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Algo mudou no Brasil, nada mudou no PT

O PT foi derrotado: mudou seu candidato, sinalizou com liberalismo e até de sua identidade abriu mão. Este saldo não merece nenhum tipo autocrítica?
por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Partido dos Trabalhadores)

O Partido dos Trabalhadores lançou no último sábado (1) sua resolução política sobre balanço eleitoral deste ano. O documento de oito páginas, assinado pelo Diretório Nacional do partido, deixa claro que, se em janeiro, com a condenação de Lula pelo TRF-4, nada mudou no Brasil e pouco mudou no PT, agora ocorre o inverso: o processo eleitoral efetivamente mudou algo no Brasil – para pior -, mas nada parece ter mudado no PT.

A Folha de São Paulo informa que o Diretório Nacional excluiu do documento autocríticas que haviam sido levantadas no processo de construção da resolução. Nos trechos excluídos constavam críticas à política econômica adotada no governo de Dilma Rousseff e apontamentos de erros da candidatura Fernando Haddad durante as eleições de 2018. “Não tem autocrítica no texto. O PT faz autocrítica na prática. O PT fez financiamento público de campanha, o PT está reorganizando as bases, o PT está com movimento social. Nós não faremos autocrítica para a mídia e não faremos autocrítica para a direita do país”, disse a presidente do partido, Gleisi Hoffmann.

Quanto às críticas excluídas da versão final, o texto reconhece apenas que “as políticas sociais, de desenvolvimento, distribuição de renda e participação social realizadas durante os nossos governos não bastaram para que mantivéssemos a conexão política com as maiorias sociais e pudéssemos efetivar a disputa cultural de ideias e valores”, por outro lado enaltecendo a figura de Haddad frente à candidatura do partido: “Fernando Haddad se projeta como uma nova liderança nacional do Partido. Defendeu o legado do PT, ao mesmo tempo em que simbolizou aspectos de renovação política e social de que o PT é capaz […]”

Para o Diretório Nacional do PT, além do mais, “O processo eleitoral demonstrou ter sido correto tanto política, quanto eleitoralmente, lutar até o limite pela manutenção da candidatura de Lula.” O documento estabelece três eixos fundamentais de atuação: 1- Defesa da Democracia e da liberdade de Lula; 2 – Defesa dos Direitos do povo brasileiro e do patrimônio nacional; 3 – Defesa do papel soberano do Brasil no mundo.

Se por um lado o documento reconhece ainda que “hoje o Estado brasileiro tem uma capacidade de monitoramento e repressão que daria inveja à ditadura civil e militar de 1964-1985”, que “não estamos num momento ‘normal’ pós-eleições. O pacto constitucional que foi quebrado com a derrubada de Dilma, a prisão e o impedimento da candidatura de Lula não será restabelecido, e podemos afirmar que o ataque à democracia encerrou o respeito aos direitos civis e políticos mínimos”, que “o objetivo será a destruição e criminalização do PT, da esquerda e dos movimentos sociais, num ritmo mais acelerado do que antes das eleições”, que “houve uma vitória da extrema direita, com corte fascista, que pela primeira vez em muito tempo, talvez desde o Integralismo na década de 1930, se expressa de forma nítida sobre suas bandeiras autoritárias,” que “eles ganharam a eleição manipulando parte do sistema judicial e agora se sentem seguros em radicalizá-lo”, que a estrutura política montada na campanha de Bolsonaro não foi nem será desmontada” e por fim que “o jogo da disputa geopolítica internacional resultou num esforço de desestabilização institucional de nosso país, pelo fato de estarmos construindo uma nova arquitetura internacional pelos BRICS, inaceitável para os EUA, tanto é que este ajudou e financiou as diferentes fases do golpe até aqui”, por outro não dá indicação de uma grande mudança nas práticas do partido para enfrentar este novo momento. No melhor dos casos, promete “fortalecer a campanha Lula Livre”, “fazer oposição nos espaços institucionais, mas principalmente nas ruas”, “orientar nossas bancadas a aumentarem a sintonia com os movimentos sociais”, no pior dos casos o documento diz que “o PT exige da Justiça ampla investigação […] para que os responsáveis sejam punidos na forma da lei”, apesar de reconhecer em outro momento que “não temos mais como acreditar na imparcialidade e na justeza do funcionamento das instituições brasileiras.”

Em janeiro escrevi: “Em resumo; o Partido dos Trabalhadores compreendeu subitamente o que deveria ter compreendido dois anos atrás, e segue agora adaptando a realidade aos seus desejos. Pode enfim dar resposta certa à pergunta ‘o que aconteceu nos últimos dois anos?’, mas erra quando se trata da questão ‘o que fazer para reverter o processo?’ [..] O PT planeja embarcar em um jogo em que já foi derrotado, mesmo após ter tido a ilusão da vitória. Os que embarcarem juntos também perderão. Em caso de mais uma ilusão de vitória, enfrentariam, de novo, a imprensa, o Congresso, o Judiciário, o mercado financeiro e, agora e se necessário, o General Mourão. A derrota é certa.”

E foi de fato derrotado, num processo em que não teve capacidade de forçar ao inimigo nenhum recuo, ao passo que foi obrigado de recuar continuamente; primeiro tiveram de abandonar seu candidato, depois sinalizar com “liberalismo” para o mercado, para por fim até abandonar a identidade do partido na comunicação. Esta qualidade de saldo não merece nenhum tipo de autocrítica ou mudança estratégica?

A propósito, de que “autocrítica na prática” Hoffmann fala? Ela cita o financiamento público de campanha, por exemplo – mas é sabido que o financiamento público foi fruto da reforma aprovada pelo Congresso em 2017, sancionada por Temer. Não se tratou de uma iniciativa única do Partido dos Trabalhadores.

Cita também a “reorganização das bases”. Ora, como essas bases foram “reorganizadas” durante o imbróglio da candidatura Haddad? Em um momento, seu mote era “Eleição sem Lula é farsa”, na semana seguinte a orientação era votar em Fernando Haddad – movimento que transcorreu sem nenhum tipo de demonstração de força, quer fosse pelo “Lula ou Nada”, quer fosse pelo “Haddad Presidente.” A mobilização das bases efetivamente só ocorreu no final da campanha, e o abandono do imobilismo completo foi tão espantoso que muitos passaram a acreditar numa derrota de Bolsonaro pelo “vira-voto.”

Por fim, cita os movimentos sociais, sem apontar que durante o processo eleitoral perderam algumas de suas bases – setores da CUT, por exemplo, apoiaram Guilherme Boulos após a mudança da chapa de Lula para Haddad – e que, de qualquer maneira, o saldo político para os movimentos sociais ligados ao PT segue negativo, a despeito da “renovação política” e da “defesa do legado” por parte de Haddad: a CUT enfrenta sua maior crise desde sua criação, e o MST uma preocupante ofensiva reacionária.

Me corrijo, por fim. Algo mudou no PT desde que Lula foi condenado: agora nem sobre o passado recente é capaz de fazer um balanço acertado. Quem dirá traçar as linhas do futuro.

Adquira já “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”, de Pedro Marin

 

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