Nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cabul, Nawuzullah me leva ao seu sobrado de barro, onde não tem eletricidade nem água desde que ele e sua família fugiram do leste Afeganistão, atingido pelo conflito, há seis anos. Pai de quatro crianças, incluindo um bebê de cinco meses, ele ganha cerca de 70 dólares por mês coletando lavagem para alimentar vacas.
“Não há outro emprego”, diz Nawuzullah. “E às vezes não temos comida suficiente”.
No final do ano de 2021, havia cerca de 3,5 milhões de afegãos como Nawuzullah, deslocados internamente por décadas de desordem e desastres naturais recorrentes. A insegurança alimentar está afetando 19 milhões de afegãos, cerca de metade da população, de acordo com o que disse o chefe de questões humanitárias da ONU, Martin Griffiths, durante um fórum de mídia organizado pela cadeia de TV chinesa CGTN e a afegã Shamshad em agosto, enquanto pedia ao mundo para que desse as mãos e se solidarizasse com o povo afegão.
Caminhando em Mondai, o maior mercado de Cabul, é possível pensar que a fome aguda seja algo distante da realidade – não há nenhum sinal de falta de comida. Mas os beneficiários do Programa Alimentar Mundial em um dos centros de distribuição de Cabul dirão que as pequenas empresas estão em crise, a maioria das famílias tem renda limitada ou nenhuma, e o poder de compra está desaparecendo.
Uma mãe de seis crianças aguardando na fila para pegar farinha e óleo relata que o povo afegão precisa de ainda mais apoio humanitário.
A atenção global se voltou para a crise da Ucrânia, disse o coordenador do Programa Alimentar Mundial, Sami Alokozai, acrescentando que o mundo não está mais prestando atenção ao Afeganistão, onde muitas pessoas sofrem com uma crise econômica.
Do bloqueio de alimentos no Mar Negro à contínua ameaça na planta nuclear de Zaporizhzhia, o conflito russo-ucraniano tomou as manchetes da primeira metade de 2022 e dominou as discussões no Ocidente.
“A atenção internacional [para o Afeganistão] caiu por conta da incapacidade da administração Biden em lidar com a questão afegã e a saída vergonhosa dos EUA no ano passado”, disse Muhhamad Sulaiman Bin Shah, ex-vice-ministro de Indústria e Comércio do Afeganistão.
Os Estados Unidos ainda mantêm o controle de 7 bilhões de dólares em ativos afegãos – ativos que teriam aliviado a crise humanitária desencadeada pela retirada dos EUA.
Ao lado de seus aliados da OTAN, a campanha militar dos EUA no Afeganistão causou ao menos 47 mil mortes de civis. Washington não só deixou de pagar qualquer restituição ao povo afegão, como agora também aumentou as sanções sobre o país por ter se frustrado com o governo Talibã.
No fórum da CGTN sobre a crise humanitária e a reconstrução pacífica do Afeganistão, Abudul Qahar Balkhi, porta-voz do ministério de Relações Exteriores do governo interino, disse que o Talibã está em comunicação direta com os EUA, e que requisitou que seja posto um fim às “sanções imorais e ilegais”.
“Nós esperamos que [as sanções] acabem sem quaisquer condições, para que a economia do Afeganistão possa funcionar”, disse ele. Qualquer demora atinge mais a economia afegã, que tem sido amplamente dependente de recursos externos ao longo das últimas décadas. Agora, ela está em queda livre.
As sanções dos EUA estimulam uma crise em várias camadas. Uma delas é a grave crise de liquidez; outra é a crise bancária. Muitos projetos de infraestrutura do Banco Mundial e outras organizações foram interrompidos em função disso.
Se estima que cerca de 700 mil pessoas estariam diretamente envolvidas nas cadeias de valor desses projetos, e o mercado de trabalho se deteriorou significativamente. Analistas acreditam que as sanções não afetaram as autoridades atuais tanto quanto afetam o povo afegão e a comida que ele pode colocar na mesa.
A insegurança hídrica também tem preocupado o país. Atingido pela seca e com a infraestrutura de abastecimento negligenciada, o fornecimento de água do Afeganistão entrou em colapso.
O Washington Post relata que o “projeto de construção nacional” dos EUA no Afeganistão, ao invés de trazer estabilidade e paz, “inadvertidamente construiu um governo corrupto e disfuncional que se mantém dependente do poder militar dos EUA para a sua sobrevivência”.
Cabul fica em um vale triangular ladeado por cadeias de montanhas, onde muitos dos pobres vivem. Todo dia, Momina, de 49 anos, tem que descer a montanha para buscar ao menos dez tanques de dois litros de água bombeada de um poço. Trata-se da única fonte de água para cerca de 500 famílias na vila de Ko Bala, nos arredores de Cabul.
Muitas das famílias ali assinaram um contrato de dez anos para conseguir ter acesso à água por meio de uma empresa privada. Mas três anos atrás o serviço colapsou, e os 370 dólares pagos por cada uma das famílias foram perdidos. “Nenhuma empresa ou autoridade nos prometeu nada”, disse Monina, mãe de três crianças.
Monina já escorregou a caminho do poço, machucando a cabeça e uma perna. Ela tem problemas de visão, mas segue carregando água até sua casa. “Eu só deixo minhas crianças irem à escola e estudarem, meu marido também está doente”, diz ela.
Como muitos outros, a família gostaria de se mudar morro abaixo, mas Momina diz que não têm dinheiro. Seu marido só consegue a comida da família transportando mercadorias para terceiros.
As oportunidades de emprego são críticas para muitas famílias afegãs. Para Nawuzullah, retornar à sua cidade natal não é mais uma opção. “Sei que as condições de nossos parentes lá são ainda piores do que as nossas”, disse ele.
A Missão de Assistência da ONU no Afeganistão alertou que os deslocados internos enfrentariam dificuldades de acesso a empregos, educação, saúde e meios de subsistência.
Enquanto o Talibã luta com seus planos econômicos e sua imagem política, que foi prejudicada pela questão dos direitos das mulheres e o direito à educação, o mundo deveria prestar atenção ao povo afegão, que está carregando o fardo da pobreza e das consequências das sanções.
A insegurança alimentar e hídrica, bem como o desemprego, estão aumentando, e a situação humanitária pode piorar à medida que o inverno se aproxima.