“Um pouco cansados, tínhamos que dormir nas piores condições, nas ladeiras da montanha, sem saco de dormir ou coisa parecida, e, justamente naquela noite, encontramos uma pequena cabana, de quatro metros de comprimento por três de largura. […] Para proteger-nos da neblina, da umidade e do frio, decidimos ficar ali até o amanhecer. De manhã, antes de despertarmos, uma patrulha de soldados entra na cabana e nos acorda com os fuzis sobre o peito. […] Do jeito que aqueles indivíduos andavam sedentos de sangue, teriam nos assassinado de cara. Porém, ocorreu uma incrível casualidade: havia um tenente negro, chamado Sarría, que não era assassino e tinha certa autoridade. Os soldados estavam excitados, nos amarraram, apontaram os fuzis contra nós e queriam matar-nos. […] Diziam que éramos assassinos, que queríamos matar soldados […] A gente já se dava por morto; eu não imaginava a mais remota possibilidade de sobreviver. Durante a discussão com os soldados, o tenente interveio e disse: ‘Não disparem, não disparem’. Impôs-se aos soldados, enquanto repetia em voz baixa: ‘Não disparem, as ideias não se matam’. Três vezes aquele homem repetiu: ‘As ideias não se matam’. […] Impressionara-me a atitude daquele tenente e, após caminharmos um pouco, chamei-o e disse: ‘Vi como o senhor procedeu e não quero enganá-lo, eu sou Fidel Castro.’ Ele me adverte: ‘Não diga nada a ninguém’. […] Mais adiante surgiu um comandante, que se chamava Pérez Chaumont, um dos principais assassinos e responsável pela morte de muita gente. Ordenou que nos levassem ao quartel. O tenente discutiu com ele e não obedeceu. Levou-nos à Casa de Detenção de Santiago de Cuba, onde ficamos à disposição da justiça civil. Se tivéssemos chegado ao quartel, teriam feito picadinho de todos nós.”
Este relato de Fidel Castro para Frei Betto, que consta no livro “Fidel e a Religião”, se refere aos dias que sucederam o Assalto ao Quartel Moncada, em 1953 – a primeira tentativa de Fidel em lançar um movimento para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista. Foi preso, se exilou e, seis anos mais tarde, desembarcou em Cuba e retornou à serra na qual quase havia sido morto anteriormente. Lá formou a base da revolução que, em dois anos, triunfou.
Nos 57 anos que separaram 1959, ano do triunfo da revolução, de 2016, ano da morte de seu líder, foram muitas as tentativas de acabar violentamente com a revolução e com Fidel. A primeira tentativa data de 1961: mirando a Revolução, os norte-americanos treinam um grupo de paramilitares exilados anticastristas, que desembarcam na Praia Girón (ou Baía dos Porcos) em 15 de abril. Em Ciudad Libertad ocorrem combates intensos, e um miliciano cubano, ao ser atingido por um disparo dos invasores, luta contra a morte para pintar em uma parede, à mão e com o próprio sangue, o nome de Fidel.
Frustrada, a invasão se converte em centenas planos para assassinar Fidel Castro. Em “638 ways to kill Castro“, Dollan Cannell documenta as centenas de tentativas de findar a vida do Comandante. Moluscos explosivos, charutos envenenados, canetas com LSD em forma de gás foram alguns dos devaneios da CIA, de exilados cubanos e mafiosos para matar o líder da Revolução Cubana.
São estes os que, em 25 de novembro de 2016, comemoraram com vigor nas ruas de Miami, nas mesas do serviço secreto estadounidense e nas coberturas do mundo. É o que resta aos vencidos que tentaram, com tanto afinco, matar Fidel – mas que, envergonhados, engolem com a garganta seca o fato do Comandante ter sido levado por aquilo que regeu e dominou: o tempo. O sangue do miliciano, traçado “Fidel” em um muro de Ciudad Libertad, segue pulsante.
As ideias não se matam. As ideias não se matam. As ideias não se matam.