Há meses, os moradores do norte de Gaza vivem em condições extremamente duras e desumanas. A situação piorou recentemente. Inicialmente, nosso objetivo era encontrar alimentos, mas agora até mesmo encontrar água potável é considerado um golpe de sorte.
Uma mulher me disse recentemente, enquanto esperávamos na fila para receber ajuda: “Já se passaram dias e só consegui pão e água para meus filhos. Esperar está me matando; aguardo a todo momento que essa guerra acabe. Conseguir uma galinha é um sonho para mim e meus filhos neste momento.”
Todas as granjas de aves e fazendas de gado foram atingidas. Minha amiga Iman Najm testemunhou um massacre quando estava com sua família em uma fazenda de aves e gado de propriedade de seus parentes. No meio da noite, o local foi atingido por um míssil. Iman acordou com gritos e sangue por toda parte. Não restou uma única galinha ou vaca; até mesmo seu tio foi martirizado no massacre. Já faz algum tempo que isso aconteceu, mas não podemos ignorar que os crimes de Israel afetam seres humanos, plantas e animais. A terra ficou saturada de sangue e cinzas de foguetes, e as fazendas agora são testemunhas silenciosas dessa catástrofe.
O que me dói, mais do que minha fome, é ver meus filhos pedindo por comida e água limpa. Vivemos tempos em que até mesmo encontrar vegetais é um sonho. Não vou nem mencionar as frutas, pois elas se tornaram um luxo distante no qual não se pode nem pensar. Ainda assim, o espírito palestino de perseverança é forte. Gostaria de contar o que passei só para conseguir alguns tomates.
Não temos terra nem espaço para cultivar, mas usamos a bela casa da minha avó, que foi destruída por escavadeiras israelenses. Ela tinha oitenta anos, havia sofrido um derrame e ficou paralisada do seu lado direito por sete anos, mas ainda assim se recusava a deixar sua casa e sua terra. Mas na manhã de 29 de outubro de 2023, durante o ataque perto do Hospital al-Shifa, sua casa foi bombardeada e demolida. Ela e meu tio morreram em meio aos sons de terror, bombardeio e destruição. Sua terra agora estava vazia – nossas lembranças de sua bela casa haviam sido roubadas.
Superamos isso e tentamos nos adaptar em meio às ruínas. Há três meses, meu marido plantou tomates no local onde ficava a casa dela.
Meu marido plantou os tomates, e apenas três cresceram. Eles são o melhor que temos – ou melhor, são tudo o que temos, junto com a farinha. Nós nos consideramos afortunados porque há pessoas sem sequer um tomate, sobrevivendo apenas com alimentos enlatados que têm causado infecções intestinais e enfraquecido nossos corpos frágeis.
Não houve nenhuma tentativa séria de resolver essa fome. Os estômagos vazios não têm voz em meio ao extermínio que está ocorrendo no norte, com corpos nas ruas e animais mortos nas estradas. Essa é a nossa realidade no norte de Gaza: passamos os dias entre muros em ruínas e terras impróprias para a agricultura devido às cinzas e aos resíduos químicos dos mísseis, em vez de cultivar nossos legumes e frutas.
A fome no norte se tornou uma linguagem comum entre todos, não poupando nem jovens nem idosos. Um vizinho de 70 anos me disse: “Não tenho nem farinha porque não tenho forças para ficar horas na fila para conseguir um pouco dela. Vivo com meus netos, cujo pai foi martirizado, com restos de pão deixados por outros. Eu os deixo de molho na água para facilitar a mastigação”. Suas palavras me afetaram profundamente, e chorei diante dele. Ofereci-lhe palavras de paciência, dizendo que toda guerra tem um fim e que a liberdade está próxima. Lembrei-me dele quando recebi algumas lentilhas como ajuda humanitária no dia seguinte; dei-lhe um prato quente, e suas orações sinceras me deram força e paciência.
Uma mulher me disse, enquanto eu esperava na fila para comprar remédios para minha filha, que sofre de fortes dores de estômago devido à água contaminada: “Perdemos nosso tempo e nossos dias apenas esperando nas filas para conseguir itens básicos como comida, água e remédios”. Ela me disse que eu tenho sorte porque tenho apenas dois filhos, enquanto ela tem cinco e se esforça muito mais para conseguir água suficiente e alimentos enlatados.
Agora estamos vivendo o capítulo mais difícil de nossas vidas, pois o inverno chegou com os estômagos vazios, os corpos frios e as casas ou tendas parcialmente destruídas, que não nos dão segurança nem calor; por dentro, faz mais frio do que por fora. A parte mais difícil é ver nossos filhos sofrendo com doenças, frio e fome, enquanto tudo o que temos é paciência e orações. Nossos corpos, antes bonitos, ficaram magros, com rostos pálidos.
À noite, as portas se fecham, o silêncio toma conta do lugar e tudo o que ouvimos é o som dos aviões de guerra no céu. Sentamos perto uns dos outros, oferecendo conforto mútuo e olhando para o céu com orações para que acordemos com a boa notícia de que a guerra acabou.
Eu só quero acordar me sentindo segura para salvar o que resta da minha terra natal. Não quero que meus filhos morram de fome, nem quero que seus sonhos sejam reduzidos a um frango assado ou a uma refeição deliciosa que costumávamos preparar com amor antes da guerra. Só queremos comida e um dia como os dias anteriores a 7 de outubro. Estamos em uma batalha diária pela sobrevivência e em uma jornada muito longa de paciência e sofrimento.
(*) Soha Ahmed Hamdouna tem 27 anos. Palestina de Gaza, é mãe de duas meninas. Ela é graduada em Tecnologia e Engenharia da Informação na Universidade Al-Azhar.