Um dos aspectos importantes da austeridade introduzida no Reino Unido a partir de 2010, em um momento em que a economia não apresentava sinais significativos de recuperação, era de se tratava de uma medida popular. De fato, muitas pessoas pareciam culpar o então governo trabalhista pela necessidade de uma austeridade tal qual o atual governo de coalizão britânico está implementando, tendo em vista que o déficit público aumentou enquanto o Partido Trabalhista estava no poder.
Se reconhecermos, como deveríamos, que a austeridade era a política errada a seguir, e que ela tinha efeitos prejudiciais a todos (uma perda média de cerca de £10 mil por família, segundo minha estimativa mais recente[1]), por que essa política era popular? Muitas pessoas afirmariam que o argumento macroeconômico para o estímulo fiscal era complexo, enquanto analogias simples entre governos e famílias eram mais fáceis de entender. Contudo, também argumentei que a mídia desempenhou um papel significativo ao focar no segundo argumento e, em grande medida, ignorar o primeiro.
Essa é a questão abordada em um novo artigo[2] de Lucy Barnes e Timothy Hicks no American Journal of Political Science (segue no rodapé uma versão ligeiramente anterior para aqueles que não podem acessá-lo[3]). Eles medem o comportamento midiático em relação à austeridade em uma escala simples e, em seguida, relacionam esse engajamento a seu apoio partidário e aos leitores de jornais como um todo.
As barras mais baixas mostram que, entre as pessoas sem filiação partidária, as reações à austeridade eram muito diferentes para os leitores do The Guardian em comparação com, digamos, os leitores do Telegraph. Em outras palavras, um eleitor do LibDem que lesse o Telegraph seria mais arrivista contra o déficit do que aquele que lesse o Times.
Há duas explicações para essa descoberta. A primeira tese é que o modo como o jornal estava relatando problemas em torno do déficit influenciou os leitores. O artigo verifica que The Guardian e Telegraph reportou essas questões de maneiras muito diferentes. A segunda explicação é que os leitores escolheriam seus jornais com base em suas posições em relação ao déficit. Essa parece improvável (lembre-se que esses efeitos estão acima de filiações partidárias e vão além dela), já que a austeridade era uma temática relativamente nova.
No entanto, os autores tentaram um experimento que demonstrava aos diferentes grupos um breve texto sobre o déficit, que diferia em apenas um parágrafo. Um grupo de controle não viu o parágrafo, o grupo do The Guardian viu um texto sugerindo que a austeridade poderia não ser necessária, e o grupo do Telegraph viu o texto sugerindo que era necessária. Imediatamente após a leitura do texto, cada grupo foi questionado sobre suas opiniões sobre a importância de reduzir o déficit.
O grupo The Guardian (aqueles que haviam lido o texto desse jornal) realmente acreditavam que a austeridade era menos urgente do que o grupo de controle. Porém, aqueles que leram o artigo do Telegraph, que traçava paralelos com a Grécia, não eram mais pró-austeridade do que o grupo de controle. O artigo observa que “um discurso geralmente anti-déficit e pró-austeridade resultaria em pouca diferença entre o grupo de controle e o grupo do Telegraph, como de fato encontramos”. Em outras palavras, o discurso difundido da mídia era pró-austeridade, e ler um texto pró-austeridade não surtia diferença no posicionamento das pessoas. Estar exposto às ideias keynesianas, em contraste, as influenciou.
Portanto, essa pesquisa sugere duas coisas. Primeiro, a maneira como a mídia apresenta questões como o tema da austeridade, pois influencia o comportamento do público. Em segundo lugar, sugere que o clima geral da mídia no Reino Unido era pró-austeridade, e expor as pessoas a argumentos keynesianos torna possível mudar suas posições.
A atmosfera midiática geral vai além dos jornais e inclui emissoras como a BBC, o que sugere que os radiodifusores estavam dando voz a uma agenda de austeridade e deliberadamente excluindo uma perspectiva keynesiana. O que poderia ser desculpável se a economia keynesiana e as consequentes visões anti-austeridade tivessem sido uma preocupação marginal, mas na realidade elas consistem na perspectiva da maioria dos economistas acadêmicos[4]. Parece que os radiodifusores se cansaram de especialistas muito antes do Brexit.
Fontes:
[1] – https://mainlymacro.blogspot.com.br/2018/03/the-economic-and-political-cost-of-uk.html [2] – https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ajps.12346?af=R [3] – https://osf.io/preprints/socarxiv/ypuq8/ [4] – https://mainlymacro.blogspot.com.br/2015/06/the-academic-consensus-on-impact-of.html