Violência, repressão e falta de comida. É este o retrato que tem sido pintado da Venezuela no último ano, desde que o país, onde o petróleo cru representa 76% das exportações, começou a sofrer de forma mais impactante os efeitos da queda no preço do barril.
Na última semana, no entanto, a imagem de venezuelanos atravessando as fronteiras em busca de comida foi substituída por uma muito mais horrenda: a do trabalho forçado.
O motivo da polêmica foi o anúncio, por parte do governo do país, de um decreto que transferiria trabalhadores urbanos para o campo, com o objetivo de ajudar no abastecimento. Pouco tempo depois a ONG Anistia Internacional lançou uma nota classificando a medida como “trabalho forçado.”
“Tentar resolver a severa falta de comida na Venezuela obrigando as pessoas a trabalhar no campo é como tentar consertar uma perna quebrada com um band-aid”, disse a Diretora responsável pelas Américas da Anistia Internacional, Erika Guevara Rosas, que afirmou também que as autoridades venezuelanas “deveriam se focar em requisitar e conseguir ajuda humanitária.”
Foi a cereja do bolo para os grandes veículos de comunicação do Ocidente:
Naturalmente, o cenário não foi muito diferente na grande imprensa brasileira:
Mas afinal, o que diz o decreto emitido pelo governo venezuelano?
Ao contrário do divulgado, a resolução nº 9855 do Ministério do Poder Popular para o Processo Social do Trabalho, publicada na Gaceta Oficial no último dia 22, não estabelece, em nenhum de seus pontos, obrigações aos trabalhadores – quem dirá a obrigação de trabalharem em plantações estatais.
Ao contrário; a resolução trata da obrigação das empresas, sejam de caráter privado, estatal ou misto, de dispôr seus trabalhadores solicitados por outras empresas do setor agrícola.
Além disso, ela estabelece que durante o período de trabalho – que durará 60 dias, podendo ser extendido por mais 60 dias – a empresa que requisitou o trabalhador será responsável pelo pagamento de salários, enquanto que a empresa de origem deverá pagar os encargos sociais e trabalhistas. E diz ainda que a empresa de origem não poderá demitir o trabalhador transferido, assegurando a ele o direito de retornar ao mesmo posto de trabalho.
A polêmica teria sido resolvida no último dia 4, quando a Telesur publicou uma matéria na qual o líder do Centro Bolivariano de Trabalhadores Socialistas, Carlos Lopez, esclarece o caráter voluntário das transferências. “Os trabalhadores que quiserem se transferir para negócios agrícolas podem fazê-lo e terão seus direitos assegurados”, afirmou Lopez, que disse também que o programa foca mais em trabalhadores especializados que tenham a capacidade de “transmitir suas técnicas e conhecimento” para ajudar no desenvolvimento agrícola.
Naturalmente, a Telesur não é fonte para a grande imprensa e para a Anistia Internacional – e, ao que parece, os decretos oficiais também não.