Entre os dias 6 e 9 de junho, os residentes da União Europeia (UE) foram às urnas para eleger um novo Parlamento Europeu. Havia o temor antecipado de que houvesse um avanço da extrema-direita, o que não seria surpreendente, considerando os recentes sucessos eleitorais de partidos nacionalistas, conservadores, elitistas e extremistas, muitas vezes com tendências xenófobas e raízes ou inspirações fascistas.
Seis dos 27 países da UE – Itália, Finlândia, Eslováquia, Hungria, Croácia e República Tcheca – têm partidos de extrema-direita no governo. O governo de minoria da Suécia conta com o apoio dos Democratas nacionalistas da Suécia, a segunda maior força no Parlamento.
Na Holanda, o Partij voor de Vrijheid (PVV) de Geert Wilders conquistou 37 assentos num Parlamento de 150 lugares após uma campanha repleta de xenofobia e hostilidade anti-islâmica. Seu grupo parlamentar é muito maior do que o da aliança vermelho/verde do Comissário Europeu Frans Timmermans e dos liberais do ex-primeiro-ministro Mark Rutte, que conquistaram 24 e 25 cadeiras, respectivamente. Na época das eleições europeias, Wilders estava ocupado formando o governo mais direitista da história recente de seu país.
A Holanda é um país relativamente pequeno, mas a ascensão da extrema-direita causou preocupação também nos grandes países da Europa. Na Itália, o Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni, um partido que tem suas raízes no movimento fascista de Benito Mussolini, está no poder desde outubro de 2022. Na França, o Rassemblement National de Marine Le Pen liderou as pesquisas pré-eleitorais, enquanto o AfD (Alternative für Deutschland), a força de extrema-direita da Alemanha, consistentemente obteve melhores resultados nas pesquisas de opinião do que qualquer um dos três partidos do governo.
Esse sucesso dos partidos de extrema-direita em toda a Europa foi realmente confirmado pelos resultados das eleições europeias. O partido da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni obteve mais de 28% dos votos nacionais. Na França, o Rassemblement National, de Marine Le Pen, foi o partido preferido de quase um em cada três eleitores, humilhando o partido Renaissance, do presidente Emmanuel Macron, que obteve apenas metade dos votos. Na Alemanha, o AfD obteve quase 16%. Isso pode ser menos espetacular do que a extrema-direita italiana e francesa, mas ainda é melhor do que cada um dos três membros da atual “coalizão de semáforos”: os social-democratas, os verdes e o Partido Liberal.
Mas será que o Parlamento Europeu foi de fato tomado pela extrema-direita? Na verdade, não.
Seu sucesso eleitoral em vários países é inegável, como os exemplos da Itália, França e Alemanha já demonstraram. A ascensão da extrema-direita ocorreu às custas dos partidos centristas tradicionais. No Parlamento Europeu, os Verdes e os Liberais perderam cerca de um quarto de suas cadeiras cada. No entanto, os social-democratas parecem ter se mantido estáveis, perdendo apenas quatro cadeiras.
Mas o grupo de centro-direita do Partido Popular Europeu (PPE) está crescendo e continua sendo, de longe, o maior grupo no Parlamento Europeu. Juntos, esses quatro grupos políticos tradicionais ainda têm a maioria no Parlamento Europeu.
Além disso, embora os partidos de extrema-direita tenham avançado nas eleições de junho de 2024, eles estão irremediavelmente divididos entre si em questões fundamentais, como política econômica, relações exteriores e integração da UE. Por exemplo, enquanto alguns defendem a retirada completa da UE, outros apoiam a renegociação dos termos de adesão.
Como resultado dessas divisões, há dois grupos parlamentares que contêm partidos de extrema-direita. Por um lado, há os Conservadores e Reformistas Europeus de direita nacionalista, dominados pelo Fratelli d’Italia e pelo partido polonês Prawo i Sprawiedliwość (PiS). Por outro lado, há o Grupo de Identidade e Democracia, de extrema-direita, cujos membros incluem o Reagrupamento Nacional da França, mas também o Freiheitliche Partei Österreichs da Áustria e o PVV de Geert Wilders. O AfD era membro desse grupo até ser expulso semanas antes das eleições europeias, após uma série de escândalos.
Além disso, há vários partidos de extrema-direita que não pertencem a nenhum desses grupos parlamentares porque não são considerados aceitáveis ou já foram expulsos. O partido Fidesz, da Hungria, tornou-se o mais importante entre eles ao deixar o Partido Popular Europeu, de centro-direita, em 2021. Há também uma grande variedade de partidos menores. O AfD juntou-se a eles recentemente, pois não é filiado a nenhum grupo parlamentar.
Há dois motivos, portanto, pelos quais a extrema-direita não consegue dominar o Parlamento Europeu. Por um lado, os partidos centristas, e especialmente o Grupo EPP, permanecem relativamente fortes. Além disso, os agrupamentos de extrema-direita estão muito divididos entre si para se tornarem dominantes.
O medo de uma tomada de controle da política dominante europeia por partidos marginais de extrema-direita parece ser infundado, pelo menos por enquanto. No entanto, é inegável que a influência da extrema-direita está crescendo. O perigo real pode vir da indefinição das linhas entre os partidos tradicionais e a extrema-direita.
Recentemente, vimos como os partidos de extrema-direita passaram a emular os partidos de centro-direita em troca de um lugar na mesa, particularmente quando podem participar do governo. É interessante notar que o partido de Giorgia Meloni é o único dos três principais partidos de extrema-direita italianos que é inequivocamente a favor da OTAN e do apoio europeu à Ucrânia. Uma vez no governo, ela se tornou uma defensora declarada do apoio militar. Geert Wilders, por sua vez, estava pronto para engolir grande parte do programa de seu partido extremista em troca de sua ascensão ao governo. O Reagrupamento Nacional francês também está passando por uma reformulação de sua marca, e os comícios com o ardiloso e incendiário Jordan Bardella não se parecem com as nostálgicas reuniões da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, o fundador do partido.
Essa não é a única maneira pela qual as linhas entre a corrente dominante e a extrema-direita estão se tornando turvas. A centro-direita também está se movendo lenta mas decididamente para a direita. A mudança dos partidos de centro-direita para a direita pode ser vista no novo pacto de migração da UE, defendido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que inclui medidas originalmente defendidas pela extrema-direita, como uma dissuasão mais rígida por meio do controle de fronteiras e procedimentos de asilo mais rigorosos. Da mesma forma, ele também reforça o enquadramento da migração pela extrema-direita como uma ameaça aos valores europeus. O perigo real, portanto, pode não ser a conquista da política europeia por partidos de extrema-direita, mas a aliança entre a antiga centro-direita e a “nova” extrema-direita, supostamente mais moderada.
Portanto, o único remédio para a ascensão da extrema-direita não deve ser buscado no centro, mas na esquerda do espectro político. A esquerda está posicionada para combater a extrema-direita devido ao seu compromisso com políticas inclusivas e igualitárias, que se opõem diretamente à retórica nacionalista e excludente da extrema-direita.
Infelizmente, a esquerda também está dividida e não tem uma estratégia clara. Há o novo fenômeno do Bündnis Sahra Wagenknecht na Alemanha, que está combinando propostas restritivas sobre imigração com um programa econômico mais progressista, embora, com 6,2% nas eleições para o Parlamento Europeu, eles tenham obtido um resultado menor do que o previsto. O La France Insoumise (França), o Kommounistikó Kómma Elládas (Grécia) e o Partij van de Arbeid van België / Parti du Travail de Belgique (Bélgica) obtiveram bons resultados, conquistando o apoio de cerca de 10% do eleitorado de seus países. A esquerda também está demonstrando resistência em outros países. Eventualmente, serão esses partidos e os movimentos sociais nos quais eles estão enraizados que terão de dar uma resposta à ascensão da extrema-direita na Europa.
(*) Tradução de Raul Chiliani.