No último sábado (3) tive a oportunidade de realizar, ao lado de André Ortega, uma palestra sobre nossa viagem à Venezuela, na Associação Cultural José Martí, em Santos (SP).
Durante o debate, após uma exposição sobre a questão das guarimbas, um senhor argumentou que o que falta ao Maduro é “ir pro pau” – tradução oblíqua do mote venezuelano “Maduro, Maduro, Al Yanqui Dale Duro”. O problema desta posição – que considero justa em outros contextos – é que ela desloca o foco dos principais problemas da Venezuela para a arena política. Seria necessário somente “ser mais duro” na política para reverter os problemas.
Dada a frequência com a qual essa proposta é colocada como “solução” para os problemas da Venezuela, é justo fazer algumas considerações. Primeiro, é preciso compreender que a raiz dos problemas venezuelanos, inclusive da crise política, é econômica. Ainda que as manifestações de 2014 tenham se iniciado no começo daquele ano, como um refluxo das manifestações convocadas por Capriles em 2013, após sua derrota nas eleições, é a partir do final de 2014 que tomam mais força, justamente quando o preço do barril de petróleo despenca. Em agosto de 2014, ele era vendido a 102 dólares. Três meses depois, já estava em 70 dólares, chegando a 50 dólares em janeiro de 2015 e a 38 dólares no final de 2015.
O preço do petróleo exerce uma pressão especial na Venezuela pela sua dependência na exportação do commodity. 73% das exportações venezuelanas são de petróleo cru, 16% de petróleo refinado e cerca de 1% de coque de petróleo (petcoke). No total, 90% das exportações (cerca de 30,8 bilhões de dólares) dependem do petróleo. Por outro lado, 8,4% das importações do país são de petróleo refinado – o que demonstra a incapacidade de refinar a totalidade do montante necessário para o consumo interno. 95% (2,18 bi de dólares) deste petróleo refinado é comprado dos EUA, ao passo que 50% (12,3 bi de dólares) das exportações de petróleo cru são feitas para os Estados Unidos. No que se refere às importações, a Venezuela é também altamente dependente. Quase 1/5 das importações são de produtos alimentícios, outros 2/5 são de produtos químicos (remédios, principalmente) e maquinário. 29% das importações totais advém dos EUA, com China (19%) e Brasil (11%) também cumprindo papéis importantes – em 2000, 36% das importações vinham dos EUA, dez anos antes a cifra era de 46%.
Essa é uma das principais razões para a Venezuela ter historicamente uma economia altamente inflacionária: ao passo que tem uma grande entrada de divisas em dólar, não tem uma produção interna suficientemente grande. É necessário gastar para abastecer, portanto.
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A situação poderia melhorar ou ser solucionada com um aumento na produção industrial e agrícola (cerca de 50% da Venezuela é rural, mas só 2,5% desta terra é cultivável, e cerca de 0,8% é efetivamente cultivada), mas há de se ter em mente que isso dependeria, de qualquer forma, de um gasto público enorme – quer seja na forma de incentivos ao setor privado, quer seja em um esforço estatal de produção, quer seja em infraestrutura produtiva, quer seja no aumento da produção agrícola e em processos para aumentar a área total arável.
E precisamente em um momento de crise econômica, após uma queda tão brutal dos preços de seu principal commodity, a tarefa se torna mais difícil – em especial considerando que a política de desinvestimento nos setores produtivos não-petrolíferos foi gigantesca, desde o final dos anos 70.
É a isso que me refiro quando digo que a situação na Venezuela é “complexa”. Para além de uma questão econômica concreta e pontual, a dependência cria um problema no que se refere ao “espaço” para o manejo político. Mas afinal, Maduro ha dado blando?
O pico da crise política venezuelana se deu em 2016, quando a coalizão opositora Mesa de la Unidad Democrática (MUD) conquistou 112 bancos de um total 167 na Assembleia Nacional. Os deputados opositores, desde o primeiro dia, começaram a trabalhar abertamente pela derrubada de Maduro, buscando convocar um “referendo revogatório” e solicitando sanções e até intervenções estrangeiras, enquanto as ruas pegavam fogo. Uma atitude legal e institucional, mas pouco republicana. Ao leitor fica a tarefa de considerar se é ou não legítima.
Maduro respondeu para além dos limites republicanos, mas dentro da legalidade e da institucionalidade. Se é legítimo ou não, também deixarei isso ao leitor – mas é importante manter em mente a situação enfrentada (considerações acerca dos custos do “republicanismo” nos governos petistas, no Brasil, também podem ser frutíferas). De qualquer maneira, Maduro contornou a situação por meio de decretos e pela convocação de uma Constituinte, por meio da eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte, que tem por objetivo redigir uma nova Constituição para o país, e efetivamente enterrou o poder da MUD na Assembleia Nacional. Este movimento foi suficiente para escandalizar os jornalistas dos grandes meios globais, elevar as ameaças por parte dos Estados Unidos, e por algum momento aumentar a tensão nas manifestações de rua. Mas a oposição foi isolada e rachada, e as guarimbas pararam.
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Não tenho predileção moral pela “paz” metafísica, e esse é justamente o ponto: na política as predileções morais não costumam ter valor. Se gostaríamos ou não de ver Capriles ou López contra uma parede, pouco importa – o que importa é o bônus que se retiraria disso. Neste caso, só ônus: mais sanções, possíveis intervenções, mais manifestações violentas nas ruas. Nenhuma solução para os problemas econômicos.