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A incontinência de Jair Bolsonaro

Seus seguidores chamam Bolsonaro de “Capitão”; o comparam com um “super-herói” – o que ele parece querer, no entanto, é ser o “Capitão América.”
por André Ortega | Revista Opera – (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
(Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O caráter é um tema comum no mundo de imagens do bolsonarismo. Nas novas camadas de jovens direitistas, sob influência de Olavo de Carvalho, há também uma preocupação maior por refinamento filosófico, aprofundamento do pensar. Vamos falar, então, de caráter – e espero que alguns adeptos participem dessa reflexão. Caráter tem dois sentidos: um mais amplo, que fala de disposições naturais, como “o caráter de um cão”, é do caráter de um cão buscar copular com uma fêmea no cio. Há também um sentido superior, mais estrito e próprio dos humanos: se trata de possuir uma disposição específica em relação à prática racional e à emoção. Depende da constituição da vontade e dos valores que formam uma preferência- o que é bom, o que é mau, o que é belo, o que é baixo.

Considerando que a continência só é prestada à bandeira estrangeira em atos oficiais, podemos tomar a atitude tosca de Bolsonaro, na semana passada, como uma demonstração clara de suas disposições – do seu caráter. Apesar da formação militar e da função pública que ocupa,  seu caráter considerou a saudação simbólica mais importante do que procedimentos ou legalidade. O que isto significa?

Para uma pessoa razoável, madura e que teve uma socialização normal, o video da atitude de Bolsonaro é feio, de mau gosto. Isso não é só uma simples constatação estética: a beleza acompanha a moralidade. Na vida e na política os símbolos e a estética são de primeira importância, eles não só dizem muito sobre as coisas como são, mas orientam como elas deveriam ser.

Bolsonaro está mostrando toda sua política num simples gesto com as mãos de frente para uma bandeira listrada. Desde que Bolsonaro entrou na corrida para presidente, o que ele mais quer é se demonstrar um cão capaz de cumprir lealmente os interesses dos grandes monopólios, e dos capitalistas que ganham muito dinheiro com esses monopólios. As reuniões que faz com “empresários” e “lideranças do mundo financeiro” não são outra coisa que uma entrevista de emprego que mistura o caráter de um humilde adolescente estagiário com a de um mercenário sem escrúpulos demonstrando sua disposição de fazer qualquer coisa – o que temos que imaginar é o candidato basicamente dizendo a portas fechadas que faz “qualquer coisa”, “o que você quiser”.  Não sou o melhor escritor e não sei se a figura do mercenário consegue pintar uma imagem clara para os meus leitores, mas creio que existem outras camadas profissionais restritas que até falam com mais frequência “faço qualquer coisa, o que você quiser” em salas fechadas para homens muito ricos.

O candidato, quando não está nos seus arroubos de gagueira histérica, está tentando exibir um “braço forte” e uma “mão amiga” – braço forte para tomar os salários e os direitos dos trabalhadores, para garantir que vai manter o povo aprisionado, mão amiga para entregar o que foi tomado para senhores já muito ricos que sugam como parasitas. Nesse caso já estamos além do próprio discurso marxista ou de esquerda sobre a expansão do capital em um sistema feito para gerar lucro, não estamos falando simplesmente de estruturas – estamos falando de arranjos vende-pátrias movidos por ambição e oportunismo.

Bolsonaro quer demonstrar que é um capataz competente para forçar as políticas de banqueiros gananciosos e está oferecendo nossas riquezas em troca do poder. Quando ele não está avançando o próprio projeto pessoal de poder, serve como agitador para os nossos gorilas do Exército, muito mais perigosos que um falador – não, eles usam fardas e carregam armas grandes, não pistolinhas estúpidas para se exibir em manifestações.

Voltando ao caráter: não é difícil considerar que a disposição de Bolsonaro é a de um traidor da pátria. Esse pequeno ato simbólico demonstra bem suas disposições – sua alergia ao verdadeiro nacionalismo torna tudo mais aberrante. Aberrante? Lembrem-se que Bolsonaro e seus asseclas exploram a figura falecida do Dr. Eneias Carneiro, líder do PRONA, um homem que mesmo sendo um conservador, era inimigo das oligarquias financeiras globais e do imperialismo norte-americano, um anti-liberal, ainda que defensor da propriedade privada e que, mesmo sendo um crítico ferrenho do comunismo, teceu elogios categóricos a Fidel Castro por sua coragem em enfrentar o imperialismo da maior potência do mundo.

Eneias era sábio o suficiente para entender que Fidel Castro conquistou não só mais independência para Cuba, porém para todos os Estados da América Latina e, em certa medida, do mundo (vide África). Bolsonaro, que fez questão de cuspir na figura do Comandante quando este faleceu, ou não é sábio ou é extremamente desonesto – duas coisas horríveis num suposto líder, duas coisas que provavelmente convivem por igual dentro dele.

Um defensor da ordem que presta continência a uma bandeira estrangeira: a mais pura desordem simbólica em prol de um perfomance de palco. Palco, exposição – é uma lástima que muitos compatriotas tenham algum tipo de “atração” pela figura de Bolsonaro porque supostamente ele seria “honesto”. Confundem honestidade com falta de controle e espetáculo de baixaria. Política não é show para ficar fazendo graça no palco ou despindo o que há de pior dentro de si, é necessário auto-controle, não simplesmente frieza, mas força de vontade e visão verdadeira.

Essa relação estranha com a legalidade (não só com a [in]continência ilegal) é comum nos militaristas – são os maiores legalistas defensores das maiores ilegalidades. É Bolsonaro falando que vai dar carta branca para a polícia matar (imagine se fosse uma polícia comunista). São tão corretos, conservadores, defensores da lei e da ordem, que exigem um assalto excepcional e violento às instituições normativas pela força dos militares para resolver as coisas na base da porrada, suspender direitos (incluindo políticos), atacar movimentos sociais e até mesmo perseguir estrangeiros.

Voltando para as questões mais próprias de caráter, estamos falando de um homem incapaz de cumprir com o mínimo de decoro militar, político e patriótico. Um homem incapaz de auto respeito simbólico, de uma postura de dignidade nacional. Um homem que se ajoelha simbolicamente ao império, e vai até o império para implorar o seu favor, para oferecer seus favores de mercenário. Seria uma mera incontinência, como um cão que não consegue se controlar? Não podemos retirar a responsabilidade dele: tudo isso é uma demonstração do caráter em sentido estrito, das inclinações racionais de Jair Messias Bolsonaro.

Imaginem alguém que sempre foi um mercenário e vai morrer como tal: um arrivista disposto a fazer qualquer coisa para atender inclinações mais básicas, o desejo de riqueza e ascensão social. Não respeita nenhum juramento em defesa da nação, pelo contrário, está conspirando ativamente para destruir a nossa nação, custando nossa soberania e independência – sua disposição de enfrentar os outros políticos é a mais simples disposição de trair aqueles que o alimentaram durante anos vendo na figura um puxador de votos, e que vão ter que aturar agora a criança barulhenta e pirracenta da família se voltando contra os pais e tios que sempre mimaram o filhote.

Falando em políticos e congressos: Bolsonaro não é um Chávez de direita. Pode sim, em parte, representar um fenômeno populista, dependendo de que tipo de categoria estamos tratando. Mas não vamos falar de conceitos acadêmicos para apontar que Bolsonaro é claramente uma farsa. Ele não é um caudilho corajoso, desafiador, que articula um discurso populista contra um sistema político de fato desmoralizado e esgotado, mas um produto genuíno e interno dessa ordem, outro comerciante eleitoral, um palhaço profissional de parlamento, com anos e anos de parlamento e vida política, inserido na podridão que passou anos sem combater verdadeiramente, só enchendo os bolsos e arrumando cargos para a família toda. A “causa” é só um mercado; por exemplo, é muito fácil atacar bandidos, é a coisa mais fácil que existe, é fácil se dizer contra o que já é tipificado contra crime, contra roubos, esse tipo de ordem representa o básico na civilização. 

Quanto às suas capacidades de liderança, Bolsonaro não tem apoiadores e não articula nada a não ser familiares, não tem um círculo real de pessoas capazes ou dedicadas – ele depende precisamente dos filhos porque ninguém nunca alimentou grande interesse no que viam como um imbecil a não ser para usar como puxador de votos (um Tiririca de extrema direita) e uma tropa de choque no parlamento, para botar a boca do trombone, atuando como agente provocador (o que ele sempre foi); sempre viveu para atrapalhar, interromper, causar, atrasar, danificar.

A figura sequer é carismática, vejam como são as interações com ele. Lembrando da comparação com Chávez, é bom lembrar que Chávez jogava sua hipnose e carisma contra uma série de jornalistas inimigos, hostis… Fidel Castro, ainda mais poderoso, se engajava em vôos intelectuais e argumentações profundas com seus entrevistadores. Bolsonaro perde o controle e, apesar das sua falta de postura, ele não humilha verdadeiramente os jornalistas, simplesmente causa um grande desconforto entediante nos seus interlocutores, é como um chato que não se comunica. Não inspira sequer seus seguidores: Bolsonaro não transformou seus seguidores, eles que colocaram ele num vazio de seus corações e das suas mentes ignorantes, não pelo líder ser magnético, inteligente ou inspirado, mas porque o deputado foi abençoado em viver num momento em que existem novas modalidades de consumo cultural e criação de identidades em função da existência da internet e das redes sociais. Bolsonaro é, no máximo, um avatar de tendências direitistas e preconceituosas na sociedade brasileira.

Não existe nada de transformador, de verdadeiramente radical, de verdadeira cambiante no movimento Bolsonaro – eles só quer reforças as instituições mais atrasadas e as práticas mais brutas, passando por cima de conquistas mais ou menos democráticas da constituição de 88. Não se trata do refinamento da nossa civilização, não se trata de uma visão para o futuro, de um projeto de vida ou uma mensagem para o mundo – se trata somente de barbárie, de estalar o chicote do despotismo e da ignorância, para vir alguém e chamar isso de “política” – que engano!

Não existe líder na ausência de propostas, num edifício feito só de preconceitos e lugares comuns.

Não foi ao seio do povo, não foi se organizar… foi sim puxar saco de empresários e de gringos, até em canais de gurus adolescentes no Youtube baixou sua cabeça para os Estados Unidos em questões que em tese nem são tão difíceis de desafiar – se Bolsonaro é um bom cão, os Estados Unidos não se importariam com um discurso formal de soberania da Amazônia, porque eles mesmos conservariam esta soberania formal em um contexto de ingerência… mas Bolsonaro é um militar tão prostituído que faz questão de falar de “internacionalização da Amazônia”, “a Amazônia não é do Brasil.” E é bom avisar aos direitistas e aos pseudos nacionalistas – a Bolsonaro já não adianta avisar – uma lição que a esquerda já deve estar aprendendo com a história do PT:  estratégia não é eufemismo para covardia, não adianta alardear a própria covardia e chamar isso de estratégia. Não existe estratégia em Bolsonaro, ele é um entreguista que sai capengando de um ponto a outro para garantir a própria sobrevivência, até contratou assessoria para conter a língua que seria o seu “grande trunfo de honestidade”(uma arma que na verdade só serve para chegar no parlamento). Está se aproveitando do fato de que sua agitação deu frutos e agora está se ajoelhando e abrindo a boca para prestar os serviços mais sujos ao imperialismo, se arrastando no chão e implorando pelo apoio e confiança dos verdadeiros senhores do nosso país, de barões que tem suas casas não na Avenida Copacabana, nem em casas ricas nos Jardins, mas em Miami! Barões que buscam cães por todos os lados – e Bolsonaro provavelmente não é mais valorizado do que qualquer chofer, é um chofer de um taxi amarelo de uma milícia carioca implorando para dirigir uma Brasília velha que está caindo aos pedaços.

Apesar do ridículo que essa figura representa, não podemos subestimar o efeito destrutivo de suas intenções e sua propaganda, não podemos nos esquecer que estamos falando de um candidato que quer colombianizar o nosso país – reduzir os direitos, entregar mais para os gringos e incentivar a violência paramilitar.

Não subestimemos, já que não me lembro de demonstração pública do PT pressionando o partido de sua coalizão que abrigava este elemento. “Quero ver você governar”, dirão alguns. Sim, não sou o governante, sou publicista e tenho a liberdade e condição de atacar aqueles que cometeram os erros, bem como aqueles que querem destruir o país, porque quando minha geração enfrentar os produtos malditos do bolsonarismo e do radicalismo evangélico (que também era base aliada), a direção do PT já estará enterrada de morta.

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