Terça-feira, 3 de abril. A Avenida Paulista, em São Paulo, é ocupada por dois ou três caminhões de som e algumas centenas de manifestantes – não mais que dois mil – que paralisam completamente o mais famoso cartão postal da Capital paulista. Estão presentes os movimentos “Direita São Paulo”, “Movimento Brasil Livre”, “Vem Pra Rua”, que disputam o público entre si. No carro de som do MBL um jovem vocifera contra a esquerda, dizendo, em referência às manifestações após a morte da vereadora carioca Marielle Franco, que “a esquerda se aproveita de morte, mas aqui não tem isso! Não tem quebradeira, não tem Black Bloc, nós apoiamos a PM.” Engata os gritos da pequena multidão em favor da polícia para ameaçar: “Se concederem o Habeas corpus para Lula, eu estarei amanhã, e espero que vocês estejam também, pedindo o impechment de todos os ministros do STF!” A multidão aplaude.
Os jovens liberais do MBL, no entanto, não foram os únicos a tentarem chantagear o Supremo. Por volta das 8h30 da noite o comandante do Exército Brasileiro, General Villas Boas, declarava por meio de sua conta no Twitter: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.” Na edição do Jornal Nacional daquela noite o apresentador William Bonner dava destaque ao pronunciamento do General com tom altissonante.
Quarta-feira, 4 de abril. O STF enfim começa o julgamento do Habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, após o TRF-4 ter dado continuidade à decisão de condená-lo na semana anterior.
Quinta-feira, 5 de abril. O juiz Sérgio Moro emite um despacho determinando a prisão do ex-presidente. Dá-lhe a chance de se entregar em Curitiba até o dia seguinte, às 17h. Lula ocupa o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, seu berço político, para onde uma multidão, majoritariamente ligada às bases do PT, também se dirige. Militantes passam a noite no Sindicato, dispostos a defender o ex-presidente.
Sexta-feira, 6 de abril*. Lula se mantém no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Agora a multidão que o protege já forma uma massa, que ocupa inteiramente a frente do sindicato, bem como algumas ruas adjacentes. O ex-presidente declara que não se entregará em Curitiba, e em todas as redações do País os olhos miram fixamente nas televisões, que transmitem a manifestação, e nos relógios, cujos ponteiros muito em breve – todos esperam ansiosamente – marcarão as 17h. Os ponteiros enfim chegam, e continuam a se movimentar. 17h10, 17h20, 17h30… Os relógios marcam o fim do prazo, mas os helicópteros e viaturas não chegam a São Bernardo. Agora já se criou uma incógnita acerca da prisão de Lula: a PF irá, afinal, cumprir o despacho de Moro, passando por cima da massa que parece disposta a impedí-la? Lula irá se pronunciar?
A semana naturalmente foi cheia e agitada. O dia mais importante dela, no entanto, será sábado, 7 de abril. É que os fatos se desenrolaram com uma brutal falta de sorte para os inquisidores. No dia 7 de abril de 1950 nascia Marisa Letícia Rocco Casa, que em 1973 se tornaria Marisa Letícia Lula da Silva. No ano passado, em 3 de fevereiro, a ex-primeira-dama faleceu. O 7 de abril de 2018, portanto, marca o primeiro aniversário da companheira de vida de Lula, agora fora desta terra, e naturalmente se organizou uma missa para homenageá-la.
Imaginem que Lula deixasse de ir à missa em homenagem de sua esposa recém-falecida por estar na prisão. Os helicópteros e as viaturas chegam, carregando os homens de preto, em coletes à prova de bala. Lula vai à janela ou às câmeras, e rememora os milhares de manifestantes que ocupam o Sindicato dos Metalúrgicos, ou as centenas de milhares de pessoas que assistem a operação de suas casas, com sua capacidade retórica usual, que os policiais o levam antes que pudesse honrar sua amada no dia de seu nascimento. Os manifestantes, já mais ou menos dispostos a resistir, se enfureceriam, e para boa parte dos que assistiam àquela operação policial a história deixaria de ser a de um homem que, tendo cometido crimes, deve ir à prisão, e passaria a ser a de uma tropa que impede um ex-presidente popular de atender à missa da ex-primeira-dama (talvez ainda mais popular, em certo sentido).
Voltemos à realidade concreta: na tarde de sexta-feira, o economista Marcio Pochmann, ligado à Fundação Perseu Abramo, declarou à TVT que Lula estava em contato com a PF. Há portanto a possibilidade de terem inclusive acordado a realização da prisão somente depois da missa de Marisa Letícia. Amanhã**, portanto, deve ser o desfecho dessa história, para a desilusão dos que pensam que, nos 49 do segundo tempo, dois anos após o golpe, seria possível reverter anos de imobilismo com uma manifestação apenas. Já é tarde demais.
Qual seria a alternativa? Impedir indefinidamente a prisão de Lula com algumas centenas, talvez alguns milhares, de manifestantes? Viver o resto de sua vida cercado, entrincheirado no Sindicato? Ainda que fosse este o caso, seria infrutífero. Determinaria-se a invasão, ora ou outra. A concessão desta janela de tempo para Lula faz parte de um esforço dos que golpearam o Brasil em 2016 em manter tudo sob a carapuça democrática. Isso, para eles, é fundamental. Lula pode ter tido esta carta na manga, mas como já venho argumentando, há cartas em coturnos – a declaração de Villas Boas na terça-feira é a prova máxima.
*Foi também nesta sexta-feira, ironicamente, que completei um trabalho de mais ou menos seis meses, que será publicado como um livro em breve pela Revista Opera, sobre o golpe de 2016. O título será “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016.”
**Naturalmente há a possibilidade da prisão só se realizar à posteriori, dado que a missa de Marisa Letícia também se tornará um evento público e político. Mas aposto, e ressalvo que neste ponto somente por uma leitura sentimental de Lula, que o ex-presidente se entregará amanhã, após a missa, fazendo um discurso apaziguador.