O tempo não é tudo, mas na política é importante, e o indiciamento de 12 agentes da inteligência russa – por supostamente estarem por trás do suposto ataque hacker ao Comitê Nacional Democrata em 2016 em um suposto esforço para manipular a eleição em favor de Donald Trump contra Hillary Clinton, enunciado pelo superintendente da investigação, Mueller “Russiagate”, e pelo procurador-geral adjunto dos EUA, Rod Jay Rosenstein, pouco antes do encontro do presidente Trump com o presidente russo Vladimir Putin na Finlândia – tem cheiro de política.
Também é bastante fraca a evidência anunciada de “hackeamento”, apesar das ofegantes reportagens da grande mídia de que a acusação cita “provas concretas” de tais ataques.
Na verdade, o fato de que pouco ou nada sobre as evidências tenha sido liberado – supostamente o uso de um servidor na Malásia, por exemplo – não prova coisa alguma, considerando o lançamento do Vault 7 das ferramentas de hackeamento desenvolvidas pela CIA e apresentadas no ano passado, como um software que permite que suas equipes de hackers disfarcem de qualquer coisa, desde um solitário computador no porão de Chicago até uma equipe de hackers da GPU russa em Moscou. É tudo muito sem sentido – especialmente porque até agora o FBI nunca exigiu nem mesmo ver, muito menos confiscar, os servidores do DNC (Comitê Nacional Democrata), o que poderia fornecer provas reais de que eles foram, de fato, hackeados.
A organização Veteran Intelligence Professionals (VIP), cujos membros incluem ex-especialistas da NSA como William Binney que ajudaram a projetar os sistemas de escuta da agência, declararam que sua própria investigação, que analisou as velocidades de download do hack do DNC, mostrou que isso não poderia ser feito por meio de um cabo de Internet remoto, mas somente por um trabalho interno, fazendo o download dos dados para um pen drive ou disco rígido portátil.
Portanto, não avançamos no chamado escândalo hacker do Russiagate, mas o indiciamento de uma dúzia de pessoas que nunca poderão ser interrogadas e levadas a julgamento porque estão sob segurança da Rússia tem um efeito: prejudicar qualquer chance de o presidente Trump chegar a algum acordo com seu colega russo Putin para reduzir a crescente hostilidade entre os dois países, como Trump afirmou repetidamente que ele gostaria de fazer durante a campanha de 2016.
Diga o que quiser sobre Trump e suas tendências fascistas, como, por exemplo, sua política monstruosa de prender imigrantes clandestinos nos Estados Unidos, com reivindicações legítimas de status de refugiado que devem ser devidamente julgadas, e, pior ainda, pegar seus filhos e separá-los – um processo que continua acontecendo mesmo após os tribunais ordenarem o retorno de, pelo menos, as crianças menores de cinco anos para seus pais ansiosos – ou a ameaça de invadir a Venezuela. Só pode ser algo bom aliviar as tensões entre as duas nações do planeta que têm capacidade de destruí-lo e torná-lo uma ruína fumegante, incapaz de sustentar a vida, graças aos seus estoques de milhares de armas nucleares.
Ainda assim, parece claro que forças do que tem sido chamado de “Deep State” ou “Governo Permanente” americano estejam empenhadas em preservar esse estado de nervosismo entre os EUA e a Rússia porque, sem dúvida, mantém torneiras financeiras abertas para a indústria de armas, o Pentágono, as agências de inteligência e os políticos de ambos os partidos que se alimentam dos fundos de campanha (subornos) oferecidos pelas indústrias que se beneficiam da Guerra Fria e uma miríade de pequenas e quentes.
Enquanto isso, temos o establishment do Partido Democrata exigindo agora, em outro esforço para sabotar a détente EUA-Rússia, que Trump insista, em qualquer reunião com Putin, com a promessa de que Rússia vai “cessar a interferência” nas eleições e na política americanas.
Essa demanda seria claramente ridicularizada por Putin, que sabe que os EUA desempenharam um papel fundamental gastando, como a secretária Clinton afirmou, um valor bem acima de US$ 1 bilhão ao assegurar a subversão do governo eleito da Ucrânia e apoiar, se não ajudar a orquestrar, o golpe que o derrubou em 2013. Ele também sabe que foi o financiamento norte-americano da campanha de Boris Yeltsin para um segundo mandato de sucesso como presidente da Rússia que o salvou de ser derrotado por um candidato da coalizão do Partido Comunista. É claro que ele também sabe o que a maioria dos americanos não acredita: que os EUA têm sido o maior transgressor do mundo quando se trata de minar os governos eleitos e sufocar eleições honestas para alcançar os resultados que lhe interessa. Exemplos? A derrubada do governo eleito do Irã em 1953 e a instalação da ditadura do Xá, a derrubada do governo eleito do presidente socialista Salvador Allende no Chile em 1973, o cancelamento de uma eleição marcada pela ONU no Vietnã em 1956 para impedir a eleição nacional de Ho Chi Minh, o apoio de uma série de ditadores na Coréia do Sul, o apoio a um golpe de curta duração que incluiu o sequestro do presidente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, o apoio e talvez o encorajamento de um golpe militar derrubou um presidente eleito em Honduras, o sequestro e exílio na África do Sul do presidente eleito do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, etc. ad nauseum.
Tudo isso demonstra que a própria democracia americana está se tornando uma piada e não apenas por causa da direção autocrática do presidente Trump. Seus adversários democratas e do “Estado profundo” também estão recorrendo a meios não-democráticos para impulsionar sua própria agenda pró-imperial e pró-guerra antidemocrática.
Um verdadeiro movimento democrático para se opor a Trump exigiria que o Partido Democrata, ou qualquer outro partido de oposição, estabelecessem uma plataforma verdadeiramente progressista que abordasse as questões cada vez mais terríveis enfrentadas pelo povo americano e pelo mundo: acesso universal a cuidados de saúde, aposentadoria segura. igualdade de acesso educacional para todas as pessoas, incluindo educação universitária gratuita, o fim da economia de guerra e o corte do orçamento militar para uma fração do seu atual trilhão de dólares, o fim do policiamento militarizado e a espionagem em massa dos cidadãos o país, a proteção do meio ambiente e uma mobilização em larga escala para atacar as mudanças climáticas apocalípticas.
Por enquanto, até mesmo os inimigos de Trump, como eu, precisam apoiar a busca, na próxima cúpula, do fim da Guerra Fria 2.0. Se Nikita Khrushchev e John Kennedy puderam concordar com o fim dos testes atmosféricos e concordaram em remover mísseis nucleares de curto alcance apontados uns para os outros de Cuba e Turquia, Trump e Putin deveriam ser capazes de serem encorajados a chegar a um acordo forças nas fronteiras uns dos outros.
Oh, espere! A Rússia não tem forças ameaçadoras estacionadas ao longo de nossas fronteiras. São apenas os EUA que, desde a presidência de Obama, vêm fazendo isso para a Rússia.
De qualquer forma, vamos, pelo menos, chamar o que os democratas fizeram na véspera da cúpula com Putin pelo nome: sabotagem.
Quanto a “defender” nosso sistema eleitoral, o problema não é a subversão russa. Estamos matando a própria democracia, permitindo a corrupção maciça na forma de financiamento corporativo de candidatos, pelo esforço contínuo para impedir que cidadãos pobres e não-brancos votem, e pelo impulso totalmente inútil de usar máquinas de votação eletrônicas para registrar e contabilizar os votos, em vez de ficar apenas com as cédulas de papel, como é feito em países como o Reino Unido e Taiwan com grande sucesso.
Claro que as cédulas de papel levam mais tempo para contar e nos fornecem os resultados das eleições, mas são muito mais difíceis de corromper ou “hackear”, e o que importa (exceto para as empresas de notícias famintas por valores) não é velocidade, mas a precisão.