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Um guia para entender o escândalo dos “hackers russos”

Tendo em vista a superficialidade da cobertura do caso dos “hackers russos” no Brasil, decidimos publicar um guia para nossos leitores.
por Pedro Marin | Revista Opera (Foto: Kremlin)
(Foto: Kremlin)

A Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), o FBI e a Agência de Segurança Nacional (NSA) divulgaram na última sexta-feira (6) um novo relatório sobre o escândalo dos supostos ciberataques russos à Convenção Nacional Democrata, durante as eleições norte-americanas, e a uma tentativa maior por parte do Kremlin em eleger Trump, prejudicando Hillary Clinton.

Tendo em vista a superficialidade da cobertura do caso no Brasil, decidimos publicar um guia para que se entenda o escândalo.

Quais são as acusações?

O governo norte-americano, por meio da sua inteligência – a Agência Central de Inteligência (CIA), o Bureau de Investigações Federal (FBI) e a Agência Nacional de Segurança (NSA) – acusa o governo russo e o presidente Vladimir Putin de ter coordenado uma “campanha de influência” durante as eleições norte-americanas para prejudicar a candidata democrata Hillary Clinton e ajudar o candidato republicano Donald Trump.

Como a Rússia teria feito isso?

De acordo com os relatórios dessas agências, o governo russo teria feito isso por meio de uma campanha multifacetada. O Kremlin, por meio de suas agências de inteligência, teria invadido os emails do Comitê Nacional Democrata e da candidata Hillary Clinton e divulgado estes emails por meio do DCLeaks e Wikileaks. Além disso, teria coordenado uma “campanha de propaganda” por meio de veículos de mídia como RT (Russia Today) e Sputnik, pago usuários das mídias sociais para compartilhar informações contra Clinton e obtido informações do partido por meio de invasões.

Que provas o governo norte-americano apresentou?

1 – As invasões

O governo norte-americano tem sido criticado por alguns especialistas, justamente por não ter apresentado, até o momento, nenhuma prova concreta de que a Rússia estaria por trás das invasões. O último relatório, apresentado na sexta-feira (6), não continha qualquer tipo de prova ou evidência, como as próprias agências reconheceram ao colocar a seguinte mensagem em várias das páginas do documento: “Esse relatório é a versão liberada de uma avaliação altamente confidencial; suas conclusões são idênticas às da avaliação altamente confidencial, mas essa versão não inclui todas as informações de suporte sobre elementos-chave da campanha de influência.”

O relatório anterior, apresentado no último dia 29 – e que foi divulgado juntamente com a aplicação de sanções contra a Rússia e a expulsão de 35 diplomatas – apresentava IOCs (Indicadores de Comprometimento); “espólios” deixados por invasões e ciberataques como IPs (número que identifica determinada rede), assinaturas digitais ou códigos.

Ocorre que estas evidências têm sido amplamente criticadas por alguns especialistas. Um deles é Jeffrey Carr, que tem escrito extensivamente sobre o assunto. De acordo com Carr, existem evidências de que hackers que falam russo estiveram por trás de alguns ataques – mas ele argumenta que isso não evidencia a participação do governo russo.

O repórter do The Intercept, Micah Lee, fez um estudo de alguns dos IOCs apresentados no relatório do dia 29, e concluiu que 49% dos IPs apresentados como associados aos ataques na realidade eram IPs associados ao programa “Tor”; uma plataforma de navegação simples que permite ao usuário mascarar sua rede, permanecendo anônimo – muito usado, aliás, por jornalistas – e que é usado por mais de 1,5 milhões de pessoas no mundo todo. Como Micah argumenta, é muito provável que, se você instalar o Tor em seu computador, você vá usar algum dos IPs listados no relatório.

Recomendamos também a leitura do texto do especialista em cibersegurança Robert Graham. Nele, Robert toma uma posição abertamente anti-russa, mas, ao mesmo tempo, demonstra a fragilidade das evidências apresentadas, chegando a chamá-las de lixo.

2 – A campanha de propaganda

A acusação de que a Rússia teria feito uma “campanha de propaganda” por meio do Russia Today e Sputnik é, naturalmente, muito controversa. Isso porque financiar veículos de mídia é algo que provavelmente todos os governos do mundo o fazem, incluindo os Estados Unidos, que por meio do Conselho de Administração de Radiodifusão (Broadcasting Board of Governors – BBG), o faz desde pelo menos desde 1942.

O BBG conta com cinco braços: a Voice of America, agência de notícias que conta com uma estação de rádio e televisão presente em partes da África e do Sudeste asiático. Seu site, por sua vez, conta com versões em 42 línguas diferentes; a Radio Free Europe/Radio Liberty, criada em 1949 pelo chefe da CIA Allen Dulles, com o objetivo de disseminar conteúdo anticomunista no leste europeu, e que atualmente transmite a 21 países diferentes na Europa, Ásia Central e Oriente Médio; a Radio y Televisión Martí, estabelecida em 1985 por Ronald Reagan com o objetivo de disseminar conteúdos que incentivassem a derrubada do modelo socialista em Cuba; a Radio Free Asia, estabelecida em 1996 e que transmite para a China, Coreia do Norte, Cambodia, Laos, Myanmar, Tibete, e Vietnã, e a Rádio e TV Alhurra, versão para o Oriente Médio das mencionadas acima.

De acordo com o website da BBG, sua missão é “informar, empenhar e conectar pessoas ao redor do mundo em apoio à liberdade e à democracia.” Para isso, Obama reservou para este ano 777,8 milhões de dólares (cerca de 2,4 bilhões de reais).

Além disso criou, por meio da Lei de Combate à Propaganda Externa, um centro inter-agências liderado pelo Departamento de Estado, com a participação da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), Departamento de Defesa, agências de inteligência e a BBG. O centro tem como objetivo combater supostas campanhas de propaganda e desinformação de países não-alinhados, como a Rússia e a China, e atores não-estatais. Além disso, cria um fundo para treinar jornalistas e financiar ONGs, think-tanks e organizações de mídia.

Ou seja: a premissa de que ao financiar organizações de mídia a Rússia estaria “prejudicado o sistema de democrático-liberal”, como o relatório acusa, poderia ser aplicada também aos Estados Unidos em relação a diversos governos.

3 – Os perfis pagos

O relatório acusa a Rússia de ter financiado “trolls”; perfis nas redes sociais pagos para disseminar conteúdo contra a candidata Hillary Clinton e a favor de Donald Trump, mas a única evidência apresentada é a de que “um jornalista que é um especialista na Agência de Pesquisa de Internet” disse que algumas contas nas redes sociais aparentavam ser “trolls” pagos, porque eles haviam anteriormente postado conteúdos em apoio às “ações russas na Ucrânia”.

Quais foram os reflexos do “ataque russo”?

Esta é a pergunta mais importante de todas. Ainda assim, as revelações feitas pelo Wikileaks têm sido, dia após dia, enterradas pela polêmica, como argumentei em um artigo recente.

Os emails do Comitê Nacional Democrata (DNC) revelaram que funcionários da DNC teriam formado um conluio para prejudicar a campanha do então candidato às primárias do partido, Bernie Sanders, e atacá-lo com base nas suas convicções religiosas. A divulgação dos emails levaram à renúncia de diversos representantes do partido, incluindo da então presidente do Comitê Nacional Democrata, Debbie Wasserman.

Já os emails do presidente de campanha de Hillary Clinton, John Podesta, revelam que a então vice-presidente do Comitê Nacional Democrata, Donna Brazile, que também era comentarista na rede de televisão CNN, concedeu à campanha de Clinton acesso a uma pergunta que posteriormente foi usada em um debate entre a candidata e Bernie Sanders no canal televisivo. O caso levou à demissão de Donna Brazile da CNN. Questionada pela rede em outubro, Brazile disse que “isso é exatamente o que os russos pretendem fazer. E eles estão fazendo.”

Um outro email revela que um oficial sênior do Departamento de Justiça encaminhou uma mensagem dando um “aviso” ao presidente da campanha de Hillary, John Podesta, sobre a divulgação de emails da candidata pelo Departamento de Estado, após uma investigação ter sido iniciada por Hillary ter usado emails privados para tratar de assuntos do Estado norte-americano quando ainda era Secretária de Estado.

Oficialmente, o governo norte-americano diz que estes emails foram vazados pelos hackers russos para destruir a confiança no sistema eleitoral norte-americano e prejudicar Hillary Clinton, mas os relatórios divulgados até o momento não fizeram um balanço do impacto deste vazamento.

Como a Rússia tem respondido a essas acusações?

O governo russo tem sido muito cuidadoso em relação às acusações, justamente por um entender que esses movimentos têm como fim gerar uma reação que prejudique a relação entre os países, que pode ter uma melhora com Trump na presidência. No dia 29, por exemplo, Putin negou a afirmação do Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, de que o país expulsaria 35 diplomatas norte-americanos em resposta à expulsão dos funcionários russos.

Putin disse também que iria aguardar a entrada de Trump na presidência para definir os próximos passos, mas lembrou que o país reserva-se o direito de retaliar.

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