O retorno de Donald Trump ao poder representa um novo capítulo para a direita radical na Europa e no resto do mundo. Seu triunfo deu asas a todas as correntes de ultradireita, que viram como o magnata republicano conseguiu voltar a liderar o país mais poderoso do mundo sem moderar nem um pouco seu discurso. Trump não pode mais ser considerado uma anomalia ou um desvio pontual da sequência normal de eventos. No fim das contas, parece que o trumpismo acabou sendo a normalidade e não a exceção, e que verdadeiro parêntesis foi o governo de Joe Biden dentro da era Trump.
A vitória do líder republicano afetará o futuro da extrema direita na Europa em muitos aspectos, mas, acima de tudo, há dois pontos em que seu impacto é decisivo. O primeiro é a unificação da direita radical no continente europeu e o segundo é a confirmação da vitória do modo de fazer política da extrema direita.
No primeiro desses pontos, Trump não é apenas uma fonte de inspiração e um espelho no qual as várias formações de extrema direita podem se ver, mas sua figura também pode ser a cola a unir as direitas radicais que estão divididas há algum tempo.
A posição internacional sobre a Rússia, a OTAN e os Estados Unidos tem sido um dos principais pontos de discórdia na extrema direita europeia. Sempre houve uma fração mais atlantista, alinhada à OTAN, e outra que defendia posições mais próximas à Rússia, que não agradavam aos líderes dos EUA. É por isso que, durante anos, foram figuras como Giorgia Meloni, cuja posição internacional era considerada muito mais confiável do que a de figuras como Marine Le Pen ou Matteo Salvini, que mantiveram durante anos contatos com os neoconservadores dos EUA.
O paradoxo após a vitória de Trump é que o futuro presidente dos EUA tem sido mais chegado do grupo que tradicionalmente tem sido mais próximo da Rússia e receoso com a influência dos EUA. Viktor Orbán, que não esconde suas simpatias por Putin, foi o primeiro líder europeu a parabenizar Trump e é o principal aliado do presidente dos EUA na União Europeia. Seu grupo no Parlamento Europeu, o Patriotas pela Europa, que reúne aqueles que tradicionalmente defendem posições menos alinhadas com a OTAN e os Estados Unidos, como Le Pen, Geert Wilders e Salvini, agora terá um relacionamento privilegiado com Washington graças à mediação do líder húngaro.
Se os membros do Patriotas, que eram vistos com desconfiança pela extrema direita atlantista dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), forem agora vistos com bons olhos pelo governo dos EUA, uma das grandes lacunas entre as duas principais famílias da direita radical europeia será significativamente reduzida. Embora Trump não consiga fazer com que todas as diferenças na heterogênea família de extrema direita da Europa desapareçam de uma só vez, sua presença na Casa Branca ajuda a atenuar algumas delas e oferece uma oportunidade para chegarem a um consenso.
Nas últimas semanas, foram tomadas algumas medidas nessa direção. A primeira, logo após a vitória de Trump, quando a primeira-ministra italiana e presidente do ECR, Giorgia Meloni, parabenizou calorosamente o presidente eleito e anunciou uma estreita cooperação com seu governo, com o qual disse compartilhar valores e objetivos. E a segunda, no último fim de semana, quando o grupo parlamentar Patriotas pela Europa nomeou Santiago Abascal como presidente. Criado por Viktor Orbán, o grupo poderia ter escolhido um líder de outro partido com um número maior de deputados, ou com mais influência em seu país, mas optou pelo líder do VOX, um ex-membro do ECR que mantém um bom relacionamento com Meloni. Uma medida que talvez possa ser interpretada como um gesto de boa vontade para com o ECR, justamente em um momento em que a grande coalizão dos partidos Popular, Liberal e Socialista está abalada depois que a nomeação de Teresa Ribera e, portanto, a nomeação da nova Comissão Europeia, encalhou.
O segundo ponto mais importante sobre a vitória de Trump é que essa vitória marca o triunfo definitivo de uma maneira muito específica de entender e fazer política. Trump venceu depois de uma campanha em que espalhou boatos sobre imigrantes, a população latina, os democratas e possíveis fraudes eleitorais. Alguns deles eram tão malucos quanto o que dizia que os haitianos em Springfield comiam animais de estimação. E, apesar disso, ou graças a isso, o magnata republicano conseguiu vencer a eleição.
A maneira de Trump fazer política se baseia na criação de inimigos fáceis de demonizar e estigmatizar, usando histórias fabricadas ou números falsificados, entre outros tipos de mentiras. Uma técnica que ele também aperfeiçoou em relação a 2016, ao incorporar Musk à sua equipe, que colocou o algoritmo do Twitter a serviço da propaganda trumpista.
O modus operandi de Trump é o de VOX ou de Alvise Pérez na Espanha, o de Javier Milei na Argentina, o que liderou a campanha do Brexit no Reino Unido e o que vem obtendo resultados impressionantes em todo o mundo há mais de uma década. Bolsonaro governou o Brasil, Milei governa a Argentina, a Itália é governada por uma coalizão liderada por um ex-militante neofascista, e nem mesmo países da estatura da França e da Alemanha estão a salvo de ver a extrema direita no governo nos próximos anos. A vitória de Trump fortalece todos eles, que agora terão na Casa Branca e no Partido Republicano um ponto de referência para se inspirar.
Com Trump, não é apenas ele quem vence, mas uma forma de entender a política e o mundo baseada no ódio, nas mentiras e na oposição entre o penúltimo e o último. O maior perigo de seu retorno é confirmar que essa estratégia é lucrativa e continuará sendo replicada em outras partes do mundo. Alvise, o VOX e o restante da ultradireita mundial têm mais incentivos do que nunca para intensificar seus ataques e continuar espalhando mentiras e falsidades que geram um ambiente cada vez mais tóxico, rumo ao confronto social.
Tão preocupante quanto o êxito dessas opções políticas é a incapacidade dos partidos tradicionais de enfrentá-las. A vitória de Trump também mostra que as armas com as quais os partidos tradicionais tentaram combater os discursos e o modus operandi da extrema direita são inúteis. Não basta usar agências de checagem de fatos, mostrar maior competência em um debate eleitoral e insistir em como esse tipo de liderança é ruim e perigosa para o futuro da democracia. É necessário muito mais do que isso para combater uma direita radical que será mais forte do que nunca nos próximos anos.
Não há receitas mágicas, mas existem vários elementos essenciais: propostas políticas que abordem os problemas estruturais por trás da ascensão do populismo, como a desigualdade e o empobrecimento das classes médias; alianças amplas entre as forças que querem defender a democracia; e muita educação para convencer aqueles que estão apoiando essas formações, evitando quaisquer rastros de arrogância ou superioridade moral.
A vitória de Trump impõe uma reflexão a todos aqueles que defendem a democracia liberal como a conhecemos, desde a esquerda até os setores não trumpistas da centro-direita. Os governos radicais de direita e as várias formas de populismo autoritário que estão em alta no mundo todo não são um fenômeno isolado. Eles vieram para ficar e estão mais fortes e unidos do que nunca. Se não aprendermos a combatê-los em breve, teremos de nos acostumar com uma nova normalidade, em que o natural é que pessoas como Trump governem e o anormal é que o façam figuras como Kamala Harris ou Biden.
(*) Tradução de Raul Chiliani