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Não deixar a chispa se apagar

Dado o esfacelamento vindouro deste governo, restará como aposta somente três fichas: a da farsa estética, a de um grande pacto, ou a da força.
por Pedro Marin | Revista Opera* – (Foto: Mariana Nogueira)
(Foto: Mariana Nogueira / Revista Opera)

*O artigo que segue foi finalizado pouco antes da divulgação das notícias referentes à delação de Joesley Batista. Decido publicá-lo por entender que as considerações que nele fiz mantêm-se intactas frente as novidades de Brasília. A título de atualizá-lo às condições atuais, esclareço: o ano de “2018”, mencionado no texto, pode vir a ser 18 de maio de 2017; o caminho apontado como a saída pode vir a ser, em breve, “o caminho que deveríamos ter tomado”. O “diretas já”, a fraseologia oca, apagarão a chispa?

Apesar das tentativas desesperadas por parte do governo Temer e seus aliados, seja nos gabinetes de Brasília, nos escritórios da Avenida Paulista ou nas grandes redações do País, a greve geral do último dia 28 teve sucesso em demonstrar que não será tarefa fácil enfiar goela abaixo de nosso povo as propostas de “reforma” da previdência e trabalhista.

A despeito de algo entre 35 e 40 milhões de trabalhadores paralisados, de acordo com as centrais sindicais, e de um prejuízo estimado em 5 bilhões de reais somente ao setor do comércio, de acordo com a FecomercioSP, o Sr. ministro da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio, disse que a greve “inexistiu”, ao passo que a classificou como uma “baderna generalizada”.

Os trabalhadores deste país demonstraram sua força na greve geral, mas ela não tem, ainda, grandes impactos políticos. O destino de nosso país depende, agora que já ficou demonstrado que cresce no povo brasileiro a disposição à luta e à radicalidade (como havia descrito em meu último texto sobre o cenário nacional), de uma avaliação correta do que está em jogo e de uma disposição de alterar suas regras.

Façamo-la, então: Michel Temer não pretende jogar a conta da crise nos ombros dos trabalhadores porque dizer isso é admitir que esse senhor tenha entre seus objetivos a retirada do país da crise. O desmonte da Previdência e a demolição da CLT têm como fim o avanço do projeto de semicolonização do país; quando Temer propõe a piora das condições de nossos trabalhadores, a consequente diminuição do custo de sua mão de obra, aposentadorias que só chegam no caixão, etc. o Presidente propõe a piora, também, do mercado interno, e, consequentemente, o avanço do Brasil na condição subdesenvolvida de exportador de commodities.

Este projeto, portanto, não interessa sequer à totalidade da burguesia produtiva nacional (cada vez mais rara, é verdade) ou à pequeno-burguesia, mas em especial aos urubus do mercado financeiro – quer brasileiros ou não, quer se beneficiem de títulos de dívida ou da agiotagem vulgar contra nosso povo -, à burguesia dos países do centro capitalista – que já saqueiam os espólios da grande investida de 2016 -, e de nossos fazendeiros, que agora têm na proposta do deputado tucano Nilson Leitão (a capacidade de alguns sobrenomes descreverem com exatidão o espírito humano por vezes é cômica) uma esperança de regularização do tipo de “salário” que têm oferecido aos trabalhadores rurais: teto e comida.

Tomemos como exemplo as palavras do senhor Charles R. Johnston, diretor global de assuntos governamentais do Citigroup que, sem vergonha nenhuma, diz em entrevista à BBC que “é claro que estamos aqui tentando proteger os interesses do banco”, rasgando elogios a Temer, que, segundo ele, “é um dos melhores políticos do Brasil, graças à sua experiência no Congresso, para fazer reformas importantes acontecerem.”

Diz Charles: “Ajudamos governos a estruturarem projetos em sintonia com os interesses dos mercados de capital privado […] Neste caso, obviamente, projetos de infraestrutura, seja nos Estados brasileiros ou em projetos federais.”

No campo ruralista, tomemos as palavras de Temer, proferidas durante encontro com a Frente Parlamentar da Agropecuária (é importante ressaltar; nenhum presidente havia se reunido com a Frente desde a sua criação, há oito anos): “Temos consciência de que [o agronegócio] é a pauta mais importante, é o que garante uma certa estabilidade econômica para o nosso país. Então incentivá-los é incentivar o crescimento e o desenvolvimento do Brasil.” É evidente que somente aos desonestos ou néscios é digno dizer que o agronegócio representa “o crescimento e desenvolvimento do Brasil” – sequer seus impostos pagam, devendo à União 906 bilhões de reais (para termos dimensão, a dívida poderia pagar o déficit do governo, anunciado a torto e a direito por Temer e seus ministros como razão para suas “reformas”, sete vezes.)

Dado o esfacelamento vindouro deste governo, restará como aposta somente três fichas: a da farsa estética, a de um grande pacto, ou a da força. Nenhuma delas interessa aos brasileiros, é claro, mas é nosso dever estabelecer qual delas interessará às classes dominantes.

Novo traje, corpo velho

Em “Daqueles que conquistaram principados por meio de crimes”, Maquiavel descreve as “boas” e “más” crueldades. Diz ele: “Bem usadas podem ser chamadas aquelas – se do mal é lícito falar bem – que se fazem instantaneamente pela necessidade de se firmar e, depois, não se insiste mais nelas, mas são transformadas, no máximo possível, em utilidade para os súditos. Mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do tempo aumentam em vez de se extinguirem.” É nesta situação que não só Temer, mas o projeto que representa, se encontra; suas crueldades, por necessidade própria, estendem-se cada vez mais.

Neste cenário, a aposta mais certeira das classes dominantes para 2018 seria a de estabelecer um candidato que não ousasse retroceder o projeto de Temer, mas que desse a ele cara nova e oferecesse também aparentes benefícios ao povo. “Por isso, deve-se notar que, ao ocupar um Estado, o ocupante deve considerar todos aqueles danos que é necessário para ele causar, praticando-os todos de uma só vez, para não ter de renová-los a cada dia e poder, sem repeti-los, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios”, diz Maquiavel.

O problema, naturalmente, será manter a farsa estética suficientemente luminosa, de forma a cegar o povo de sua dura realidade cotidiana, para que os benefícios não tenham de ser demasiadamente generosos.

Um Walesa para o Brasil?

“Eu, quando fui eleito Presidente da República, em 2003, tinha um compromisso de fé. Tinha consciência de que eu não podia errar. Porque eu me espelhava no Walessa, na Polônia, que depois de ter sido sindicalista, depois de ter sido Presidente da República – ele foi Presidente [durante] quatro anos, e quando tentou se reeleger teve apenas 0,5% dos votos.”

A frase mencionada acima abriu as declarações finais do ex-presidente Lula durante seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, no último dia 10. E, ironicamente, é profética – não porque Lula teria 0,5% dos votos em 2018, mas porque, para ocupar o Planalto em 2018, teria de ser mais parecido com seu amigo polonês.

Quem é Lech Walesa? – Nas palavras do próprio Lula de 2002, “era um pelegão. É, um pelegão! […] Eu encontrei com o Walesa em 1980, em Roma, foi a primeira vez que eu tive contato com o Walesa. O Walesa saiu de lá com 60 milhões – não sei se de dólares – para criar uma gráfica pro Solidariedade. Eu saí de lá sem o dinheiro da passagem. Por quê? Porque era o movimento da democracia cristã para derrubar o regime de lá.”

Em “A URSS e a Contrarevolução de Veludo”, o comunista belga Ludo Martens nos dá uma descrição mais aprofundada do líder polonês: “Na Polónia, as forças anti-socialistas que se escondem sob a bandeira do Solidarnosc, dominam, a partir de agora, toda a vida civil, e o Partido Comunista, tendo perdido praticamente toda a influência no seio das massas, tornou-se refém impotente do Solidarnosc.

Lech Walesa é hoje o porta-voz direto das multinacionais na Polônia. Depois de um encontro com Charles-Ferdinand Nothomb, do Partido Social-Cristão, afirmou: ‘Quando digo ‘ajuda’ não estou a pensar em donativos. Trata-se de investir na Polônia, de aí criar um verdadeiro mercado de capitais, de contribuir para a transformação das estruturas da nossa indústria’.

Nothomb precisou esta última ideia sublinhando que se trata de uma ‘verdadeira privatização de certos interesses’.

Após o que Walesa continuou:

‘Disse a Nothomb para encorajar a Bélgica a abrir filiais dos seus bancos na Polônia e a entrar com os capitais belgas nas empresas polacas.’

Ao mesmo tempo, Lech Walesa e os seus conselheiros americanos preferem que o Partido Comunista Polaco continue a apodrecer mais dois ou três anos ainda, governando um país onde já não controla praticamente nada, precipitando assim o seu estouro final.”

Tomemos, por fim, um texto comparativo escrito por Maciek Wisniewski, em 2011, para o La Jornada, por ocasião da entrega do prêmio da Fundação Walesa a Lula:

“No plano econômico, ele se comprometeu a restaurar o capitalismo. Sua fé nos mercados autorregulados, o mantra de que as desigualdades são boas para a economia, eram típicos da época do fim da história. Com a população mergulhada em um trauma pós-socialista, abriu as portas às reformas neoliberais e à terapia de choque. Para facilitá-las, permitiu a contenção dos sindicatos: segundo eles, estes eram bons para abolir o comunismo, mas no capitalismo já não tinham utilidade (sic).

Deixou de lutar pelos interesses dos trabalhadores e começou a defender os do capital, enterrando neste caminho toda a ideia de solidariedade social. O resultado: enormes desigualdades sociais, desindustrialização, alto desemprego e a Polônia submissa ao capitalismo global na qualidade de periferia.”

Pois bem; nas condições atuais, não parece imprudente afirmar que para Lula ser candidato em 2018 – e especialmente para de fato ser eleito – deverá se aproximar mais das teses de seu irmão polonês, e menos das do Novo Sindicalismo brasileiro. Será mais uma farsa, de natureza estética diferente. Conciliador, capaz de oferecer ao povo alguns benefícios a mais, talvez, é verdade – ainda assim, uma farsa.

Aos que consideram as ponderações feitas demasiado radicais ou imprudentes, é aconselhável reavaliar o último mandato petista. Não se trata de revanchismo revolucionário frente ao Partido dos Trabalhadores, mas de uma avaliação de caráter político: teria Dilma sido derrubada com a facilidade com qual foi sem os planos de Levy?

Decretos e canhões

Por último, esgotadas as possibilidades anteriores, restará somente a suspensão das fachadas democráticas. Ela poderá se dar de várias maneiras – mais ou menos institucionais – e é a opção mais perigosa, ainda que a mais lucrativa.

Já germina, por exemplo, a possibilidade de uma extensão do mandato de Temer, por meio de uma “Reforma Política.” O leitor mais dedicado poderá apontar que a notícia se tratou de um boato, desmentido em massa por todos os grandes veículos de mídia – é melhor olhar com mais cuidado.

Neste sentido, sugiro a leitura do artigo de Erick da Silva e, mais especificamente, do seguinte trecho: “De fato, tal como está o texto da PEC, a simultaneidade nas eleições para todos os cargos majoritários, provocando cancelamento das eleições em 2018, não está claramente colocado. Mas trata-se de uma PEC antiga e com datas de implementação já caducadas, podendo ser atualizadas para uma vigência imediata, mesmo que ao arrepio da legalidade.

Afinal, qual seria a razão que levaria os ‘nobres’ deputados a ressuscitarem uma PEC de 2003, com admissibilidade já aprovada? A única razão é a pressa para uma rápida implementação das mudanças. […] Pelo comportamento do legislativo neste ano, formalidades previstas pela letra fria da Lei estão em suspensão. Para não falar na votação da destituição da presidenta Dilma Rousseff, como esquecer, por exemplo, que esse parlamento é presidido por um deputado que afirmou que não concorreria a reeleição, pois o regimento da causa impedia isto, e no entanto, Rodrigo Maia assim o fez? Ou ainda o golpe regimental que permitiu a aprovação da lei das terceirizações?”

Isto é; mesmo o cancelamento das eleições de 2018, de maneira institucional, é uma possibilidade. Não seria necessário ir tão longe; uma ampla contra-reforma política já garantiria a continuação do estado das coisas.

Para incendiar a pradaria

A Revista Opera não constitui um partido político, e me encontro na função de editor deste humilde veículo independente, não de dirigente. Dar instruções, portanto, sempre é uma tarefa difícil e, levando em conta nossa limitada base de leitores, por vezes será pueril. Ainda assim, considero tolice maior pintar um cenário tão desesperador sem apontar saídas.

A responsabilidade que a história deixou em nosso colo não permite a fraseologia oca. A denúncia pela denúncia não nos serve. Não são poucos os cartazes que pedem “diretas já”, “reforma política” ou, ingenuamente, a “suspensão do golpe”. Há alguns, mais responsáveis, que apontam outras bandeiras; uma Constituinte, por exemplo. Mas nada disso tem valor; são palavras ao vento.

Outros, de tanto pretenso pragmatismo, se tornam imóveis, e apostam a salvação do país em Lula ou Ciro Gomes. Não é assim que a salvação chegará.

Em seu último artigo, o camarada André Ortega tratou da ausência de personalidades que estejam à altura das tarefas históricas impostas em nosso País. Com precisão, aponta: “A tarefa histórica do Brasil é nos libertar dos verdadeiros corruptos – os coronéis, marajás, senhores de terra e donos de bairro, capitalistas parasitas, das dívidas que nos foram impostas por agiotas inimigos do povo; e, acima de tudo, das amarras da dependência econômica que nos impedem de crescer: chega de ser periferia dos Estados Unidos.”

Pois bem, que força, historicamente, foi capaz de tomar em suas mãos tal responsabilidade? – Não há resposta senão as massas populares. Se tenho alguma pretensão com este artigo para além da modesta observação do cenário político nacional que fiz é conclamar: às massas! Às bases!

Cada leitor, cada militante, cada simpatizante ou o que quer que seja deve compreender que não há solução confortável para tirar o País da condição atual. Não podemos nos sujeitar a ter esperanças miraculosas. A greve geral deve ser prolongada não para derrubar as reformas da previdência, trabalhista, Temer ou seu grupo – e não me refiro somente a seus ministros, mas também a senhores como Charles R. Johnston – , mas para tirar a política brasileira de sua condição fria e imóvel, dessa aparente “paz” reacionária. Nos gabinetes, nos escritórios, nas redações, o grito desesperado deve ser “recuar”. O objetivo de cada um de nós deve ser levar ao campo, às fábricas, favelas, sindicatos, associações o grito de “avançar.” Uma chispa pode incendiar toda a pradaria.

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