersensibilidade sensorial, ou seja, a luz o incomodava e ele até ouvia vozes perturbadoras”, relata. “Era muito difícil para ele falar sobre isso porque nem mesmo era capaz de identificar bem suas emoções, não sabia que estava passando por algo grave. Ele também tinha um relacionamento destrutivo e violento, e era aí que apareciam os traços de automutilação. Ele batia em objetos e chegou a bater na própria cabeça após discussões violentas”, explica Rodrigo.
“Ele estava claramente agindo contra si mesmo. Quando eu perguntava sobre esses episódios, ele respondia que estava fora de si. Ele não se automutilava para chamar atenção, mas sim como consequência da dor que estava sentindo. Ele não conseguia lidar com isso”, observa. “Pedimos que ele fizesse uma avaliação externa e um acompanhamento que, meses depois, descobrimos que ele não realizou, juntamente com a triste notícia de que ele acabou se enforcando”, conta.
O censo universitário reúne a maior parte da população mais afetada por ideias suicidas. “Na população de 14 a 24 anos, a principal causa de inabilidade são os problemas psicoemocionais. O sistema que propus na minha tese também foi inovador no sentido de que propus usar dados estatísticos dos alunos para nos aproximarmos deles e de seus interesses com atividades que realmente chamassem sua atenção ou atendessem às suas necessidades, como palestras baseadas em cinema”, comenta. “Atualmente, 25 sedes da UNAM aderiram à iniciativa, que é gratuita e, graças à análise estatística, sabemos que ela ajudou a melhorar a qualidade de vida dos alunos e, acima de tudo, a proporcionar-lhes acesso a tratamento psicológico”.
Retrato das sobreviventes
Alicia pertence ao grupo de maior incidência. Ela mora na Cidade do México, tem 26 anos e conta que os pensamentos suicidas começaram quando tinha apenas 13 anos. “Eu nunca tinha ido a um psicólogo e comecei a ter problemas com minha imagem. É difícil explicar por quê, mas eu fazia cortes nos braços e nas pernas e meus pais começaram a se preocupar”, relata com certa timidez. “É algo que ainda hoje me custa muito contar”, acrescenta.
“Quando comecei a faculdade, qualquer motivo me levava a ficar deprimida. Uma discussão com meu parceiro ou um período de estresse com entregas de trabalhos e provas era como afundar em um poço do qual eu não sabia como sair. Eu realmente não tinha vontade de viver e um dia decidi tomar comprimidos e acabar com todo aquele sofrimento”, conta. Ela teve que ser hospitalizada com urgência e submetida a uma lavagem estomacal. Hoje ela consegue falar sobre o que aconteceu.
Os serviços de saúde mexicanos relatam que 41% das pessoas que se automutilam têm entre 10 e 19 anos e são, em sua maioria, mulheres, como no caso de Alicia. “Sempre fui muito relutante em tomar qualquer comprimido, mas naquele momento me prescreveram um tratamento antidepressivo que ainda faço”, conta. “Desde o primeiro momento, percebi que era como uma rede que me impedia de cair no poço, me ajudou muito, juntamente com a terapia que continuo fazendo até hoje”.
De acordo com os especialistas, o comportamento suicida tem componentes multifatoriais. Em alguns casos, pode ser precedido por crises de ansiedade ou depressão e, em outros, por um componente genético que opera como uma predisposição a sofrer uma espécie de curto-circuito que leva as pessoas a acabar com suas vidas. Alicia conta que sofreu muito estigma social quando teve que retomar sua vida. “Eu sentia aquele olhar de pena e, principalmente com minha família e amigos, me sentia muito culpada e até covarde e egoísta. É algo que me persegue e é muito difícil de perdoar. Temos que ter extrema empatia com as pessoas que chegam a esse ponto”, afirma.
Ela nos apresenta uma amiga que conheceu justamente em um evento de conscientização. Ela se chama Carolina e tem 25 anos, tinha apenas 20 quando tentou se suicidar. “Acho que minha cabeça apagou aquele dia, não tenho uma lembrança clara do que aconteceu. Mas lembro o que me levou até lá, não queria sair da cama nem tomar banho e me sentia sozinha e incompreendida. Não tinha forças para continuar”, conta entre lágrimas.
“Minha irmã entrou no banheiro e eu estava tentando cortar meu pulso. A sensação de culpa pelo trauma que ela teve que presenciar me acompanha, mas, ao mesmo tempo, ela salvou minha vida, uma vida que naquele momento eu não sabia ou não conseguia valorizar”, comenta. “Eu não tinha emprego, a situação em casa era complicada e, claro, nem sabíamos o que era um psicólogo, mas depois do episódio comecei um tratamento e uma terapia que sinto que me resgataram daquela escuridão”.
O (outro) desafio na saúde mental mexicana: a população migrante
Não se pode falar do México sem mencionar uma característica intrínseca que o atravessa. Trata-se de um país de passagem na rota migratória para os Estados Unidos, a porta de entrada. E é assolado pelo crime organizado. Essas condições fazem com que por aqui passem temporariamente ou de forma estável populações que apresentam níveis de trauma sem precedentes. De acordo com um estudo recente da estratégia de saúde mental Salud UNAM: Espíritu en Acción Migrante, quatro em cada dez migrantes apresentam sintomas de estresse agudo e pós-traumático agravados por ansiedade e dois em cada dez sofrem de depressão.
Eles (e principalmente elas) são observados com preocupação por ONGs como o Movimiento Raíz, que desde 2019 atende a população mexicana com poucos recursos e também aos migrantes. Eles oferecem terapia em vários abrigos da cidade e garantem que há casos extremos que sobrepassam as estatísticas. “Acredito que esses 40% ficam bem aquém da realidade. Aqui chegam principalmente mulheres que atravessaram vários países da América Central a pé, tiveram que atravessar a pé a selva de Darién — da qual algumas pessoas nem conseguem sair com vida — em alguns casos com bebês e crianças”, relata Paola Cassaigne Ramos, presidente executiva da ONG. “E o pior dessa rota é justamente atravessar o México, muitas são estupradas e assaltadas, roubam tudo o que elas têm e o que vemos quando as recebemos na cidade são situações extremas, com traumas tão agudos que elas nem conseguem expressar em terapia”, acrescenta.
Ela reconhece que é muito difícil detectar casos de suicídios em potencial, porque muitas mulheres seguem seu caminho até a fronteira com os Estados Unidos e não é possível acompanhá-las. Mas ela destaca que estão encontrando mulheres totalmente devastadas e desesperadas que poderiam querer tirar a própria vida, com o agravante de estarem fora do sistema e de uma rede familiar ou pessoal que as apoie.
“Lembro-me de um caso de uma mulher haitiana, com cerca de 40 anos. Depois de tudo o que ela passou até chegar à Cidade do México, foi violada por um taxista, que a jogou para fora do carro quando a levava para o albergue. Seu caso era extremamente grave porque ela não conhecia o idioma e não conseguia se comunicar”, relata Cassaigne Ramos. “Quando ela chegou, tivemos que nos comunicar com ela por meio de um tradutor no celular”. Ela reconhece que, se não tivesse recebido ajuda, talvez fosse um perfil que poderia ter optado por tirar a própria vida, dada a gravidade do seu caso e a desesperança que transmitia.
Eles também observaram uma tendência potencialmente suicida em outra mulher de 33 anos que também apresentava problemas neurológicos. Isso resultou em uma crise que lhe causou epilepsia e a necessidade de ser internada com urgência no hospital. “São casos extremos em que você vê que eles dificilmente conseguem suportar o que está acontecendo, e é aí que agimos com mais firmeza”, afirma a diretora desta organização. Eles também tiveram que acompanhar um terceiro caso grave, no qual, no meio da terapia, uma mulher venezuelana de 27 anos sofreu uma crise aguda de ansiedade. Observaram um certo sentimento de que ela expressava não poder continuar e acompanharam o caso.
Paola conta que não há um protocolo antissuicídio propriamente dito, mas que acredita que as terapias comunitárias integrativas que estão implementando nos abrigos de migrantes são de grande ajuda. Elas se baseiam em uma filosofia promovida na década de 1970 pelo psiquiatra brasileiro Adalberto Baretto. Ele desejava levar a terapia às favelas, e percebeu que era inviável diante de milhares de pessoas em situação de extrema necessidade. Em seus estudos, ele descobriu a terapia psicosensorial, que consistia em desativar a conexão neurológica que fica registrada no corpo como consequência de um trauma severo e prolongado.
A terapia se baseia em dissolver os efeitos do trauma com movimentos que provocam sensações no corpo e também em falar sobre as emoções que esse choque provocou. “Vimos como essa terapia é altamente eficaz nessas mulheres migrantes. Um de seus pilares fundamentais é falar sobre as emoções que a situação traumática provocou. Em algumas mulheres, é tristeza; em outras, é raiva extrema; e em outras, pode ser desesperança. Ao usar essas técnicas em grupo, produz-se uma espécie de efeito espelho no qual muitas podem se ver refletidas, e também se cria uma rede de apoio mútuo que é fundamental para essas pessoas que, em muitos casos, são itinerantes”, explica Cassaigne Ramos.
Atualmente, eles têm 13 grupos de mulheres, alguns fixos e outros que mudam conforme seguem sua rota até a fronteira. Eles acompanharam mais de 1,5 mil mulheres nesse processo terapêutico inovador e certamente evitaram que muitas delas, que não viam saída, optassem por não terminar com suas vidas. “Cria-se um tecido social muito bonito e forte, no qual elas sentem o apoio umas das outras.” É a mensagem, diz ela, que tentam transmitir à sociedade porque “o que mais dói a essas mulheres migrantes é a xenofobia com que se deparam. Muitas passam de uma vida estruturada, com trabalho e casa, para dormir na rua, tendo até mesmo que fazer suas necessidades na rua; e se deparam com o ódio das pessoas daqui e nos confessam que pensam ‘eu não era assim’, começam a chorar e lamentam como chegaram a esse ponto. Com esses grupos, elas têm um espaço seguro e de acompanhamento onde se sentem apoiadas e compreendidas”, conta.
Cassaigne Ramos explica que tentam acompanhar essas mulheres que continuam itinerantes em direção ao norte e que estão desenvolvendo um aplicativo baseado nos mesmos valores dos grupos de terapia comunitária integrativa. “Propomos que se chame Buencamino, se elas gostarem, e queremos que seja como uma espécie de Waze [aplicativo de trânsito] onde possam registrar os perigos que encontraram em seu caminho e que também nos sirva para rastrear e encontrar os casos mais extremos de mulheres cujo estado de saúde mental seja preocupante”, relata. Eles prevêem que o aplicativo possa ser lançado nas próximas semanas e que seja mais uma ferramenta para ajudar esses casos que poderiam terminar em suicídio.
Cada vez mais associações tentam contribuir para melhorar a atenção psicológica dos mexicanos e dos migrantes. Organizações como a Suicidología.mx vêm tentando há anos conscientizar a população e atores sociais, como a mídia, sobre a importância da saúde mental como antídoto para combater o aumento dos casos e oferecer apoio psicológico e psiquiátrico aos casos potenciais. Organismos governamentais também promoveram o Primeiro Congresso de Suicidologia, que acontecerá em agosto próximo em Guanajuato (León, México). Nele se reunirão pesquisadores e profissionais de toda a América Latina para tentar unir esforços em torno da prevenção e intervenção do suicídio no Sul Global. Uma epidemia crescente e silenciosa que faz cada vez mais vítimas.



































