O Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica publicou neste mês um relatório que analisa o poder aquisitivo dos latino-americanos em relação a cinco medicamentos disponíveis nos países – paracetamol, amoxicilina, losartana, levotiroxina e insulina –, tomando como base a quantidade de horas de trabalho necessárias para adquiri-los nas capitais do Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Panamá, Peru, México e Uruguai.
A grande disparidade observada entre os países corresponde à diversidade de modelos sanitários na região, situados entre o modelo hegemonicamente privado e desregulado dos Estados Unidos e o modelo europeu, majoritariamente público e regulado. Por esta razão, o relatório também comparou os números latino-americanos com os preços e o poder de compra nas cidades de Houston, nos EUA, e Zaragoza, na Espanha.
Os preços no Brasil, Bolívia, Colômbia, Chile e Peru são os mais baixos. O Peru tem os valores mais baixos da região, onde os medicamentos custam 43% a menos do que a média. No extremo oposto, o Uruguai se destaca com os preços mais altos: ⅔ acima da média regional. Em seguida estão o Panamá, com medicamentos 42% mais caros, e a Argentina, com 26%.
Os salários também são uma variável explicativa importante sobre o poder de compra de medicamentos nos países. No entanto, a relação entre preços, salários e poder aquisitivo não é tão linear: enquanto o Uruguai e o Panamá ocupam o topo do ranking de salários na América Latina em dólares, a Argentina está no fim da lista; o Chile e a Bolívia, por exemplo, têm maior poder aquisitivo frente aos medicamentos na região, mas o salário na Bolívia é inferior à média regional. De acordo com o CELAG, o alto poder de compra se explica pela regulamentação do mercado farmacêutico, que permite uma acessibilidade maior do que países com salários muito mais altos, como o Uruguai (salários 32% mais altos) ou o Panamá (63% mais altos). A Bolívia estabeleceu mecanismos para a venda e qualidade através da Lei do Medicamento (lei 1.737/1996), que também impõe normas para laboratórios e profissionais da saúde, além de incentivar a descentralização na distribuição através de farmácias municipais (públicas), farmácias populares e boticas (instituições sem fins lucrativos). O país possui uma Central de Abastecimento e Suprimentos de Saúde (CEASS), que compra em atacado para conseguir vantagens nos preços, e uma Comissão Nacional de Farmacovigilância, que monitora propagandas de medicamentos nos meios de comunicação. Na pandemia de Covid-19, o governo fixou preços máximos para medicamentos, serviços de terapia e gastos para enterros.
No caso chileno, o poder aquisitivo se explica tanto pelos preços baixos como pelos salários altos. Mesmo que o país tivesse um salário equivalente à média latino-americana, a população teria que trabalhar 1,2 horas a menos para conseguir os cinco medicamentos, em relação à média regional. O país é o único do estudo que não recorre a um mecanismo explícito de controle de preços, mas criou o Fundo Nacional de Medicamentos de Alto Custo em 2014, que contempla o diagnóstico de doenças e tratamentos de alto custo, e desde 2019 impulsiona um processo de maior regulação sobre as cadeias de farmácias, exigindo disponibilidade de genéricos ou bioequivalentes.
O Brasil, cujo mercado farmacêutico está entre os cinco maiores do mundo, está mais próximo da média regional de poder aquisitivo. O país criou a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) em 2003 e conta também com o controle da ANVISA. A Colômbia também está próxima da média regional, mas destaca-se pela baixa intensidade de regulamentação do mercado. Embora tenha começado a fixar preços em 2013, o valor é estabelecido sobre pontos de venda em atacado, ou seja, em uma etapa anterior à venda direta ao público nas cadeias de farmácias, que continua desregulada.
A Argentina, o Uruguai e o México são os países com menor poder aquisitivo. Segundo o relatório, apesar da implementação de uma lei de prescrição de genéricos em 2002 que diminuiu os preços, a regulamentação na Argentina tem sido ineficaz por não mudar as estratégias dos laboratórios, nem os hábitos de médicos e consumidores. Apesar disso, destacam-se programas como o REMEDIAR, que forneceu medicamentos gratuitos a cerca de 16 milhões de pessoas, e os preços fixados sobre medicamentos essenciais utilizados em UTIs durante a pandemia de Covid-19.
O Uruguai não possui uma política específica para controle de preços de remédios. Em 2005, com a criação do Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS) e do Fundo Nacional de Saúde (FONASA), houve uma melhora na cobertura médica do país. Embora os preços nas farmácias sejam mais altos, a população pode adquirir pelo SNIS medicamentos classificados como essenciais com preços acessíveis. Esse formato busca ampliar o acesso sem fixar preços no varejo.
Em média, os latino-americanos precisam trabalhar oito horas para adquirir os cinco medicamentos utilizados como base para o estudo. Há, no entanto, exceções expressivas: na Argentina, no México e no Uruguai é necessário trabalhar entre três e quatro horas a mais, enquanto no Chile, na Bolívia e no Peru é possível comprá-los com menos 3.4, 2.7 e 1.9 horas de trabalho, respectivamente.
O relatório concluiu que o fornecimento público e a regulamentação eficaz dos preços são essenciais para ampliar o acesso aos medicamentos, inclusive em países com salários baixos. A Bolívia é o exemplo mais contundente, mas o Peru, a Colômbia, o Brasil e o Paraguai também aplicam alguns desses mecanismos, embora com resultados menos expressivos. Nesse sentido, os dados sobre os EUA e a Espanha podem ser úteis para pensar os modelos sanitários na América Latina: embora o salário nos EUA seja 189% maior do que a média regional, os medicamentos custam 287% a mais. Para adquiri-los, um estadunidense precisa trabalhar por 6 horas, enquanto um espanhol precisa de 2,7.
Um outro aspecto importante para melhorar a acessibilidade é a promoção dos genéricos, a fim de criar novos hábitos de consumo entre a população. Tal medida parece ter sido fundamental no caso chileno, onde os genéricos foram amplamente difundidos pelo Laboratorio Chile, que operou como empresa de propriedade estatal entre 1933 e 1990 e hoje é privado.
Atualmente, os gastos com saúde na América Latina correspondem a 6,6% do PIB regional. O gasto per capita é de 1026 dólares, correspondente a 1/4 do que os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam.