A sentença de 13 anos de prisão contra o ex-combatente brasileiro no leste da Ucrânia, Rafael Lusvarghi, decretada no dia 25 de janeiro deste ano, foi anulada na última sexta-feira (18) pela Corte de Apelação de Kiev, que considerou que houve “violações significativas da legislação feitas pela corte de primeira instância.”
Isso não significa, no entanto, que o ex-combatente será libertado. A Corte determinou que o caso do brasileiro seja enviado de volta à primeira instância, para que a sentença seja reconsiderada em um novo julgamento. A Corte também estabeleceu que Rafael passará os próximos 60 dias preso, aguardando o julgamento na primeira instância.
Entenda o caso
Rafael Marques Lusvarghi, de 32 anos, serviu durante quase dois anos como combatente voluntário nas forças rebeldes do leste ucraniano, que lutam contra o governo do país desde a derrubada do presidente Viktor Yanukovich, em 2014.
De acordo com documentos obtidos com exclusividade pela Opera, após seu retorno ao Brasil, Rafael foi contatado pela empresa “Omega Consulting”, em agosto de 2016. A empresa, que tinha entre seus clientes o Diretório Máximo de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, lhe ofereceu um emprego para segurança de um navio que sairia de Odessa, na Ucrânia, com destino a Galle, no Sri-Lanka.
Ainda naquele mês, após trocar algumas mensagens com a companhia, Rafael demonstrou preocupação com a ida à Ucrânia: “Já que estive no exército da República Popular de Donetsk, não teria problemas em aterrisar na Ucrânia? Seria possível embarcar em um porto fora da jurisdição ucraniana?”, questionou Rafael, que depois enviou uma mensagem à empresa sobre a anistia garantida pelos Acordos de Minsk. Ele havia lido os protocolos e, de acordo com fontes próximas do ex-combatente, enviado emails pedindo orientação para o Ministério de Relações Exteriores do Brasil.
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Alguns dias depois a empresa disse ter contatado a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que supervisiona o conflito na Ucrânia e que teve participação nos Acordos de Minsk, por meio do escritório da companhia em Londres, e afirmou que a viagem aparentemente não apresentaria riscos a Rafael.
Rafael embarcou para a Turquia no dia 5 de outubro, de onde embarcou novamente até a Ucrânia, chegando no dia seguinte. Na terça-feira (4 de outubro), no entanto, a Procuradoria de Kiev já havia um mandado de prisão preventiva contra ele. Ele foi preso no aeroporto de Boryspil, em Kiev, no dia 6 de outubro de 2016.
Em janeiro deste ano, como noticiamos, Rafael foi julgado em um tribunal ucraniano e condenado a treze anos de prisão por participação em um grupo ou organização terrorista e participação em atividades ilegais em formação armada. Durante seu julgamento, foi publicamente reconhecido que a Omega Consulting trabalhou em nome da inteligência ucraniana para enganar Rafael e levá-lo à Ucrânia, como havíamos noticiado na ocasião de sua prisão, em outubro de 2016.
Em uma carta escrita em maio deste ano, também divulgada com exclusividade pela Revista Opera, Rafael denunciou as torturas que sofreu no país, e acusou as autoridades brasileiras de “não fazerem nada” pela sua libertação e bem-estar. O ex-combatente dizia ainda se sentir “completamente abandonado em um país estranho e hostil”, e que suspeitava “do envolvimento das autoridades brasileiras nesta trama.” Ele ressaltou ainda que sua prisão era completamente ilegal, já que os Acordos de Minsk, firmados entre as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, o governo ucraniano e a Rússia, estabelecem anistia àqueles combatentes que se retirarem voluntariamente do campo de batalha.
Julgamento
As razões para a corte ter considerado que houve violações no primeiro julgamento de Rafael não são claras ainda, mas podem se referir tanto à questão da anistia, garantida pelos Acordos de Minsk, quanto a torturas e pressões que o brasileiro afirmou sofrer na prisão.
Durante o seu primeiro julgamento, quando sua sentença foi decretada, por exemplo, Rafael sugeriu que a denúncia de que estava sendo ameaçado e agredido na prisão, feita por um grupo de ativistas e noticiada pela Revista Opera, era real. “Nos últimos três dias a minha situação na detenção está muito complicada […] agora a minha vida está em risco na prisão, eu não posso voltar pra lá, sob nenhuma circunstância”, disse Rafael, que à época também solicitou uma avaliação médica.
À época, a Embaixada brasileira na Ucrânia afirmou à Revista Opera que, de acordo com seu defensor público, Rafael não havia sido agredido. “A Embaixada do Brasil em Kiev logrou entrar em contato na tarde de hoje, 25 de janeiro, com o defensor público ucraniano do senhor Lusvarghi, que confirmou que o nacional brasileiro preso não teria sofrido nenhuma agressão física. Foi solicitado pelo Setor Consular da Embaixada às autoridades ucranianas nova visita ao preso brasileiro, para verificar sua integridade moral, física e psicológica”, disse a assessoria de imprensa do Itamaraty.
Em sua carta, enviada em maio, Rafael criticou a Embaixada. “Os representantes do Brasil não fazem nada. Não fornecem nenhuma assistência, não observam o caso e nem se meus direitos estão sendo respeitados. Duas vezes viram meu rosto desfigurado e não fizeram sequer um protesto. Não interessam-se em saber se o defensor apontado pelo SBU estava macomunado com a acusação e muito menos me ajudaram a contratar um representante legal idôneo”, disse o brasileiro. “Ficaram mais de dois meses sem se interessar em saber do caso, período em que fui novamente torturado fisicamente, forçado a fazer declarações falsas contra minha vontade, julgado rapidamente e sentenciado.”