Em informe de 21 de dezembro com um breve balanço sobre o governo Trump [1], a agência de notícias do mercado financeiro Bloomberg parece ter descoberto algo que já é de notório conhecimento das escolas heterodoxas do pensamento econômico: o segredo por trás do recente crescimento da economia estadunidense sob Trump está na elevação substantiva do gasto público deficitário. A matéria, assinada pelo jornalista Ben Holland, assegura que a economia dos EUA está, de fato, se expandindo rapidamente estimulada por uma política fiscal expansiva.
Segundo a Bloomberg, a versão teórica de como as Trumponomics teriam dado certo seria assim: após herdar a recuperação econômica mais desigual da história recente dos EUA, em que a contribuição dos gastos das famílias (consumo privado mais investimento residencial, como mostra o gráfico abaixo) teve participação recorde, Donald Trump evocaria reforços em duas direções.
Primeiramente, o presidente endureceria as relações comerciais com as contrapartes dos EUA – países amigos ou inimigos –, reduzindo o peso do comércio e talvez, em alguns casos, até convertendo-o em uma balança favorável. Em segundo lugar, ele ressuscitaria o entusiasmo entre as empresas americanas, há muito adormecido, para investirem em solo estadunidense, por meio da redução da sua carga tributária, da mesma forma que taxava suas rivais estrangeiras.
Em ambos os casos, as táticas ainda não foram bem-sucedidas. Nem os estrangeiros nem o investimento empresarial vieram em socorro dos EUA. No último trimestre, o comércio diminuiu sua expansão ao maior nível em 30 anos. O mês de novembro de 2018 registrou a queda inesperada dos gastos corporativos com fábricas e equipamentos, demonstrando sinais de que a demanda americana está desacelerando em meio aos riscos da guerra comercial contra a China.[2] As encomendas não-militares de bens de capital, excluindo aeronaves – uma proxy para o investimento empresarial – caíram 0,6%, de acordo com os dados do Departamento de Comércio.
A matéria de Ben Holland ressalta que as políticas de Trump podem “gerar ganhos nessas áreas a longo prazo” e, apesar dos decepcionantes números mais recentes sobre o investimento das empresas, é cedo para julgar os efeitos da política fiscal de Trump. É o que afirma também Stephen Moore, conselheiro de Trump em 2016 e coautor do recente livro “Trumponomics – Dentro do primeiro plano da América para reviver nossa economia”. “Eu rejeito totalmente essa ideia de que a economia está em um ‘pico do açúcar’, os cortes de impostos estão apenas começando”, disse o economista, criticando as previsões de que o bom momento econômico pode ser sucedido por uma queda abrupta.[3]
Por outro lado, o setor fiscal está afrouxado. Sob Trump, os gastos do governo aumentaram drasticamente, enquanto os cortes de impostos reduziram a receita. O resultado é um déficit orçamentário quase sem precedentes durante um período de recuperação, conforme anunciado por outro informe da Bloomberg (ver gráfico abaixo), noticiando que a economia americana cresce junto com o déficit orçamentário.[4] As despesas saltaram 18% para US$ 411 bilhões no mês de novembro, e as receitas ficam em US$ 206 bilhões, segundo o relatório mensal do Departamento do Tesouro. Isso significa um déficit de US$ 205 bilhões, em comparação com os US$ 139 bilhões de 2017.
Explicações da Bloomberg: “Lembram-se de Reagan?”
A agência de notícias busca uma explicação entre sua própria equipe de economistas para entender as razões do crescimento americano sob Trump “mesmo com o déficit astronômico”. De acordo do economista Tim Mahedy, normalmente, o déficit fiscal aumenta em períodos de contrações da economia e diminui em expansões, descritas como contracíclicas: “Contudo, desde 2016, o déficit se tornou pró-cíclico, ampliando-se à medida que a economia continuou a se expandir”.
Entre as explicações para o fenômeno, ainda segundo Mahedy, estariam a Lei de Cortes de Imposto e Empregos, que levou à maior queda nas receitas corporativas fora das recessões desde o final dos anos 1960, e a Lei de Orçamento Bipartidário, que aumentou os gastos: “Essas duas legislações, sem dúvida, levantaram a atividade econômica em 2018 e poderiam fornecer alguns estímulos adicionais no ano que vem, embora a uma taxa decrescente”.
Outra observação é a lembrança da política econômica do governo Ronald Reagan, fazendo um paralelo com as diretrizes da administração Trump. O presidente republicano famoso por afirmar que “tiraria o governo do caminho dos americanos” acumulou grandes déficits no decorrer da década de 1980 e foi responsável pelo maior gasto governamental dos EUA desde o período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, reitera-se que as teses dos economistas ortodoxos – de que o gasto deficitário de Trump é desnecessário e pode causas problemas futuros – encontram um número crescente de dissidentes. O novo bloco de parlamentares mais progressistas do Partido Democrata, que está entrando no Congresso americano após as eleições de meio de mandato, não tem nenhum problema real com o tamanho dos déficits de Trump, ainda que almejem distribuir os lucros de maneira diferente, apoiando a universalização da saúde e do ensino superior e não gastos militares e cortes de impostos para os ricos.
Portanto, os novos democratas estão torcendo por uma briga com os líderes fiscalmente mais conservadores de seu próprio partido. De toda forma, os parlamentares progressistas e Donald Trump compartilham o pouco apetite por “apertar os cintos”.[5]
Trump, o “Rei da Dívida”
Por fim, a Bloomberg faz uma interessante “descoberta” da Teoria Moderna da Moeda (em inglês, Modern Money Theory ou MMT), escola de pensamento econômico que argumenta que os governos que emitem a própria moeda soberana não podem falir e, mais do que isso, podem utilizar sua moeda nacional para melhorar a vida dos cidadãos por meio do financiamento dos gastos governamentais com estímulo à economia e investimento nos serviços públicos.[6]
Os EUA são o exemplo mais emblemático desse processo, já que o Estado nacional americano pode emitir dólares para pagar seus credores, de modo que o único risco de uma elevada dívida governamental seria o aumento da inflação. É mais perigoso quando as famílias e as empresas fazem uma série de empréstimos, como fizeram nos anos anteriores à quebra da economia pela dívida privada em 2008. Desde então, a dívida pública americana aumentou, sem muitos danos imediatos ou óbvios, e agora há poucos sinais de um aumento nos preços ou bandeiras vermelhas nos mercados do Tesouro.
Donald Trump afirma que ele preside “a melhor economia de todos os tempos”, mas não fundamenta suas explicações sobre a alta econômica em déficits fiscais, dedicando mais tempo para explicar como ele impulsionará o comércio e os negócios. Mesmo assim, o presidente, que já se autodenominou de “Rei da Dívida”, conseguiu mostrar à conservadora Bloomberg que a economia estadunidense cresce como resultado da aplicação da heterodoxa Trumponomics, tal qual aconteceu há 30 anos atrás, com a heterodoxia econômica de Reagan.
Dito de outra forma, Trump evidenciou que a elevação continuada do “endividamento” público de um país com moeda nacional soberana, como é o caso dos EUA, está nas raízes da tal “ melhor economia de todos os tempos”. É um bom começo para seus analistas, costumeiramente intoxicados pelo falso “economicismo”, que, por arte da dominação social existente, é lecionado nas universidades.
Fontes:
[1] – https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-12-21/what-drives-growth-under-trumponomics-looks-like-debt-so-far [2] – https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-12-21/u-s-business-equipment-orders-show-third-drop-in-four-months [3] – https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2018-10-04/gdp-growth-gets-a-brief-boost-from-fear-of-trade-war [4] – https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-12-13/u-s-budget-deficit-hits-widest-on-record-for-month-of-november [5] – https://www.bloomberg.com/news/terminal/PJLE0L3HBS3K [6] – https://medium.com/@luizpaulolindenmaier/o-b%C3%A1sico-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-teoria-moderna-da-moeda-mmt-9b1ab6667072