O boom da construção civil em Pyongyang, junto com outros indicadores de melhor desempenho econômico, como produção de alimentos e comércio exterior, fornece mais evidências da ineficácia das sanções econômicas atuais. A economia norte-coreana parece estar superando as sanções graças à ajuda chinesa e ao comércio, bem como à realocação de gastos em defesa convencional para a economia civil.
A estrutura de 105 andares do Hotel Ryugyong no centro de Pyongyang representou, por décadas, um lembrete dos problemas econômicos pós-soviéticos da Coreia do Norte. Hoje, essa narrativa de miséria parece desmentida pela velocidade vertiginosa do desenvolvimento arquitetônico no resto da cidade, como a prestigiada Rua Ryomyong. Há tantos novos e brilhantes edifícios em Pyongyang que a cidade está irreconhecível em relação ao que era há dez anos. Esse boom da construção parece contradizer a suposição de que sanções contra a Coreia do Norte enfraqueceriam sua economia a ponto de provocarem a desnuclearização. Porém, seriam os novos arranha-céus de Pyongyang meras fachadas que escondem os últimos espasmos de uma república agonizante, tal qual afirmam os críticos? Ou são os símbolos de um novo “amanhecer” e do triunfo sobre o cerco econômico, como argumenta o governo? A política byungjin de Kim Jong-un de simultâneo desenvolvimento econômico e nuclear foi bem-sucedida em seu objetivo de liberar recursos de defesa convencionais para realocação para os meios de subsistência das pessoas? Ou isso tudo é apenas propaganda elaborada?
Quando 18 torres com 48 andares de altura apareceram no coração da cidade em 2012, diplomatas estrangeiros deram o apelido de “Pyonghattan”, mas, em geral, alegavam que seria um golpe publicitário único. Acontece que Kim Jong-un inaugurou um novo e grande complexo de apartamentos quase todos os anos desde que assumiu o poder. Em 2013 e 2014, ele viu a conclusão de projetos habitacionais dedicados aos desenvolvedores dos veículos de lançamento espacial Unha (Rua dos Cientistas Unha) e dos satélites Kwangmyongsong (Rua dos Cientistas Wisong). Em 2015, ele homenageou os “cientistas do futuro” com 2.500 novos apartamentos na Rua dos Cientistas Mirae, por ocasião do 65º aniversário do Partido dos Trabalhadores da Coreia (PTC). Finalmente, em 2017, celebrou o 105º aniversário do fundador da nação Kim Il-Sung com mais de três mil unidades no novo complexo da Rua Ryomyong. Edifícios funcionais também estão surgindo, como o Teatro do Povo Mansudae (2012), o Parque Aquático Munsu (2013), o Aeroporto Sunan (2015) e o Centro de Ciência e Tecnologia (2015), para citar alguns. Grandes projetos residenciais deveriam estar concluídos em menos de um ano, e os slogans de propaganda seguiram exaltando a “velocidade Mallima” (10 mil milhas a cavalo), remontando às campanhas “Chollima” (1.000 milhas a cavalo), que estimularam a reconstrução de Pyongyang após a Guerra da Coreia.
Observadores da Coreia do Norte ficaram perplexos com a forma como o Estado pôde dar conta de tais custos de construção, dada a extensão das sanções econômicas impostas contra o país. Obviamente, a noção de custo na economia planificada do país difere consideravelmente da das economias de mercado. Quais são os custos reais de mão de obra se a maior parte do trabalho for realizada pelo Exército do Povo da Coreia? E quais os custos materiais reais se os materiais de construção forem, principalmente, fornecidos por empresas estatais? Por exemplo, a Coreia do Norte parece ser essencialmente autossuficiente em cimento, graças às abundantes reservas de calcário e fábricas estatais como o Complexo de Cimento Sunchon, que produz entre seis e sete milhões de toneladas por ano.
Todavia, por mais que a noção de custo seja diferente em uma economia planificada, o Estado não pode simplesmente criar algo do nada. Deve haver um custo ancorado em alguma coisa, para além do custo oportuno de se destinar recursos e mão de obra para o rejuvenescimento arquitetônico de Pyongyang. No mínimo, deve-se considerar o gasto com os equipamentos de construção, a energia humana e mecânica dispendida e os materiais de construção importados.
Essa construção foi possível graças à redução de custos, capital privado, gastos deficitários ou simplesmente uma economia em ascensão? Há a possibilidade de que as fachadas arrumadas escondam interiores decepcionantes. O Daily NK afirmou, por exemplo, que, devido a obras inacabadas, 4/5 dos apartamentos da Rua dos Cientistas Mirae permaneceram vazios por, ao menos, três meses após a abertura. Mais preocupante, os edifícios talvez não tivessem a estrutura integral. Em 2014, a Agência Central de Notícias da Coreia (KCNA), estatal do país, relatou que um prédio de apartamentos de 23 andares desabou durante a construção devido à “construção pouco consistente” e “supervisão e controle irresponsáveis”. Métodos e materiais inseguros podem continuar a ser usados em outros locais de construção norte-coreanos, como suspeitam certos especialistas ocidentais. Entretanto, o governo central tem fortes motivos para garantir que a tragédia de 2014 permaneça sendo um incidente isolado, dada a importância do rejuvenescimento arquitetônico de Pyongyang para a propaganda do Estado. Isso explica por que se reconheceu publicamente sua responsabilidade em 2014, com os pedidos de desculpas dos funcionários envolvidos e visitas de Kim Jong-un ao hospital. Portanto, o argumento de que o boom da construção civil se tornou possível graças ao corte de gastos é, na melhor das hipóteses, uma explicação parcial.
Também é possível que o rejuvenescimento de Pyongyang seja financiado por contribuições privadas de capital norte-coreano. A Reuters, por exemplo, relatou que “investidores locais conhecidos como ‘donju’ ou ‘mestres de dinheiro’, que obtiveram riqueza no crescente mercado norte-coreano, investem em parceria com o Estado na construção de apartamentos”. Os donjus contribuem com essas obras por meio das chamadas doações de lealdade. A depender do relacionamento do donju com o governo e da legalidade de seus negócios, suas contribuições podem garantir favores, como um bom apartamento, extensão de direitos comerciais ou mesmo permissão para operações clandestinas.
Infelizmente, não há dados confiáveis sobre o peso dos donjus na economia norte-coreana, e nenhuma maneira de avaliar seu papel em alimentar o boom da construção em Pyongyang. Uma avaliação objetiva é ainda mais complicada pela tendência de muitos relatórios externos de sensacionalizarem a proliferação de donjus como um prenúncio do colapso norte-coreano, o que pode levar a uma superestimação de seu peso e uma subestimação da força do Estado. Essa narrativa de colapso está, em geral, mais baseada na imagem de donjus contrabandistas que prosperam com a corrupção na fronteira chinesa do que nos donjus autorizados pelo establishment norte-coreano, prosperando graças aos lucros das empresas estatais em uma economia visivelmente em ascensão. Se as empresas estatais estão indo bem, então o Estado também estará bem; assim, a disseminação do donju não é, por si só, prova de um Estado fraco. Por fim, embora o papel deles certamente mereça mais pesquisas, a sugestão de que sejam a principal fonte de fundos para a construção permanece, até este momento, uma hipótese não confirmada.
Uma terceira maneira de explicar o frenesi de construção na Coreia do Norte é que o país está gastando demais e esgotando suas reservas estrangeiras para importar materiais de construção. Rüdiger Frank propôs essa ideia em 2013, no início do governo Kim Jong-un, traçando paralelos com o desenvolvimento insustentável e financiado por dívidas que ele testemunhou nos dias agonizantes da República da Alemanha Oriental. Contudo, ele também observou desde então que os relatórios orçamentários nacionais da Coreia do Norte mostram um aumento constante dos gastos públicos em infraestrutura: + 4,3% em 2014, + 8,7% em 2015 e + 13,7% em 2016. A Coreia do Norte está cada vez mais imprudente financeiramente ou encontrou uma maneira de superar os obstáculos da restrição externa?
Talvez as relações comerciais especiais da Coreia do Norte com a China a tornem menos dependente de tais reservas do que geralmente se supõe. A China é de longe o parceiro comercial mais importante da Coreia do Norte e, portanto, sua fonte mais importante de divisas estrangeiras. O enigma aqui é que, de acordo com as alfândegas chinesas, Pyongyang vem sofrendo um forte déficit comercial com Pequim (cerca de US$ 1 bilhão em 2014), o que, por si só, deveria esgotar as reservas norte-coreanas. Como o comércio não está equilibrado há anos, alguns comentaristas acreditam que, ao aceitar a situação, a China está escondendo um subsídio de facto ao Estado norte-coreano.[1] Esses “subsídios” podem vir na forma de mercadorias para as quais o pagamento não é realmente esperado por razões políticas, ou de comerciantes chineses que aceitam pagamentos em won norte-coreano e os reinvestem localmente, como na renovação do Shopping Center de Kwangbok, cofinanciado por uma empresa comercial chinesa. Talvez a onda de construção da Coreia do Norte tenha sido facilitada pela necessidade reduzida de divisas estrangeiras com base nas peculiaridades de seu relacionamento com a China.
Por fim, a economia do país pode simplesmente não estar ruim. O preconceito comum de que a Coreia do Norte deve ser um dos países mais pobres do mundo se baseia em estimativas de PIB altamente especulativas e provavelmente politizadas. Comparativamente, nossos indicadores mais confiáveis são as estatísticas de produção e comércio de alimentos, e ambos indicam que a Coreia do Norte está se saindo muito melhor do que nos anos 1990, durante a crise econômica pós-soviética. Dados coletados localmente pelo Programa Mundial de Alimentos indicam que a Coreia do Norte voltou em parte à autossuficiência nutricional da década de 1980 (produção de cereais de cerca de cinco milhões de toneladas em 2012, em comparação com cerca de dois milhões em 1996) e diminuiu consideravelmente principais indicadores de desnutrição crônica, nanismo e doenças degenerativas.
Figura 1. Volumes totais de comércio bilateral China-RPDC (1999-2016):
Enquanto isso, as estatísticas de comércio do escritório aduaneiro chinês mostram que o comércio China-RPDC passou de US$ 0,37 bilhões em 1999 para US$ 5,37 bilhões em 2016 (confira o gráfico abaixo).[2] Segundo informações, ele cresceu quase 40% no primeiro trimestre de 2017 em comparação com o mesmo período de 2016, apesar da adoção de sanções particularmente severas pela ONU em 2016 (resoluções 2270 em março e 2321 em novembro). Tais números dificilmente são conciliáveis com a hipótese de uma economia em colapso, sem mencionar que subestimam a quantidade real de atividade econômica com a Coreia do Norte. Os números em geral não mostram o contrabando, o comércio de certas mercadorias politicamente sensíveis ou, é claro, a “ajuda” e os investimentos chineses. Sabe-se também que Pequim simplesmente não publica estatísticas em certos meses. Afinal, a China tem razões políticas para divulgar um comércio menor do que realmente é: demonstrar o cumprimento das sanções da ONU.
Além do comércio, o programa nuclear norte-coreano poderia estar beneficiando a economia, permitindo que o governo realocasse recursos dos gastos com defesa convencional para o desenvolvimento de meios de subsistência para a população. Essa parece ser a lógica por trás da política byungjin de Kim Jong-un de desenvolvimento econômico e nuclear simultâneo. O dilema da Coreia do Norte é que ela não pode garantir a segurança nacional por meio de gastos com defesa convencional, pois seu orçamento militar, entre US$ 1,2 bilhões e US$ 10 bilhões,[3] é desesperadamente inferior ao da Coreia do Sul (US$ 36 bilhões) e dos Estados Unidos (US$ 606 bilhões). A única maneira de desenvolver a economia sem sacrificar a segurança, logicamente, é focar em recursos para guerra assimétrica relativamente econômicos, como uma dissuasão nuclear. Não podemos avaliar se esse cálculo funcionou na prática, dada a falta de confiabilidade das estimativas dos gastos nucleares norte-coreanos, sugerindo números entre US$ 0,7 e US$ 3,4 bilhões.
Dito isto, o aumento dos gastos com a subsistência da população ajudaria a explicar a onipresença de novos bens de consumo produzidos internamente, como alimentos, cosméticos ou eletrônicos, e a queda no número de desertores em mais da metade desde que Kim Jong-un assumiu o poder. Por enquanto, pelo menos, parece que a economia norte-coreana está melhorando, e esse pode ser o fator mais importante na capacidade de Pyongyang de promover grandes reformas. A extensão na qual a vida está mudando também fora de Pyongyang permanece incerta, pois temos menos testemunhos em primeira mão, mas novas estradas estão sendo construídas em todo o país, e há grandes desenvolvimentos urbanos em Wonsan e Rason[4] em menos.
Uma Pyongyang cheia de edifícios novos e reluzentes esconde a suposição de que a economia norte-coreana está prestes a entrar em colapso sob o peso das sanções. Embora haja algumas preocupações válidas sobre a robustez desses arranha-céus em formato de cogumelo, eles são muitos e são bastante centrais para a propaganda de Kim Jong-un para descartá-los como cartuchos, como o Hotel Ryugyong. Ao contrário de seu avô, que tirou sua legitimidade a partir de realizações militares, e seu pai, que a tirou da sua conexão direta com o fundador nacional, Kim Jong-un depende muito mais de seu desempenho no governo e da aprovação popular de sua legitimidade. Não deveria surpreender, portanto, que ele se concentre em sinais altamente visíveis de melhora dos meios de subsistência, como complexos residenciais de prestígio. Esses desenvolvimentos parecem ter sido possibilitados por uma economia melhorada, alimentada parcialmente pela ajuda e comércio chinês, bem como pela realocação de gastos em defesa convencional. Caso essa interpretação do ressurgimento econômico for correta, o boom da construção de Pyongyang será mais um motivo para duvidar da eficácia das sanções atuais.
[rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]Notas:
[1] – Veja James Reilly, “The Curious Case of China’s Aid to North Korea,” Asian Survey, vol. 54, número 6, p. 1172.* Henri Féron é pesquisador-associado de pós-doutorado no Centro de Estudos Jurídicos Coreanos da Columbia Law School. É doutor em Direito pela Universidade de Tsinghua, mestre em Direito pela Universidade de Columbia e de Tsinghua e bacharel da King’s College de Londres e da Universidade de Paris. Ele é o co-editor do livro Pathways to a Peaceful Korean Peninsula, publicado em parceria com o Instituto Coreano de Unificação Nacional.