Há exatos 25 anos atrás, com a mediação dos Estados Unidos liderado pelo governo Clinton, palestinos e israelenses apertaram as mãos e se tornaram signatários do então “urgente e basilar” Acordo de Oslo. O acordo foi desenhado em negociações secretas durante 6 meses, na Noruega, e surpreendeu o Mundo. Infelizmente hoje não temos nada a comemorar.
Aquela segunda-feira, 13 de setembro de 1993, havia sido uma data promissora. No amplo jardim da Casa Branca em Washington, lado a lado, um otimista e cauteloso líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, e um cético e apreensivo premier israelense, Yitzhak Rabin – que praticamente foi forçado por Clinton a estender a mão ao líder palestino – chegaram muito perto de selar o pacto que prometia mudar para sempre o cenário geopolítico da região, com o fim dos conflitos entre os dois povos.
Pelo aceno de paz entre judeus e palestinos, o premier Rabin e o líder Arafat foram laureados com o Nobel da Paz em 1994. O Acordo ou os “Acordos de Oslo”– foi uma série de tratados e protocolos selados entre o governo de Israel e a OLP (Organização para Libertação da Palestina) entre 1993/1999 – que teoricamente culminariam com o final das contendas entre os dois povos.
No entanto, o acordo teve recepção cética em uma parte considerável do mundo árabe (com a Síria de Assad em destaque) e nunca foi visto com bons olhos por grupos da esquerda palestina, como a Frente Popular para Libertação da Palestina (FPLP) e a Frente Democrática para Libertação da Palestina (FDLP), assim como grupos islamistas, o Hamas e a Jihad Islâmica; estes faziam oposição e lançavam frequentes acusações de que os acordos haviam sido impostos de forma anti-democrática à OLP, sem as adequadas contrapartidas, com concessões inaceitáveis aos sionistas.
Em uma recente pesquisa, realizada pela organização não governamental Jerusalem Media Communication Center, no final de julho, aproximadamente 62% dos palestinos são contrários aos Acordos de Oslo, até 2013 esse número era 48%; e 46% creem que os acordos de Oslo ferem os interesses legítimos do povo palestino.
A esmagadora maioria, representada em 80%, acredita que o chamado “Acordo do Século”, anunciado em 6 de dezembro do ano passado pelo presidente Trump, não trará absolutamente beneficio algum aos palestinos.
Esses números só vem a confirmar o quão difícil é hoje uma solução, ainda que temporária, do longo conflito israelense-palestino.
A decadência moral do ideário de “boas intenções” de Oslo se evidencia mais nos dias de hoje, após as recentes e infames decisões unilaterais, como a criação, em julho desse ano, da absurda “Lei Básica”, que não reconhece a autodeterminação de nenhum outro povo da região além dos judeus e judias – é a verossimilhança profetizada pelo ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, do apartheid sul-africano, agora replicado, na Terra Santa.
Houve além disso a decisão da administração Trump em reconhecer, em 6 de dezembro de 2017, Jerusalém como capital de Israel – inclusive com a transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para a cidade, gerando intencionalmente uma série de protestos em Gaza, que sofreram uma duríssima represália israelense, ferindo 2.400 pessoas e matando pelo menos 52.
São iniciativas imorais e incendiárias como essas que retroalimentam o interminável ciclo de violência na região.
Do fio de esperança ao “programado” declínio, o passo a passo de “Olso”
Em 13 setembro de 1993, a chamada “Declaração de Princípios sobre Arranjos para o Autogoverno Interino” – Oslo I, é formalizada entre os signatários no intuito de se criarem ferramentas que gerassem vínculos de confiança entre as partes. Longe de ser um acordo oficializado, a Declaração foi mero esboço do desejo compartilhado em dar fim ao conflito.
Em 4 de maio de 1994, OLP e Israel reiteram e assinam na cidade do Cairo, no Egito, o Oslo I, como havia sido estabelecido em Washington, um ano antes.
Dois anos depois, em 28 de setembro de 1995, após uma série de incidentes e tensões entre israelenses e palestinos, que suspenderam as negociações e acordos firmados, e “abaixo do mau tampo”, Oslo II, ou Acordo Interino Israelense-Palestino sobre a Cisjordânia e Faixa de Gaza, foi assinado em Washington. Um passo importante para finalmente colocar em prática a chamada “Declaração de Princípios” e estabelecer a Autoridade Palestina.
A partir daí as pressões internas sobre o primeiro-ministro Rabin se intensificaram, foi duramente acusado – principalmente pela direita israelense – de colocar em risco a vida de judeus e ceder territórios ocupados aos palestinos.
Poucos dias depois da assinatura de Oslo II em Washington, o banho de água fria, que praticamente definhou e enterrou o Acordo, chega sorrateiramente e coincidentemente de forma trágica, com o assassinato de Rabin, após um comício, em Tel Aviv, no dia 4 de novembro de 1995. O primeiro-ministro foi assassinado por Ygal Amir, um estudante judeu ortodoxo, radical, da extrema-direita.
A “pá de cal” veio cinco anos depois, com o suscitar da Segunda Intifada em setembro de 2000, após o fatídico e mau engendrado acordo de Camp David.
O levante palestino em quatro anos custou a vida de 3.189 palestinos, mortos pelo exército israelense, contra 649 israelenses mortos por palestinos, segundo dados do B`Tselem, um grupo humanitário israelense. Essa desproporção numérica revela também uma desproporção militar e, acima de tudo, moral.
Após o assassinato de Ytzhak Rabin, assume o cargo, interinamente, até meados de 96, o seu então Minstro dos Negócios Estrangeiros, Shimon Perez (outro contemplado com o Nobel da Paz em 1994).
Oslo sofreria um duríssimo nocaute institucional quando o desagregador e sionista Benjamin Netanyahu vence Shimon nas eleições de 1996, se tornando primeiro-ministro. Inicia-se então um processo de “destroçamento” total do pacto. Naquele momento Netanyahu representava a ascensão da direita mais extrema da política institucional israelense.
De fato o Acordo nunca foi executado devida e amplamente. O que evidencia que Israel nunca teve a real intenção de por em prática as suas diretrizes, que em última instância poderiam significar a construção de bases sólidas para – quem sabe – futuramente a criação de um, até então inviável (aos olhos israelenses) Estado Palestino.
Havia um prazo de cinco anos para finalizarem as negociações que tratariam das questões mais importantes do acordo, que nunca foram levados a cabo pelos israelenses.
O controle da retirada gradual do exército Israelense das zonas ocupadas, que ficaria a cargo da Autoridade Palestina, sempre foi protelado de forma vergonhosa por Israel e nunca se concluiu – muito pelo contrário, avançou, e novos “assentamentos” foram criados na Cisjordânia, aumentando ainda mais as tensões e exaltando os ânimos políticos.
Paralelamente, houve a construção de uma infraestrutura de túneis, viadutos e pontes de utilização exclusiva aos israelenses, segregando os palestinos dentro do seu território, além de “ilhar” Gaza. As tratativas do acordo que tangiam a libertação de prisioneiros palestinos nunca se concretizou. Tão pouco a questão sobre o status da cidade de Jerusalém foi analisada.
Tirar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do exílio, trazer Arafat para casa depois de 27 anos – estabelecendo assim a Autoridade Palestina -, e dar uma dose ínfima, ainda que breve, de “soberania” aos palestinos, foram grandes efeitos imediatos de Oslo.
Foram quase vinte anos, entre 1993 e 2012, de uma série de tentativas de remendos, acordos e negociações adicionais, infrutíferas, como Camp David, Taba, Iniciativa de Paz Árabe, Mapa da Paz, Acordo de Genebra, Annapolis, e por aí vai. Os últimos seis anos foram marcados pela escalada de violentos e constantes confrontos entre Israel e o Hamas.
O cruel e desumano estrangulamento israelense, contra o povo palestino, fica evidente pela intensificação e elaboração de seus ataques orquestrados, uma mini “Solução Final Israelense”, como bem definiu o jornalista especializado em geopolítica Pepe Escobar, referindo-se as operações Chumbo Fundido, entre 2008-2009, e Margem Protetora de 2014. Para Escobar, “uma tentativa de expulsar os palestinos de Gaza tornando-os ‘refugiados’ em sua própria casa”, “em busca da ‘terra econômica prometida israelense'”.
Um dos principais objetivos de Israel é a destruição total do Hamas, a ponta de lança da defesa palestina que hoje controla Gaza. A destruição do Hamas, na concepção estratégica israelense, deve ser feita através de violentas políticas militares punitivas onde Israel tem superioridade, e que, no entanto, não vêm dando resultados diante do estoicismo do grupo.
O intuito israelense seria avançar direto ao âmago da sua cobiça, acesso irrestrito e definitivo ao “eldorado” palestino, nas águas da costa de Gaza, onde se encontra uma jazida multibilionária de gás natural, além outras fontes de petróleo e gás, em terra, entre a Cisjordânia e Gaza.
As “inconvenientes” insurgências palestinas, em defesa de seus direitos pilhados e mediante a “provocações”, sempre adjetivadas como “terrorismo” pelos israelenses e seus aliados se tornam sempre “o melhor argumento” para a prática de todo tipo de retaliação hedionda por parte de Israel.
O terror das violações do fundamentalismo sionista – esse que sempre se torna justificável por traumas históricos que já deveriam ter sido superados – desrespeitam e passam por cima de qualquer tipo de convenção humanitária para alcançar seus objetivos.
“Quando um não quer dois não chegam a lugar nenhum”, principalmente quando um deles é uma força militar poderosa, belicosa e unilateral, apoiada pela maior potência do mundo.
É a estratégia privar através da intimidação, repressão e violência os palestinos de seus direitos fundamentais.
O reconhecimento de um Estado Palestino livre urge. Cada dia que se resiste a essa ideia é um dia infame. A questão palestina é uma luta de todos, é o cerne e o modelo de outros processos dominantes cruéis, replicados pelo planeta em diferentes escalas.
Caberia ao governo israelense demonstrar real benevolência e solicitude, que até agora lhe faltaram, na busca de uma solução cabal para o conflito. Afinal se apropriaram de algo que não lhes pertencia. Colocar de lado o rancor de mais de 70 anos é o primeiro grande passo; tirar de cena seus “garotos de recado”; abster-se de seus interesses “substanciais”, e talvez o mais difícil nessa equação; assumir responsabilidades morais que lhe cabem.
Para isso é necessário, antes de mais nada, lançar um olhar humanizado, empático e solidário sobre a tragédia palestina e reconhecer a legitimidade de um Estado Palestino como primeiro passo no sentido de uma solução.
O Acordo de Oslo fica para trás como uma entidade atormentada por seus próprios “monstros”, alguns enterrados em uma passado distante, outros vivos no presente. O seu legado, ao contrário do que se pensava a 25 anos atrás, não conduziu o povo palestino a sua merecida bem-aventurança, mas marcou o princípio da decadência moral do ganancioso Estado de Israel e seus sectários.