“Poucos líderes políticos foram tão amados, ou odiados, como Brizola. Para uns, grande herói popular; para outros, um demagogo populista.”
Talvez esse parágrafo, da contracapa do livro “Brizola”, de Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro, seja a epítome sobre a exuberante dimensão da personalidade de Leonel de Moura Brizola, líder do movimento da Legalidade que postergou por três anos o golpe militar no Brasil.
Diga-se que, amado ou odiado, faz falta uma personalidade singular como a de Leonel Brizola no atual, combalido, cenário político brasileiro e principalmente para a desorientada esquerda deste país. Ele era um “amalgamador” das esquerdas e também um implacável autocrítico.
Apaixonado na exposição de seus conceitos políticos e na ideologia que defendia visceralmente, era um reformista confrontador; profundo conhecedor do panorama político, social e econômico do país e dos anseios populares intrínsecos a eles.
Foi virtuoso nos caminhos entre as ideias. Dono de uma exposição oral abundante e retórica fervorosa, ambas, repletas de signos, figurações e expressões gaudérias caricatas, que o tornavam uma personalidade exótica dentro e fora do país, porém sempre estimado e respeitado entre seus aliados e adversários. Sabia colocar os pingos no “is” e pessoas em seus devidos lugares, se necessário fosse, sem a arrogância típica dos comandantes.
O texto que se segue, extraído da obra supracitada, conta a pitoresca história do dia em que Brizola, em uma reunião da Internacional Socialista (IS) na Suécia, no início de 1979, a convite de Mário Soares, então primeiro-ministro de Portugal e seu padrinho na IS, pediu um inesperado aparte e ateou fogo nas tratativas da proposta do chanceler austríaco-judeu Bruno Kreisky para que a OLP (Organização para Libertação da Palestina) de Yasser Arafat tomasse assento como membro observador na IS; a contragosto do então líder do Partido trabalhista de Israel (Ha-Avoda), Shimon Peres.
“Mario Soares havia convidado Brizola a participar, como observador, daquela reunião, e Clóvis Brigagão o acompanhou como assessor e intérprete para o inglês, principalmente. Brigagão costumava resumir bem as falas de Brizola, mas este achava que Clóvis não dava todas as palavras que estavam sendo ditas. E o Brigagão lhe respondia que o inglês é uma língua que reduz muito as frases, mesmo assim sentia-se que Brizola não ficava satisfeito com a explicação. Naquele clima de inverno sueco, o ambiente era demasiadamente tenso. Alguns eram partidários da ideia de se aceitar a entrada da OLP, inclusive Willy Brandt, que presidia a reunião com Kreisky. Outros, como o PS francês de François Mitterrand, não estavam tão firmes em se alinhar com a proposta. Arafat encontrava-se hospedado no mesmo local, mas fora do plenário da reunião, esperando o momento propício para ser convidado a entrar no salão e, como observador, ser homenageado pela cúpula da IS.
A discussão seguia seu curso, uns a favor, outros contra a OLP e Arafat. Durante um intervalo para o café e o descanso necessário, dentro daquele ambiente demasiadamente crítico, Shimon Peres e seus companheiros vieram conversar com Brizola e saudá-lo de forma amigável e até efusiva. Clóvis fez a tradução resumida da conversa para Brizola e parecia que eles estavam em um ambiente fraterno. No final da tarde, todos já bastante esgotados e sem que se chegasse a uma conclusão sobre a entrada ou não da OLP na IS, Brizola, subitamente, levantou a mão e pediu a palavra.
Clóvis lembra-se de ter ficado arrepiado e de ter lhe soprado uma frase:
– Governador Brizola, esse assunto não é…
Mas ele já iniciara sua prosa… Partiu da constatação de que o fenômeno do terrorismo de grupos deveria, sim, ser totalmente condenado e alongava seu discurso – com a tradução de sentido geral e curta que lhe desagradava – com comparações e casos… Até que, passados mais de dez minutos, destacou que havia também que se condenar o terrorismo de Estado, referindo-se ao caso de Israel…
A reação foi instantânea… o grupo dos trabalhistas israelenses, liderado por Shimon Peres, levantou-se de suas cadeiras, abrindo as portas do salão, batendo-as com força e retirando-se do plenário… Alguns membros de outros partidos movimentaram-se pela sala. Bruno Kreisky, que comandava a reunião na mesa central, viu-se diante de uma situação descontrolada. Instalou-se uma confusão e a reunião não mais voltou a ter ordem. A dispersão foi, pouco a pouco, se alastrando e o final foi melancólico, sem que se aprovasse qualquer resolução. Brigagão apenas sussurrou no ouvido de Brizola:
-Governador, esse assunto não era para nosso calibre…
E ele, resposta pronta:
-Mas temos que nos posicionar sobre todos os assuntos que nos interessam.”
O PDT (Partido Democrático Trabalhista) é o único partido brasileiro com assento permanente de membro pleno na IS. Brizola manteve fortes vínculos com a IS até sua morte em 2004.