A segunda metade da década de 1970 foi calamitosa para o imperialismo dos EUA. As últimas tropas norte-americanas retiraram-se do Vietnã do Sul em 1975, quando Saigon (agora Cidade de Ho Chi Minh) caiu nas mãos das forças comunistas do Norte; o regime aliado dos EUA no Irã entrou em colapso em fevereiro de 1979, depois que uma revolução derrubou o Xá Mohammad Reza Pahlavi, que havia sido previamente instalado por um golpe orquestrado pelos norte-americanos.
Na ilha caribenha de Granada, no mês seguinte, os comunistas do Movimento New Jewel assumiram o poder, reacendendo memórias da Revolução Cubana; e a ditadura apoiada pelos EUA na Nicarágua, América Central, também estava prestes a cair nas mãos de forças guerrilheiras de esquerda. Os norte-americanos pareciam estar perdendo em todos os lugares.
Para o presidente Jimmy Carter e o establishment da segurança nacional dos EUA, o revés iraniano em particular não poderia ter vindo em pior hora. Os comunistas – apoiados pelo principal inimigo estratégico dos Estados Unidos, a União Soviética – recentemente haviam assumido o poder no país vizinho, o Afeganistão. Embora o país não estivesse no topo da lista de prioridades dos EUA, os estrategistas norte-americanos, no entanto, perceberam uma oportunidade dentro dessa situação desfavorável. Em julho, seguindo as diretivas do conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, Carter assinou uma diretriz permitindo que um pacote de apoio secreto fosse dado ao que, naquela época, era uma oposição em vias de radicalização, contra o governo pró-soviético.
Isso marcou o início de uma infame convergência de interesses, por meio da qual a Agência Central de Inteligência (CIA), o Departamento de Inteligência Geral da Arábia Saudita (GID) e a Diretoria de Inteligência Interserviços do Paquistão (ISI) treinaram e equiparam os mujahideen afegãos (guerrilheiros islâmicos). Cada membro dessa aliança tinha sua própria agenda.
“O presidente Zia visava cimentar a unidade islâmica, transformar o Paquistão no líder do mundo muçulmano e fomentar uma oposição islâmica na Ásia Central”, escreveu Ahmed Rashid no Centro de Integridade Pública dos Estados Unidos em 2001. “Washington queria demonstrar que todo o mundo muçulmano estava lutando contra a União Soviética, ao lado dos afegãos e de seus benfeitores norte-americanos. E os sauditas viram uma oportunidade para promover o wahhabismo [uma linha puritana do islamismo] e também para se livrar de seus radicais descontentes. Nenhum dos poderes acreditava que esses voluntários tivessem suas próprias agendas, e que um dia voltariam seu ódio dos soviéticos contra os seus próprios regimes e contra os americanos”.
Tropas russas invadiram o país em dezembro, temendo a derrubada iminente do governo pelos mujahideen e preocupadas com potenciais rebeliões em cadeia nas suas próprias repúblicas centro-asiáticas, predominantemente muçulmanas. Os soviéticos agora estavam presos em uma guerra intratável. Ao longo da década seguinte, a CIA, o GID e a ISI recrutaram mais de 30.000 combatentes do mundo muçulmano e destinaram bilhões de dólares em ajuda para treiná-los e equipá-los.
Steve Coll, do Washington Post, considerou-a a operação secreta mais significativa desde a Segunda Guerra Mundial. “Durante toda a temporada de combates no Afeganistão, até onze equipes da ISI treinadas e equipadas pela CIA acompanharam os mujahideen através da fronteira para supervisionar ataques”, escreveu em 1992.
Eles deram suporte a personagens retrógrados como Gulbuddin Hekmatyar. Seus seguidores, segundo o jornalista Tim Weiner, eram conhecidos por jogar ácido “nos rostos das mulheres que se recusavam a usar o véu”. “Funcionários da CIA e do Departamento de Estado com quem conversei o chamam de ‘assustador’, ‘perverso’, ‘um fascista’, ‘material ditatorial’”, escreveu Weiner em Blank Check: The Pentagon’s Black Budget.
Hekmatyar, que em 1976 fundou o Hezb-e-Islami (Partido do Islã), uma organização política paramilitar, teria recebido mais financiamento norte-americano do que qualquer outro senhor da guerra (ironicamente, ele foi posteriormente colocado na lista de terroristas mais procurados de Washington). O raciocínio da CIA era simples: quanto mais fanáticos os soldados e mais brutais seus métodos, mais eles machucariam os russos. E quanto mais dor eles causassem, mais apoio deveriam receber.
Ronald Reagan, que substituiu Carter em 1981, descreveu os mujahideen como “lutadores pela liberdade” e trouxe a Washington líderes rebeldes como Abdul Haq, que admitiu sua responsabilidade por ataques terroristas como a explosão de uma bomba em 1984 no aeroporto de Cabul, que matou pelo menos 28 pessoas e deixou centenas de feridos. Seus admiradores americanos o apelidaram de “Hollywood Haq”.
Usando pessoal e veículos fornecidos pela CIA, os mujahideen expandiram a produção de ópio em áreas sob seu controle, transformando o Afeganistão no que um oficial da Agência Antidrogas dos Estados Unidos descreveu mais tarde como a nova Colômbia do mundo das drogas (esses também foram os anos em que a CIA forneceu financiamento secreto, levantado por meio da venda de cocaína, a paramilitares contra o governo na Nicarágua). O apoio dos EUA não estava disponível apenas para operações militares. Também houve auxílio para a guerra ideológica, como Rashid observou: “Dezenas de milhares de radicais muçulmanos estrangeiros vieram estudar nas centenas de novas madrassas que o governo militar de Zia começou a financiar no Paquistão e ao longo da fronteira afegã. No fim, mais de 100.000 radicais muçulmanos teriam contato direto com o Paquistão e o Afeganistão e seriam influenciados pela jihad.
“Em campos na proximidade de Peshawar [perto da fronteira com o Afeganistão] e no Afeganistão, esses radicais se encontraram pela primeira vez e estudaram, treinaram e lutaram juntos. Foi a primeira oportunidade para a maioria deles aprender sobre os movimentos islâmicos em outros países, e eles forjaram laços táticos e ideológicos que os serviriam bem no futuro. Os campos se tornaram virtuais universidades para o futuro radicalismo islâmico. Nenhuma das agências de inteligência envolvidas queria considerar as consequências de reunir milhares de radicais islâmicos de várias partes do mundo.”
Osama bin Laden, o décimo sétimo filho de um bilionário da construção civil saudita, envolveu-se no início do conflito como recrutador e financiador. “Encantado com suas credenciais impecáveis, a CIA deu rédea solta a Osama no Afeganistão, assim como os generais de inteligência do Paquistão”, escreve o jornalista John Cooley em Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism. “Eles olharam com benevolência para o aumento do poder sectário dos muçulmanos sunitas no sul da Ásia para conter a influência do xiismo iraniano da variedade Khomeini.”
Bin Laden recrutou milhares de voluntários da Arábia Saudita e desenvolveu relações estreitas com os líderes mujahideen. Ele também supostamente trabalhou em estreita colaboração com a CIA, arrecadando dinheiro de civis sauditas. A partir de 1984, bin Laden, junto com Ayman al-Zawahiri e outros, dirigiu o Maktab al-Khidamat, que foi criado pela ISI para fornecer recursos aos mujahideen. Também conhecida como Agência de Serviço Afegã, a organização foi a precursora da Al-Qaeda (fundada em 1988), rede terrorista responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
“Operando inicialmente a partir de Karachi e mais tarde a partir de suas fortalezas no Afeganistão, o império financeiro e imobiliário de bin Laden começou a construir bases, campos de treinamento e pistas de pouso no Afeganistão – que viriam a estar sob ataque no inverno de 2001-2002 pelos próprios Estados Unidos, que haviam originalmente encorajado sua construção – para jatos particulares de senhores da guerra da jihad anti-soviética, para dignitários muçulmanos e árabes visitantes”, escreve Cooley.
“Bunkers e túneis profundos para postos de comando e centros de telecomunicações […] foram escavados nas montanhas afegãs. O objetivo deles era tornar as telecomunicações dos combatentes mujahideen à prova de analistas de tráfego de rádio e decifradores do Exército Vermelho, bem como proteger as munições, armas e depósitos de combustível contra ataques das forças terrestres e aéreas soviéticas.
“Muito antes do fim da guerra, bin Laden e seus acólitos estavam se preparando para que jihads maiores viessem contra os ímpios governos árabes que, pensava ele, estavam sob ordens dos corruptos e satânicos Estados Unidos, com os quais, como um aliado objetivo, ele tinha trabalhado para expulsar os soviéticos.”
Em 1989, os russos estavam exaustos. O Afeganistão havia se tornado para eles o que o Vietnã havia sido para os Estados Unidos. Quando eles finalmente se retiraram, a administração de George H. W. Bush deu as costas ao Afeganistão, deixando-o, nas palavras do The Economist, “inundado de armas, senhores da guerra e fanatismo religioso extremista”.
Bin Laden também deixou o país e começou a reorientar a Al-Qaeda. Porém, foi forçado a retornar em 1996, tendo sido destituído de sua cidadania saudita e expulso do Sudão porque os EUA finalmente se voltaram contra ele. “Ele trouxe consigo muitos extremistas árabes radicalizados, motivados por visões de uma guerra islâmica global”, escreve Steve Coll em Ghost Wars: The Secret History of the CIA, Afghanistan, and Bin Laden. Diretamente de Indocuche [uma cordilheira no Afeganistão], bin Laden clamou pela guerra, escrevendo um poema para o Secretário de Defesa dos EUA, William Perry:
“Ó William, amanhã você será informado
Quanto a qual jovem enfrentará seu irmão arrogante
Um jovem entra no meio da batalha sorrindo, e
Retira-se com a ponta da lança manchada de sangue.”
Refletindo sobre seu papel no conflito afegão, Zbigniew Brzezinski perguntou em 1998: “O que é mais importante para a história do mundo […] alguns muçulmanos atiçados ou a libertação da Europa Central e o fim da Guerra Fria?” Lida à luz do que veio a seguir, a pergunta é trágica.