Quais serão as principais prioridades do novo governo Trump? Embora talvez seja muito cedo para fazer uma avaliação definitiva, informações e declarações recentes sugerem que sua equipe tem uma longa lista de políticas que gostaria de implementar. A primeira, e mais amplamente divulgada, é um programa de deportação em massa com o objetivo declarado de remover milhões de pessoas do país. Isso envolveria uma série de iniciativas federais de cima para baixo: canalizar fundos para agências de fiscalização de imigração e para a Guarda Nacional, invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798 (Alien Enemies Act) para expulsar imediatamente supostos “membros de gangues”, colaborar com as autoridades republicanas na repressão a nível estadual e exercer pressão máxima sobre as chamadas cidades-santuário (cidades que não reprimem imigrantes ilegais). Enquanto isso, a esperança é reduzir as travessias rotineiras de fronteira por meio de restrições mais rígidas de visto, do reavivamento do protocolo “Permaneça no México”, proibições de viagem e “triagem ideológica”, bem como o fim da cidadania de nascimento.
A segunda prioridade é introduzir tarifas altas e generalizadas – entre 10% e 20% sobre produtos de outros países e 60% ou mais sobre as importações da China – e garantir que os exportadores não possam contorná-las por meio da renegociação do Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Alguns membros da equipe de Trump também estão interessados em reescrever as leis trabalhistas dos EUA para desestabilizar totalmente os sindicatos e desmantelar qualquer proteção legal para ações coletivas fora das estruturas sindicais cativas. O documento do Projeto 2025 descreve políticas como a permissão para que as empresas demitam trabalhadores por se organizarem e para criarem sindicatos fictícios com comitês escolhidos a dedo. O meio mais eficaz de promover essa agenda seria eliminar os obstáculos administrativos no National Labor Relations Board e, ao mesmo tempo, usar os tribunais para estabelecer novos precedentes em relação aos direitos dos trabalhadores.
Também poderemos ver o 47º presidente adotar algumas das políticas mais folclóricas e biomísticas defendidas por Robert Francis Kennedy Jr.: legalizar o leite cru, eliminar as exigências de vacinas, acabar com a fluoretação da água e liberalizar as regulamentações para animais de estimação. Trump agradará sua base religiosa removendo as restrições ao ensino particular ou domiciliar e, ao mesmo tempo, travando uma má definida “guerra contra a cultura woke” na educação pública. Uma iniciativa de “eficiência” tentará reduzir ao máximo o funcionalismo público, além de revogar várias regulamentações sociais e ambientais. Na frente legislativa, as medidas climáticas de Biden estarão na mira – especialmente os créditos fiscais para veículos elétricos – e incentivos poderão ser oferecidos para investimentos em combustíveis fósseis e energia nuclear.
Como acontece com qualquer presidente dos EUA, o maior espaço de manobra de Trump será a política externa, mas é duvidoso que sua abordagem seja substancialmente diferente da dos democratas. Ele parece mais inclinado a encerrar as operações militares na Ucrânia – embora, considerando os recentes avanços da Rússia no campo de batalha e a impossibilidade evidente do “plano de vitória” de Zelensky, está longe de ser uma certeza que Harris teria sido capaz de prolongar a guerra por procuração por tempo indeterminado. A política de contenção da China por meio de estrangulamento econômico e cerco militar, ao mesmo tempo em que se afasta do confronto direto, continuará. O ultrassionismo animará a abordagem do Oriente Médio, com Israel recebendo cobertura dos EUA para “terminar o trabalho” em Gaza e talvez para bombardear o Irã, usando a ameaça nuclear como pretexto – mas, novamente, isso dificilmente constituirá uma mudança material. Sob o comando de Marco Rubio, o conjunto de ferramentas de sanções transmitido por Bush a Obama e aperfeiçoado por Biden será utilizado de forma mais agressiva contra países como Cuba e Venezuela.
No entanto, nem mesmo a Casa Branca mais organizada e firme conseguiria levar adiante todas essas políticas, em parte por causa da resistência da elite que elas encontrarão. A imigração é um exemplo disso. Uma repressão excessivamente zelosa certamente provocará uma reação negativa entre os interesses corporativos que dependem de mão de obra sem documentos. Isso pode fazer com que alguns funcionários e políticos republicanos rompam as fileiras, prejudicando a principal promessa de campanha de Trump e alienando partes de seu eleitorado. A maneira óbvia de resolver esse problema é lançar várias incursões de grande visibilidade nas principais cidades, provocando a reação das administrações democratas locais e permitindo que o governo culpe seu obstrucionismo quando relativamente “poucos” migrantes – provavelmente milhares ou dezenas de milhares – forem deportados.
Da mesma forma, o plano de Trump para esvaziar a burocracia estatal não estabelecerá metas específicas em dólares ou em número de funcionários, pois isso seria prejudicial demais para setores importantes da coalizão republicana: criaria um ambiente regulatório instável para as empresas e, ao mesmo tempo, prejudicaria os serviços públicos dos quais os americanos da classe trabalhadora dependem. Em vez disso, a tática do governo será tomar medidas superficialmente ousadas – encenando confrontos com a Agência de Proteção Ambiental e o Departamento do Interior – que serão contestadas por autoridades estaduais relutantes, que poderão então ser responsabilizadas por minar a vontade popular.
Provavelmente, podemos esperar um regime tarifário mais severo sob Trump, embora com uma série de isenções para grandes empresas, além de possíveis concessões para evitar uma reação negativa dos mercados. No entanto, suas esperanças de estender os benefícios fiscais de 2017 para os super-ricos, ao mesmo tempo em que abolirá uma série de outros impostos estaduais, incluindo impostos sobre gorjetas e benefícios da Previdência Social, já causou inquietação entre os republicanos da Câmara que exigem maior disciplina fiscal. É improvável que ele consiga revogar a maior parte dos subsídios ambientais de Biden, já que eles estão vinculados a investimentos em infraestrutura e manufatura com apoio bipartidário. Ele também não poderá ter a esperança de aumentar significativamente a produção de combustíveis fósseis, que já está em um pico histórico.
Talvez a maior incerteza no que diz respeito à agenda doméstica de Trump seja até que ponto ele e o Judiciário de extrema direita estão dispostos a perseguir seus oponentes. O Departamento de Justiça, sem dúvida, receberá uma reforma completa de Trump. Mas será que isso realmente acontecerá com os políticos democratas? É improvável no curto prazo. No entanto, se o governo perceber que seu apoio está começando a diminuir devido à deterioração da economia, poderemos ver uma virada repentina em direção ao lawfare – tendo como alvo os democratas sob o pretexto de colaboração com a China, fraude eleitoral e assim por diante.
Da mesma forma, não está claro, neste momento, como Trump se relacionará com o trabalho organizado. Ele pode simplesmente endossar a agenda da Right to Work Foundation e do Projeto 2025, apoiados por ideólogos antissindicais como Musk e Bezos. Mas ele também tem um histórico de cultivar relacionamentos com líderes trabalhistas simpatizantes, como Sean O’Brien, do Teamsters, desde que isso não custe muito a ele ou aos empregadores. Dentro da administração, o vice-presidente Vance provavelmente será um defensor eficaz da integração de determinados sindicatos sob condições altamente restritivas. A questão então se torna a seguinte: Trump pode intermediar algum tipo de acordo entre uma liderança trabalhista reacionária, disposta a se vender em todas as questões substantivas, e os grandes patrões? Os primeiros certamente estariam dispostos, mas coordenar os últimos provavelmente exigirá mais delicadeza do que a equipe de Trump pode reunir. No entanto, mesmo que o novo governo não consiga fazer uma barganha neocorporativista, sua abordagem em relação ao movimento de trabalhadores pode ser mais complexa – ou, pelo menos, mais confusa e ambígua – do que a retórica antissindical de Musk sugere.
Em geral, o segundo mandato de Trump parece destinado a reproduzir um padrão já conhecido, no qual suas promessas mais grandiosas esbarram nas dificuldades práticas de mediação entre grupos de interesse rivais e seus representantes políticos, tanto dentro quanto fora do governo. Durante seu primeiro período no cargo, essa dinâmica o forçou a uma série de recuos e compromissos que ele atribuiu à sabotagem do “Deep State” (“estado profundo”), transferindo a culpa para esse inimigo sombrio. Os próximos quatro anos serão caracterizados por uma tentativa semelhante de deslocamento. Resta saber se ele conseguirá manter seu apelo populista, permitindo-lhe ungir seu sucessor escolhido em 2028, ou se seus apoiadores deixarão de comprar essa ideia.
(*) Tradução de Raul Chiliani