A essa altura, o vídeo já se tornou viral. Homens armados e mascarados, afiliados ao Hamas, no campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza, alinham um grupo de homens com as mãos amarradas enquanto espectadores se reúnem ao redor deles. Os combatentes do Hamas gritam que os homens são colaboradores do exército israelense. “Assassinos!”, grita um espectador. Eles são executados por um pelotão de fuzilamento.
Em outro vídeo, uma cena semelhante se desenrola. Um combatente do Hamas se dirige à multidão, dizendo que os acusados “se uniram” ao exército israelense “para matar seu próprio povo”, e que foram condenados à morte. Antes da execução, o combatente mascarado faz uma advertência: “Dizemos a todos os colaboradores – ao grande colaborador Yasser Abu Shabab, ao grande colaborador Rami Hilles e ao grande colaborador Ahmad Jundiyya – que todos vocês serão trazidos aqui aos pés dos combatentes da resistência.”
Desde que o cessar-fogo com Israel entrou em vigor, o Hamas lançou uma ampla campanha para reprimir as gangues armadas responsáveis pela pilhagem de ajuda humanitária durante a guerra. Em alguns casos, essas gangues foram incumbidas pelo exército israelense de combater o Hamas diretamente, enquanto supostamente recebiam armas, treinamento, financiamento e apoio logístico de Israel, de acordo com reportagens da mídia local e israelense. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, também admitiu publicamente essa política em junho.
O estado de caos foi possibilitado devido ao vácuo de poder criado pela política declarada de Israel de atacar sistematicamente os funcionários públicos do Hamas, incluindo a força policial local responsável por manter a ordem pública e combater o crime. Isso forçou a polícia de Gaza a se esconder após o colapso do cessar-fogo anterior, em março, permitindo que clãs e outros grupos armados saqueassem a ajuda sob a proteção israelense. Os palestinos dizem que isso fazia parte de uma política israelense intencional de aparentar permitir a entrada de ajuda em Gaza, mas garantir que ela não chegasse àqueles que precisavam.
Os grupos mais infames que agora são alvo da repressão do Hamas incluem as chamadas “Forças Populares” lideradas por Yasser Abu Shabab em Rafah, a Força de Ataque Antiterrorismo liderada por Hussam al-Astal em Khan Younis, uma milícia no leste da cidade de Gaza liderada por um ex-membro das forças de segurança da Autoridade Palestina, Rami Hillis, um grupo armado na cidade de Gaza liderado por um ex-membro do serviço de inteligência da Autoridade Palestina, Ahmad Jundiyya, e membros armados do clã Doghmush.
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Hamas oferece anistia a membros de gangues “não envolvidos em derramamento de sangue”
A campanha do Hamas começou pouco antes da vigência do cessar-fogo. No dia 4 de outubro, membros do Hamas eliminaram colaboradores do clã Majadla em Khan Younis, por supostamente terem matado dois combatentes da resistência. Quando as forças do Hamas invadiram o bloco residencial do clã onde moravam os acusados, a família entrou em confronto com as forças do Hamas. De acordo com relatos locais, o exército israelense interveio durante o tiroteio e bombardeou os combatentes da resistência, matando sete deles.
Quando o cessar-fogo foi alcançado, o exército israelense recebeu ordens para se retirar e não intervir mais. Soldados israelenses relataram ter observado os confrontos de seus postos de observação com “as mãos atadas”.
“Quem esperava que Israel ajudasse esses clãs está enganado. Parece que Israel os deixou sozinhos para lidar com isso”, disse um oficial israelense ao Haaretz.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que não se incomodou com a repressão do Hamas, admitindo que ela “eliminou algumas gangues que eram muito ruins”.
O Hamas aproveitou a oportunidade para eliminar as forças cúmplices da fome fabricada por Israel em gaza, um esforço que continua em andamento. Mas alguns grupos, como o de Yasser Abu Shabab, permanecem em áreas ainda sob controle israelense.
No dia 12 de outubro, o Ministério do Interior de Gaza anunciou que estava abrindo uma “janela de anistia” para todos os colaboradores do exército israelense que não estivessem “envolvidos em derramamento de sangue”. A janela de anistia terminaria no domingo, 19 de outubro, disse o comunicado do Ministério, acrescentando que aqueles que se renderem terão seus registros limpos.
No primeiro dia do cessar-fogo, o Hamas invadiu o complexo da família Doghmush na cidade de Gaza e colocou todo o quarteirão sob cerco por três dias. Membros do clã Doghmush foram acusados de matar o jornalista palestino Saleh Aljafarawi, bem como Naim Naim, filho do líder sênior do Hamas Bassem Naim.
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No segundo dia do cessar-fogo, o Hamas anunciou que havia matado o braço direito de Yasser Abu Shabab, Ahmad Tarabin, em Khan Younis. Na terça-feira (14), as forças do Hamas atacaram a gangue liderada por Rami Hillis no bairro de al-Shuja’iyya, a leste da cidade de Gaza.
“Temos lidado com criminosos e bandidos usando duas estruturas”, disse uma fonte de segurança do Ministério do Interior de Gaza ao Mondoweiss. “A primeira estrutura nos permite conceder-lhes anistia ou julgá-los em tribunal se eles se renderem e cooperarem com as forças de segurança. Mas na segunda estrutura, perseguimos todos os bandidos com todo o nosso poder, onde quer que estejam. Nossas operações irão erradicá-los todos, sem exceção.”
A fonte de segurança do Ministério disse que as forças de segurança estavam trabalhando para restabelecer a lei e a ordem na Faixa e perseguir gangues armadas que têm conexões com o exército israelense. “Essas famílias se aproveitaram da proximidade de suas áreas às operações militares do exército israelense para agir contra Gaza e seu povo”, explicou a fonte. “Elas emboscaram comboios, saquearam ajuda humanitária e sequestraram e aterrorizaram cidadãos.”
A fonte referiu-se ao clã Doghmush – sem mencioná-lo pelo nome – como uma “grande família que formou um desses bandos” no bairro de Sabra, na parte ocidental da cidade de Gaza, onde as operações militares do exército israelense estavam concentradas antes do cessar-fogo. “As forças de segurança neutralizaram esse grupo e lidaram com ele de forma decisiva, especialmente depois que ele se recusou a responder ao ultimato que lhe demos para entregar suas armas e retornar ao seio de seu povo”, disse a fonte.
“Mais perigosas do que a própria ocupação”
As reações em Gaza aos vídeos de execuções sumárias foram mistas. Alguns expressaram online que as pessoas em Gaza já viram horror suficiente nos últimos dois anos, condenando as mortes de forma inequívoca. Outros afirmaram que as gangues visadas são “mais perigosas do que a própria ocupação”, sustentando que as execuções devem ser uma mensagem para que as pessoas pensem duas vezes antes de colaborar com a ocupação contra seu próprio povo.
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“Qualquer ato que estamos realizando visa impor a ordem e a lei, e temos o apoio total dos clãs”, disse a fonte de segurança do Ministério do Interior. “Também estamos trabalhando para impedir tentativas de criar o caos, que está sendo fomentado por forasteiros e grupos ligados à Autoridade Palestina.”
No início desta semana, o chefe do Comitê Superior para Assuntos Tribais em Gaza, Sheikh Husni al-Mughni, reagiu a um dos vídeos de execução em uma entrevista ao canal saudita al-Hadath. Ele disse que os clãs em Gaza apoiavam os esforços do Hamas “de todo o coração” e afirmou que “a justiça foi feita”.
“O Hamas advertiu essas pessoas várias vezes, por meio de mediadores e familiares, para que se rendessem e enfrentassem a justiça”, disse al-Mughni.
“Francamente, eles merecem uma punição ainda mais severa, se você soubesse o que eles fizeram”, acrescentou. “Um homem que espanca e mata uma criança de 10 anos para roubar sua farinha merece a execução, ou algo ainda pior.”
(*) Tradução de Raul Chiliani




































