No jogo que envolve um Estado entre “a força e o consenso”, o Egito vai a um recreio eleitoral em que se prevê o triunfo do atual presidente Abdel Fatah al-Sisi, que, no dia 20 de janeiro, inscreveu oficialmente sua candidatura. Com ela, o presidente pretenderá se legitimar ante a população que governa e o resto dos países soberanos.
Serão eleições de caráter democrático para eleger o chefe do Executivo e também estão previstas prévias para os dias 26, 27 e 28 de março e, se for necessário, um segundo turno em 24, 25 e 26 de abril. Uma vez realizada a votação, a Autoridade Nacional Eleitoral divulgará os resultados em 1º de maio.
O Egito chega a essas eleições à sombra de um autoritarismo regenerado: mais violento, mais sangrento e mais restritivo, que conseguiu impedir qualquer oposição a seu regime militar. A oposição organizada está praticamente destruída. Os membros da Irmandade Muçulmana, organização que neste ano comemora 90 anos de existência, foram os primeiros a serem vítimas desse assédio governamental, feitos prisioneiros ou obrigados a deixarem o país. Vale lembrar que o presidente chegou ao poder apenas por meio de um golpe em 2013 contra o primeiro presidente eleito pela via direta após as revoltas populares de 2011, Mohamed Morsi. Apesar disso e de sua ampla base social, eles são classificados como uma “organização terrorista”, foram submetidos à ilegalidade – mais uma vez – e a dureza está aumentando.
Sociedade civil: torturada e controlada
Da mesma maneira, jornalistas, jovens ativistas, militantes de diferentes ideologias têm sido vítimas de assédio, prisão e várias formas de violações aos direitos humanos, como evidenciado no relatório de 5 de setembro de 2017 publicado pela Human Rights Watch intitulado “‘We Do Unreasonable Things Here’ – Torture and National Security in al-Sisi’s Egypt” que revela que a polícia do Ministério do Interior e da Agência de Segurança Nacional, de maneira institucional, “tem recorrido a prisões arbitrárias generalizadas, desaparecimentos forçados e torturas contra dissidentes” considerados ligados à Irmandade Muçulmana ou à Comissão Egípcia por Direitos e Liberdades (ECRF). O relatório também observa que “dissidentes” são obrigados a confessar ou divulgar informações, ler confissões pré-redigidas e gravá-las em vídeo apenas para infringir punições.
Diante desse cenário, não há movimento na sociedade egípcia que ouse confrontar o regime militar sem ser imediatamente reprimido e deixado de fora do espectro público, como demonstra a aprovação da lei para o controle das ONGs, com a qual se fecha a possibilidade para que grupos independentes emerjam da sociedade civil. Aqueles ativistas contenciosos que se levantaram contra Hosni Mubarak em janeiro de 2011 na Praça Tahrir estão presos ou no exílio (voluntariamente para salvar suas vidas, forçados pelo sistema que os gerou).
Todas essas ideias de “estabilidade” prometidas pelo governo militar foram deixadas fora da realidade. Essa estabilidade significou brutalidade, repressão e um regime que se recusa a abrir mão de seus privilégios para um novo regime político que, não obstante, mantenha o discurso do espírito da revolução de 25 de janeiro, na Praça Tahrir.
A mão do regime: prisões políticas
Agora, indo para as eleições deste ano, o regime está lutando contra si mesmo porque o ataque autoritário também invade o círculo de governo militar, como observamos nas ações tomadas contra as autoridades do exército, especialmente quando manifestam publicamente sua intenção de ir às urnas. O caso icônico é o do ex-primeiro-ministro (sob a égide de Hosni Mubarak) Ahmed Shafik, que, antes do anúncio do calendário eleitoral, abdicou de seu direito constitucional de ser candidato. Lembre-se que Shafik foi derrotado no segundo turno contra Mohamed Morsi nas eleições de 2012 e é considerado uma das figuras políticas com chances reais de ganhar a presidência.
Por outro lado, preso por não renunciar ao Conselho Supremo das Forças Armadas, Sami Anan está fora da disputa eleitoral. Foi figura-chave na evolução dos protestos populares de 2011, bem como no processo de transição durante o mandato de Morsi e após o golpe de Estado e as eleições de 2014.Outro cas o é o de Ahmed Kunsowa, um oficial do exército, condenado em dezembro a seis anos de prisão após manifestar seu desejo de concorrer à eleição.
Fora da liderança militar, um possível candidato que é deixado de fora da disputa eleitoral é o ex-deputado e sobrinho do ex-presidente de mesmo nome, Mohamed Anwar Sadat, que renunciou para se candidatar. Considerando que não havia garantias mínimas de segurança e transparência, Sadat se manifestou em prol dos direitos humanos a partir de sua posição liberal, tendo, no entanto, apoiado a instalação do atual regime em 2013.
Outro ator que tem sido firme em competir contra al-Sisi nas eleições é Khaled Ali, que, desde novembro, anunciou seu desejo de participar. Contudo, está latente sua possível desclassificação da corrida se ele for considerado culpado por qualquer delito contra a autoridade, como tem sido repetidamente dito sobre suas ações em resposta às decisões do presidente. Ali tem uma vasta experiência na defesa dos trabalhadores sindicalizados contra as restrições do regime. Ele participou das eleições de 2012, mas seu desempenho não foi o melhor quando obteve apenas 0,58% do total de votos no primeiro turno.
Um personagem final que deverá aparecer na cédula eleitoral é o advogado e diretor do Clube Esportivo Egípcio Al Zamalek, Mortada Mansour. Não seria sua primeira tentativa, já que ele já havia apresentado uma plataforma eleitoral nas eleições de 2014 sob a ideia de recuperar o prestígio do Egito e pedir aos manifestantes que se abstenham de seguir sua luta ou, se isso não for possível, fazê-la por meio de canais oficiais.
Esses dois últimos são os mais ativos midiaticamente. O primeiro por suas ações no país e suas declarações polêmicas na mídia internacional, enquanto o segundo por conta da classificação do clube de futebol para a Copa do Mundo da Rússia de 2018. No entanto, ambos não seriam competidores nada sérios em frente a um al-Sisi, que controla o cenário público e as instituições, sem mencionar que nenhum dos dois têm sérias possibilidades de conseguir os votos da maioria. No caso de Ali, ele mostrou sua participação nas eleições de 2012, no qual o desconhecimento de sua figura e o pouco trabalho com as bases sociais o deixaram de fora. Enquanto o caso de Mansour está relacionado a um apoio marginal ao regime para este intervenha na detenção e tortura de alguns fanáticos que supostamente tentaram matá-lo em 2014.
O resultado previsto
Vemos, então, que as eleições deste ano serão um espetáculo, para não dizer uma farsa, em que se tentará amenizar o controle do regime para gerar consenso. Para aumentar o entretenimento eleitoral, em 9 de janeiro, 400 deputados da coalizão Da’am Misr (Apoio ao Egito) declararam apoio à candidatura de Al-Sisi. Uma vez que os interessados em participar nas eleições devem cumprir certos requisitos: o apoio de pelo menos 20 parlamentares ou 25 mil assinaturas de cidadãos no cadastro eleitoral, distribuídos por 15 províncias, com pelo menos 1.000 assinaturas em cada região (o Egito é dividido em 27 províncias, ou muhafazah). O prazo foi marcado para 30 de janeiro. Todavia, de acordo com a própria legislação, se houvesse uma candidatura única, seriam necessários apenas 5% dos votos para eleger o presidente, o que garante a perpetuação do regime, seja legitimamente ou sob coerção.
No final, votos nulos ou baixa participação eleitoral, motivados por protestos políticos, são ignorados como aconteceu nas eleições de 2014, no qual o presidente venceu com um preocupante 97% (seu oponente obteve 3%). Não obstante, aquela votação teve uma porcentagem de participação de 47,5% e 1.040.608 de sufrágios invalidados. O regime é protegido dessas ações graças à cláusula de “pedido único”. A eleição está dada, embora haja pedidos de boicote. Diante desse cenário, é difícil pensar em uma transição pacífica de poder por meio da disputa eleitoral, já que não há ninguém que possa realmente confrontar o presidente que controla e é controlado por um regime que se recusa a abrir o caminho para uma mudança política profunda.