Andrew Puzder é o escolhido do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, como o próximo secretário de Trabalho do país. Sob o comando de seu ministério, estarão os salários, as jornadas laborais, a segurança e o bem-estar de mais de 125 milhões de trabalhadores norte-americanos. A ele, Trump confia a dura missão de criar “mais empregos e melhores salários” e “salvar pequenas empresas da carga arrasadora de regulações desnecessárias” [1]. “Andy lutará para que os trabalhadores sejam mais seguros e mais prósperos mediante a aplicação de normas justas de segurança ocupacional”, garante o presidente.
Segundo Trump, a trajetória do novo secretário o transformou no candidato ideal para o cargo, já que Puzder tem “amplo histórico de luta em favor dos trabalhadores” e “criou e aumentou as carreiras de centenas de americanos” [2]. Mas, afinal, quem é Andrew Puzder e o que a classe trabalhadora pode, de fato, esperar de “Andy”? A pergunta é extremamente relevante, já que uma parcela representativa da classe trabalhadora dos EUA foi crucial para a eleição do bilionário nova-iorquino, em especial nos estados do chamado “Cinturão da ferrugem” – a outrora pujante região industrial e que mais perdeu com o processo de globalização neoliberal [3].
Puzder é executivo-chefe da CKE Restaurants Holdings, controladora das redes de lanchonetes fast food Carl’s Jr., Hardee’s, Green Burrito e Red Burrito. O conglomerado, que Puzder lidera desde 1997, conta hoje com 3.750 restaurantes dentro e fora dos Estados Unidos e emprega mais de 75 mil pessoas [4]. O CEO da CKE Restaurants sempre teve relações estreitas com o Partido Republicano e, antes de ser aliado de Trump, já doou para as campanhas eleitorais de Marco Rubio, Jeb Bush, Carly Fiorina e Rick Perry, além de participar da elaboração do plano econômico de Mitt Romney nas eleições de 2012 [5].
O novo secretário de Trabalho nomeado por Trump é um apoiador ferrenho de cortes brutos em direitos trabalhistas. Do cargo corporativo de líder de um grande grupo empresarial, Puzder levará para o Departamento de Trabalho do governo norte-americano a defesa intransigente da flexibilização de salários, férias e remuneração por horas extras. Segundo ele, as regulações trabalhistas foram responsáveis por “atrapalhar o crescimento do setor de restaurantes”, que representa enormes 10% da força de trabalho no país [6].
É importante ressaltar que, nos Estados Unidos, o empregado geralmente recebe por hora trabalhada e que a carga horária varia de acordo com a demanda. Pela lei federal, o salário mínimo por hora de trabalho é de US$ 7,25 desde 2009, quando houve o último aumento. Durante toda a administração Obama, Puzder se opôs às tentativas do Governo Federal de subir o salário mínimo de US$ 7,25 para US$ 10,10 [7]. “Os salários anuais base devem ser competitivos e criar uma medida de segurança financeira para os nossos executivos” [8], afirmou o novo secretário, que, segundo dados de 2012 da Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio, acumulou um salário anual pessoal de aproximadamente US$ 4,5 milhões [9].
O novo secretário ameaça outras conquistas dos americanos na última década, como a obrigatoriedade do pagamento de horas extras a 4,2 milhões de trabalhadores, garantida no início de 2016 [10]. Em um artigo publicado no Wall Street Journal, ele argumenta que, para viabilizar o pagamento de horas extras, os empresários teriam que descontar dos salários e bônus dos empregados [11]. Além disso, Puzder defende a automatização do atendimento nas lanchonetes porque, segundo ele, as máquinas são “sempre educadas, nunca faltam ou chegam atrasadas, não tiram férias, ficam doentes ou sofrem discriminação racial” [12].
Puzder ainda se opõe abertamente às leis de segurança no trabalho e à licença médica paga aos funcionários contratados pelo Governo Federal. Tal qual Trump, ele é contra também ao programa nacional de saúde “Affordable Care Act” – o Obamacare –, chegando a sugerir que esse sistema provocou uma “recessão no setor de restaurantes”, pois fez com que as famílias tivessem “menos dinheiro para gastar com refeições fora de casa” [13].
As controversas opiniões de Puzder são condizentes com o histórico de violações de direitos trabalhistas em suas empresas. Mais da metade das 3.600 lanchonetes da Carl’s Jr. e da Hardee’s foram denunciados por não-pagamento de salários, falta de equipamentos de segurança – levando trabalhadores a sofrer, por exemplo, graves queimaduras – e sobrecarga por excesso de trabalho, com funcionários de plantão por até 24 horas [14].
Como seu novo chefe Donald Trump, Puzder também está longe de ser uma referência pública no trato com as mulheres. De acordo com o jornal The St. Louis Post-Dispatch, chegou a ser acusado pela ex-mulher de abusar dela enquanto estiveram casados, embora a queixa tenha sido retirada [15]. Criticado pela hiperssexualização feminina nos anúncios publicitários da CKE Restaurants, respondeu que gosta de ver “mulheres bonitas em biquíni comendo hambúrgueres”. “Penso que é muito americano”, complementou [16].
Fora das peças publicitárias, as mulheres não recebem grande reconhecimento nas lojas da CKE Restaurants. Segundo o Economic Policy Institute, a indústria de restaurantes emprega 10,6 milhões de pessoas, representando 9,9% de todo o emprego de mulheres no setor privado do país [17]. Atrás dos balcões das lanchonetes de Puzder, 70% dos empregados são mulheres. Entre essas funcionárias, duas em cada cinco alegam já ter sofrido algum caso de assédio no trabalho [18].
Felizmente, a resistência à precarização das relações de trabalho nas cadeias de fast food tem crescido por todo o país e parece que não dará vida fácil ao novo secretário de Trabalho. Em outubro de 2015, trabalhadores do setor de restaurantes realizaram em protestos em 500 cidades por todo o país. Funcionários do Burger King, Wendy’s, McDonald’s, KFC e outras redes de restaurantes foram às ruas contra os baixos salários em 270 cidade [19]. O movimento ficou conhecido como “Fight for $15”, em defesa do aumento do salário federal para US$ 15 por hora. As manifestações fizeram com que cidades como Seattle, Los Angeles e San Francisco, além do estado de Nova York, elevassem o salário para a categoria.
De toda forma, a reação às conquistas trabalhistas históricas do povo norte-americano vão na contramão dos interesses de assalariados e desempregados que apostaram em Trump como o homem-forte que “traria os empregos de volta”. Durante a campanha eleitoral, o presidente se apresentou como a oposição aos “interesses corporativos” e às “companhias globalistas” e angariou os votos de quem mais perdeu com as reformas neoliberais [20]. Ao nomear Puzder para o Departamento de Trabalho, Trump, não muito surpreendentemente, deu respostas amargas à parte de seu próprio eleitorado – mais superexploração da força de trabalho, mais maximização de lucros pelo capital e mais inércia do Estado ante a miséria.