A Colômbia votará atravessada pela discussão sobre o processo de paz. O uribismo e o santismo trocam farpas. Em um país cujo abstencionismo histórico supera os 60%, o principal candidato pode ser a apatia.
Após quatro anos de negociações e um de implantação dos acordos, terminou formalmente o conflito armado entre o Estado colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP). A entrega da totalidade das armas por parte da insurgência e a promessa de conformidade dos acordos por parte do governo encerraram uma história de 53 anos de violência. No entanto, ainda há muito por resolver antes de virar a página.
Hoje, como ontem, a posição dos candidatos ante a política de paz será um aspecto decisivo das campanhas eleitorais, cujos postulantes pensam seriamente no pós-conflito e suas implicâncias em matéria econômica e social. Um olhar geral sobre os pré-candidatos mostra um panorama caracterizado pela dispersão dos partidos e incerteza programática. Os doze postulantes à Presidência, cuja diferença mais visível é a posição tomada acerca da política de paz de Juan Manuel Santos, fazem o bipartidarismo tradicional parecer uma relíquia. Dois líderes autodenominados independentes e quatro candidatos de esquerda encarnam a novidade nos comícios de 2018. O resto do espectro se debate entre o santismo e o uribismo. Tendo em vista que a inscrição de candidaturas termina em novembro, há muito pouco o que se pode afirmar de maneira conclusiva.
Talvez o setor que ofereça menos surpresas seja o dos candidatos alinhados à figura de Álvaro Uribe e conhecidos por sua firme oposição ao processo de paz. Após sua recente aliança com o ex-presidente conservador Andrés Pastrana, que agora renega o diálogo e a consulta com a guerrilha, basta esperar quais dos nomes que ressoaram nos grupos de ambos acabarão ungidos para representar a coalizão.
No Centro Democrático, tornou-se oficial a aspiração dos senadores María del Rosario Guerra, Iván Duque e Paloma Valência, bem como do ex-comissário da paz Carlos Holmes Trujillo e do ex-vice-ministro da Justiça Rafael Nieto Loaiza. Da sua parte, o Partido Conservador tem entre seus quadros o ex-advogado Alejandro Ordonez, conhecido por sua luta contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e seu catolicismo profundamente arraigado; e a senadora Marta Lucía Ramírez, lembrada por escrever, como ministra da Defesa, o primeiro livro da Política de Segurança Democrática do ex-presidente Uribe. Tanto Ordóñez quanto Ramírez fizeram campanha pelo “Não” no plebiscito referendário dos Acordos da Paz de Havana. Além da perplexidade gerada pela reconciliação entre antigos inimigos, a aliança Uribe-Pastrana consolida o bloco ultradireita no país. Depois de caminharem lado a lado na controvertida campanha “Não” e alinharem a oposição sob o medo da ameaça “castrochavista”, os ex-presidentes buscaram capitalizar a insatisfação dos colombianos ante a gestão Santos para além das negociações de paz. No entanto, a imagem negativa dos líderes da nova coalizão é demasiadamente alta (57,9% de opinião desfavorável para Uribe e 27,9% para Pastrana[1]) para que o caminho da vitória seja pleno.
Atrás da coalizão de extrema-direita, está a candidatura de Germán Vargas Lleras, vice-presidente de Santos até março passado e favorito nas pesquisas eleitorais, com uma porcentagem de 21,5% das intenções de voto[2]. Líder do Partido da Mudança Radical e neto do ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (1966-1970), Vargas Lleras é um político de origem liberal com uma longa história no Senado e no Poder Executivo. Sua posição com relação à paz é atualmente incerta, embora costume relembrar sua oposição ao início do “El Caguán”, zona de distensão oficializada por Pastrana na tentativa de negociar com as FARC, uma opinião que, por um momento, o aproximou do presidente Uribe, mas não foi suficiente para mantê-lo de seu lado. Depois de apoiar a primeira reeleição de Uribe, Vargas Lleras decidiu seguir seu caminho em 2010 e apresentar-se por conta própria às eleições presidenciais do mesmo ano. Durante o governo de Santos, atuou como ministro das pastas de Moradia e Interior, aproveitando a inauguração de obras públicas e projetos habitacionais para obter visibilidade. Daí sua força com a imagem de promotor da infraestrutura, combinada com um manejo hábil da máquina eleitoral na costa norte da Colômbia. Sua fraqueza, por outro lado, está no voto urbano, principalmente em Bogotá, e em uma imagem negativa que supera a favorável (48% contra 36%), de acordo com a última pesquisa da Gallup[3].
No centro, estão os autodenominados independentes. Sergio Fajardo, um matemático, ex-governador da Antioquia, ex-prefeito de Medellín e líder do Compromisso Cidadão, está em terceiro lugar nas intenções de voto e goza de uma das imagens mais favoráveis entre os candidatos. Construiu um perfil de professor e homem da ciência interessado em política, com um discurso que inclui slogans como “Se puede” ou “Colombia, la más educada”, que lembram o estilo de comunicação de Antanas Mockus, seu companheiro de partido enquanto pertenceu ao Partido Aliança Verde. Ele apoiou o processo de paz com as FARC e se dedicou à campanha do “Sim” no plebiscito referendário. Seu cavalo de batalha é a luta contra a corrupção. Este é precisamente seu ponto de contato com Clara López, a segunda candidata independente que agora encabeça o Partido Aliança Verde.
Mesmo apoiando o processo de paz, López se distanciou de boa parte das políticas do presidente Santos e levantou as bandeiras de anticorrupção com a intenção de “domesticar a classe política”[4]. Antes de chegar ao Senado da República, era conhecido nos meios acadêmicos e jornalísticos pelas investigações em que revelou as conexões entre os grupos paramilitares e setores de diversos partidos políticos. Também é famoso por seu confronto com Uribe. O slogan de Fajardo e López ecoa no meio dos múltiplos escândalos de corrupção que enfrenta o governo de Santos, cujo corolário foi o dinheiro da construtora brasileira Odebrecht nas campanhas presidenciais de 2010 e 2014. Nenhum dos candidatos descarta uma aliança mútua para as próximas eleições.
Quatro candidatos de esquerda completam o elenco presidencial. Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá, segundo nas intenções de voto e com uma opinião pública dividida entre amor e ódio, foi um guerrilheiro do M-19 e, após sua desmobilização em 1991, lançou-se na política. Opositor e crítico ferrenho do governo Uribe, ele apresentou a primeira evidência do pacto entre paramilitares, traficantes de drogas e políticos envolvendo um dos irmãos do ex-presidente. Foi destituído do cargo de prefeito de Bogotá em 2013 e inabilitado para ocupar um cargo público por 15 anos, graças à decisão do procurador Alejandro Ordonez. A medida foi anulada pela Corte Suprema de justiça em junho de 2014. A condição de proscrito o aproxima da segunda candidata da esquerda, a ex-senadora Piedad Córdoba.
Córdoba militou durante anos na ala esquerda do Partido Liberal, onde trabalhou pelos direitos das mulheres e das minorias. Foi senadora entre 1994 e 2010, até ser destituída e inabilitada para ocupar cargos políticos, também pelo procurador Ordonez, por supostos vínculos com as FARC. Dentro do tabuleiro de candidatos, é a pessoa com maior compromisso com a paz: em 2007, chegou a um acordo humanitário com as FARC, no qual, por meio da mediação de Hugo Chávez, obteve-se a libertação de seis pessoas sequestradas pela organização. As pesquisas a colocam no penúltimo lugar, com uma intenção de votos de 2,8%, uma cifra que deve ser lida à luz da campanha midiática e do desprestígio a que foi submetida a política nos últimos anos.
Hoje separados e em competição, Jorge Enrique Robledo e Clara López Obregón disputam no momento da candidatura à Presidência pelo Pólo Democrático Alternativo, partido de esquerda cuja fortaleza eleitoral é a capital colombiana. Robledo é senador desde 2002, com ideias críticas ao neoliberalismo que marcaram sua oposição equidistante ao santismo e ao uribismo. Atualmente é pré-candidato presidencial ao Pólo. Por sua vez, Clara López, ex-ministra do Trabalho de Santos, decidiu lançar sua candidatura pelo movimento cidadão “Todos somos Colombia”, um grupo que busca reunir setores de várias regiões do país para consolidar a paz e tem o apoio de uma massa de dirigentes do Pólo Democrático.
O santismo está ainda definindo seu candidato. Eles transcendem entre os nomes do senador Roy Barreras, membro da delegação do governo em Cuba; Juan Carlos Pinzón, ex-embaixador nos EUA; e Humberto de la Calle, que, apesar de não ser membro do Partido de la U (partido de Juan Manuel Santos), conseguiu notoriedade como chefe da equipe de negociação do governo em Havana e representa uma garantia de que o acordo iniciado com as FARC se concretizará.
Em um país cuja taxa histórica de abstenção ultrapassa 60%, o principal candidato pode ser a apatia. O conflito armado, essa divisão-mestra que define alianças e presidentes, se tornou quase inócuo para 21 milhões de colombianos que decidiram omitir seu voto no plebiscito pela paz. Com um cenário de 12 pré-candidatos e múltiplas internas partidárias, haverá com certeza um segundo turno. Tanto a continuidade do acordo com as FARC quanto o início das transformações legais e econômicas necessárias para uma paz sustentável pós-conflito dependerão das alianças alcançadas por partidos independentes e de esquerda, com o objetivo de pagar a dívida social diferida há décadas e garantir aos ex-combatentes a passagem “das armas à política”.
Fontes:
[1] – http://www.semana.com/nacion/articulo/gran-encuesta-presidencial/525789 [2] – http://www.semana.com/on-line/galeria/gran-encuesta-escenarios/525952 [3] – http://www.elespectador.com/noticias/politica/farc-con-imagen-mas-favorable-que-los-partidos-politicos-articulo-700548 [4] – http://www.partidoverde.org.co/vence-corrupto-iniciativa/