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Os homens de Trump voltam ao Panamá para pressionar pelo controle do Canal

Em meio a tarifaços e guerra comercial contra China, Panamá e o controle do Canal são pontos fundamentais para estratégia de Trump
Pablo Elorduy
Foto aérea de trecho do Canal do Panamá. (Foto: David A. Cornwell / Combined Military Service Digital Photographic Files)
Foto aérea de trecho do Canal do Panamá. (Foto: David A. Cornwell / Combined Military Service Digital Photographic Files)

O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, deve se reunir com o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, nesta terça-feira, 8 de abril. Hegseth desembarca esta semana para continuar pressionando com o discurso da influência excessiva da China sobre a hidrovia interoceânica de 82 quilômetros de extensão que atravessa o país centro-americano, responsável por 6% de todo o tráfego marítimo mundial. Hegseth é o terceiro dos homens de Trump a visitar oficialmente o Panamá neste mandato. O primeiro a fazê-lo foi o Secretário de Estado Marco Rubio, que fez sua estreia no cargo com uma viagem pela América Central. A partir dessa turnê, ele divulgou um comunicado afirmando que “o governo do Panamá concordou em não mais cobrar taxas dos navios do governo dos EUA para transitar pelo Canal”. Uma grande conquista para uma primeira visita, exceto pelo fato de que era uma mentira.

Após a visita de Rubio, o presidente panamenho, José Raúl Mulino, foi forçado a negar que os navios americanos passariam pelo canal gratuitamente, já que nem ele, como autoridade do país, nem a Autoridade do Canal do Panamá, que depende de um Ministério criado para esse fim, têm a capacidade de isentar qualquer país de taxas.

Apesar do fato de que, como ressaltou a autoridade do canal, as taxas que os Estados Unidos pagam pela passagem de seus navios pelo Canal não chegam nem a 10 milhões de euros por ano, essa infraestrutura é o leitmotiv de uma campanha de vitimização do governo Trump, que se referiu a isso em seu primeiro discurso, em 20 de janeiro deste ano: “O Canal do Panamá […] foi dado insensatamente ao Panamá depois que os Estados Unidos gastaram mais dinheiro do que nunca em um projeto e perderam 38 mil vidas na construção do Canal do Panamá. Fomos muito maltratados com esse presente insensato que nunca deveria ter sido dado, e a promessa que o Panamá nos fez foi quebrada […] Os navios americanos estão pagando preços excessivamente altos e não estão sendo tratados com justiça de forma alguma. E isso inclui a Marinha dos EUA. E, acima de tudo, a China está operando o Canal do Panamá. E nós não o demos à China. Nós o demos ao Panamá e estamos recuperando-o.”

A recuperação do Canal do Panamá para os Estados Unidos está sendo levantada sob o pretexto de um aproveitamento pela China – Trump disse que o canal está caindo “nas mãos erradas” – o que não corresponde à realidade dessa infraestrutura e, dada a concorrência com o governo de Pequim, não é coincidência que a questão esteja sendo retomada poucos dias depois do aumento de tarifas com o qual a Casa Branca virou a economia mundial de cabeça para baixo.

Em 13 de março, Trump deu a ordem para “aumentar” a presença de tropas americanas no Panamá, uma mensagem preocupante, já que as tropas americanas deixaram oficialmente o país em 31 de dezembro de 1999, como resultado dos acordos assinados pelos presidentes Jimmy Carter e Omar Torrijos. Trump declarou que “o que o Panamá fez é terrível para a segurança financeira desta parte do mundo” e que, se os EUA não recuperarem o canal, “algo poderoso vai acontecer”.

Em 13 de março, a NBC News noticiou o desenvolvimento de vários planos pelo Comando Sul dos EUA para diversos cenários, incluindo o controle militar da hidrovia interoceânica: “O uso da força militar, acrescentaram, depende do grau com que as forças de segurança panamenhas concordam em cooperar com os Estados Unidos”, disseram autoridades americanas.

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Não se trata apenas de uma bravata de Trump. Nos estágios iniciais de seu mandato, a América Central é o principal eixo geográfico de uma montanha de surpresas que foi marcada pelo anúncio da imposição de tarifas que sacudiu os mercados de ações e aumentou a ameaça de uma recessão global. O Panamá, devido à questão do Canal, e El Salvador, por ser o destino preferido para a expulsão indiscriminada de imigrantes, estiveram na agenda do governo dos EUA nas últimas horas.

Pressão por terra e mar

A realidade é que Balboa e Cristobal, dois dos cinco portos nas extremidades do canal – no Atlântico e no Pacífico – são controlados pela empresa CK Hutchison, sediada em Hong Kong, que opera com a lógica do mercado nesses portos e não tem nenhuma relação com a gestão pura do canal ou com as taxas de passagem. As ameaças de Trump levaram um consórcio liderado pela BlackRock a fazer uma oferta para a compra dos dois portos. Um acordo em princípio foi alcançado em 4 de março por 22,8 bilhões de dólares, mas o governo de Xi Jinping paralisou a venda e está examinando os riscos para a segurança nacional e as leis de segurança de dados de uma possível venda.

Mas o jornalista Darma Zambrana lembra que o controle desses dois portos não implica o controle do Canal: “A China nem sequer considerou a gestão do Canal”, explica enfaticamente esse jornalista independente. Essa é a mensagem repetida várias vezes pelas autoridades de Pequim: “A China nunca participou da administração e operação do Canal, nem interferiu nos assuntos do Canal”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lin Jian.

No entanto, a estratégia está sendo bem-sucedida, pois a primeira visita de Rubio ao Panamá levou o governo centro-americano a anunciar que não renovará o acordo de entendimento com a China sobre a chamada Nova Rota da Seda. A iniciativa foi assinada pelo governo de Xi Jinping e o do presidente Juan Carlos Varela (2014-2019) em 2017, e se fundamenta no intercâmbio de bens, tecnologia, capital e pessoal.

“Trump está determinado a tirar a China do jogo, apesar do fato de que, pelo menos no Panamá, a única presença chinesa é comercial, através da Hutchison Ports, que administra os dois portos nas extremidades do canal no Atlântico e no Pacífico, um apoio tímido no treinamento militar de policiais panamenhos na China (o Panamá não tem exército), presença logística e a antiga, e já com várias gerações nascidas no istmo, colônia chinesa”, aponta Zambrana.

Para esse jornalista, embora tenha havido especulação desde o discurso de Trump sobre uma possível intervenção militar para assumir o controle do Canal, essa não é uma opção “nem mesmo para alguém tão mal orientado como ele”. O presidente Mulino também tentou tranquilizar a população dizendo que “não acredita em uma ameaça real ao tratado ou no uso de força militar”.

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Mas o Canal não é a única questão em que o novo governo dos EUA está pressionando o Panamá. A fronteira entre a Colômbia e o Panamá é uma das mais perigosas das Américas. Nela se encontra o Estreito de Darién, nome de uma selva impenetrável onde, de acordo com a Organização Internacional de Migração (OIM), pelo menos 536 migrantes morreram nos últimos nove anos. Desde o início do ano, foi registrada uma queda drástica no número de pessoas que passam pela selva, como consequência da política de militarização da fronteira do governo de José Raúl Mulino e do retorno de migrantes em voos pagos pelos EUA. O acordo para aumentar essas políticas de mão dura na única fronteira terrestre entre a América do Sul e a América Central remonta a 2024, durante o governo de Joe Biden.

Uma história de imposição e rebeldia

A história do Panamá está ligada à dos Estados Unidos desde sua criação. “Lembremos”, ressalta Zambrana, “que depois de conquistar a independência da Espanha, [o Panamá] juntou-se à Colômbia como uma província que ficou defasada em relação ao centralismo de Bogotá e, em 1903, com o apoio dos Estados Unidos, separou-se do país vizinho para se tornar uma república independente que cresceu à sombra de seu novo ‘parceiro’.”

O Canal foi inaugurado em 1914 e os americanos mantiveram um centro de operações no Panamá até 1999, quando, em conformidade com os tratados Torrijos-Carter, a infraestrutura ficou sob o controle soberano do país centro-americano. “Hoje, a renda gerada pelo Canal para o Panamá é a principal fonte de divisas do país”, diz Zambrana, “com 5 bilhões de dólares por ano, quase o triplo do que era gerado sob a administração dos EUA”, ressalta.

Como lembra Zambrana, em 1964, o governo panamenho de Roberto Chiari foi o primeiro da América Latina a romper relações com os Estados Unidos. Isso foi feito em resposta ao assassinato de 21 jovens que ousaram reivindicar a soberania do Canal, que na época era administrado pelos Estados Unidos.

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