De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no triênio 2014-2016 a quantidade de pessoas subalimentadas na Venezuela chegou a 4,1 milhões. No triênio anterior, 2013-2015, eram 2,8 milhões. Entre um período e outro, se somaram à cifra 1,3 milhões de pessoas.
A quantidade de pessoas desnutridas na Venezuela para o triênio 2013-2015 equivalia a 9,1% da população. No período seguinte, a subalimentação subiu para 13% da população. Apesar de alcançar um pico de 16,9% da população faminta no triênio 2001-2003, a revolução bolivariana logrou reduzí-la a 3,1% durante o triênio 2008-2010, e assim permaneceram as cifras durante o triênio 2009-2011, com uma porcentagem equivalente a 900 mil pessoas.
Entre 2008-2010 e 2014-2016, a subalimentação na Venezuela aumentou 9,9%. Em apenas oito anos, 3,2 milhões de pessoas passaram à fome. Apesar da progressiva deterioração experimentada durante os últimos oito anos, a porcentagem de pessoas desnutridas ainda está muito abaixo dos 21% do triênio 1998-2000. À época, a população subalimentada era de 4,9 milhões de pessoas, de uma população total estimada em 23,7 milhões.
É incontestável que os níveis atuais de desnutrição são menores, em termos relativos e absolutos, do que os registrados no triênio 1998-2000, período em que ocorre a transição para a democracia bolivariana.
Os atuais níveis de desnutrição são, sem a menor dúvida, escandalosos, e sobretudo dolorosos, pelo significativo retrocesso que implicam: entre 1998 e 2008, o índice de pessoas subalimentadas diminuiu a longos passos, com uma redução de 17,9%. Dificilmente algum outro país do mundo tenha experimentado semelhantes níveis de redução da desnutrição no mesmo período. A atual situação é escandalosa e dolorosa se tomarmos como padrão de referência o comportamento do indicador durante a revolução bolivariana.
Em 17 de dezembro de 2017, o jornal The New York Times publicou uma grande reportagem intitulada “A desnutrição que mata na Venezuela“, elaborada por Meridith Kohut e Isayen Herrera. No artigo, composto por 4898 palavras, o termo “desnutrição” aparece 22 vezes. De fato, usa como referência o mesmo informe da FAO que citei no início, e que inclui as informações mais recentes sobre a subalimentação na América Latina e no Caribe: “Um informe recente das Nações Unidas e da Organização Panamericana de Saúde revelou que 1,3 milhões de pessoas que antes podiam se alimentar na Venezuela não têm podido encontrar a comida necessária desde que se iniciou a crise, há quase três anos”. Não obstante, as jornalistas evitam qualquer referência ao comportamento histórico do indicador, o que impede ao leitor ter uma ideia clara da gravidade da situação.
Entre 2007 e 2009, quando o índice de prevalência da desnutrição diminuiu a 4%, e no triênio 2011-2013, quando o mesmo índice foi de 4,7%, a Venezuela se destacou no grupo de países com níveis de desnutrição muito baixos, que é onde estão todos os países com prevalência de subalimentação menor de 5% da população. Atualmente a Venezuela se encontra entre os países com prevalência de desnutrição moderadamente baixa (entre 5% e 14,9%). Há ainda os países com prevalência de subalimentação moderadamente alta (entre 15% e 24,9%), que é o grupo onde se encontrava a Venezuela em 1998. E há ainda os países com alta prevalência de desnutrição (entre 25% e 34,9%) e muito alta (35% ou mais). A reportagem do The New York Times não só menciona a palavra “fome” em dez oportunidades, como também sugere a ideia de que a Venezuela se encontra em uma “crise humanitária”.
São essas as palavras que iniciam a reportagem do The New York Times: “A Venezuela tem as maiores reservas provadas de petróleo bruto no mundo, mas sua economia desabou nos últimos anos. A fome atormentou a nação e, agora, está matando crianças. O governo venezuelano sabe disso, mas não o reconhece.”
No entanto, ela não faz o menor esforço no sentido de oferecer pelo menos alguma pista sobre os motivos do “colapso”. Ele cita um médico do Hospital Infantil JM de los Ríos nos seguintes termos: “Em muitos países, a desnutrição nesses níveis seria ‘por motivos como uma guerra, uma seca, alguma catástrofe ou um terremoto “, disse a Dra. Ingrid. Soto de Sanabria “. Mas dez parágrafos mais tarde, ressalta a credibilidade do fato de que é, literalmente, uma guerra contra a sociedade venezuelana: “O presidente Nicolás Maduro reconheceu que algumas pessoas passam fome na Venezuela, mas recusou-se a receber ajuda internacional porque diz que a a crise é causada por uma ‘guerra econômica’ conduzida por empresários e forças estrangeiras como os Estados Unidos.”
As jornalistas do jornal estado-unidense assinalam que o governo não reconhece a gravidade da situação, e citam como exemplo a sua negação a publicar informações oficiais em relação à saúde. Mas se o governo, certamente, está obrigado a publicá-las, não é menos certo que a ética jornalística também obrigue. E a reportagem do The New York Times trata-se muito mais da informação que permanece oculta (aparentemente de maneira deliberada) do que a que efetivamente foi publicada. De fato, a reportagem se sustenta sobre uma falácia que é muito habitual nos meios antichavistas: a de que qualquer um que negue os fatos expostos prefere não reconhecer a realidade. Essa falácia se exime de qualquer responsabilidade – por exemplo a de prestar contas sobre as meias verdades (que abundam) ou mentiras (se for o caso) publicadas na reportagem.
De acordo com a FAO, além da Venezuela, outros dezessete países da América Latina e do Caribe se encontram no grupo que tem um índice de prevalência de desnutrição moderadamente baixa: Bahamas, Belize, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guiana, Honduras, Jamaica, Panamá, Paraguai, Perú, São Vicente e Granadinas e Suriname. Outros sete países apresentam uma situação ainda pior: Antígua e Barbuda, Bolívia, Granada, Guatemala, Haití, Nicarágua e Santa Lúcia. O The New York Times dedicará uma grande reportagem à situação de fome e desnutrição de qualquer um de estes vinte e quatro países do continente? Publicará reportagens sobre a “crise humanitária” na Colômbia, Costa Rica, Panamá, Paraguai, Perú ou Guatemala? É claro que não. O que explica isto é algo que nos lembrou o mesmo jornal estado-unidense: “A Venezuela tem as maiores reservas comprovadas de petróleo bruto do mundo”.
Milhões de pessoas passam fome hoje na Venezuela. Entre elas, milhões que haviam deixado de passar fome na revolução bolivariana. Fome de nosso sangue. Fome que nos dói, que nos inspira tanta raiva. Mas escrever sobre a fome também pode ser uma forma de esconder a gula, de ocultá-la convenientemente. A gula destes seres de aparência vigorosa, mas que nos olham com olhos que parecem “anéis desprovidos de gemas[1].” Gula imperial. A gula da Exxon-Mobil. A gula daqueles que querem nosso petróleo e mais, porque nunca é suficiente, e a de quem pouco ou nada importa a morte de nossos filhos. Há um jornalismo que mata, aqui e em outros lugares.
Quantas pessoas passam fome nos Estados Unidos? Não o sabemos. Diz a FAO: “Não existem dados disponíveis.”
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[1] – “A Divina Comédia” de Dante Alighieri. Canto XXIII, Purgatório.