Conceito até hoje surpreendentemente repetido por conglomerados de mídia, a “imparcialidade” da imprensa é um mito antigo que ainda povoa manuais de redação. No entanto, trata-se de um mito cada vez mais percebido coletivamente como tal. O caso brasileiro não seria diferente: ainda que o brasileiro médio, segundo pesquisa da agência Reuters de 2017, seja o segundo povo que mais confia na imprensa, o jornalismo hegemônico vive uma crise de credibilidade sem precedentes, ameaçado por fontes alternativas de informação, como as redes sociais.[1]
A crise de credibilidade do jornalismo brasileiro apresenta como sintoma não só a já badalada profusão de fake news – consequência de um jornalismo profissional escanteado para a desconfiança pública –, mas o próprio questionamento basilar sobre o que é a imprensa. Até onde vai o poder político real das empresas jornalísticas nas democracias liberais hoje? Como ele se manifesta em diferentes países? Desde a consolidação dos meios de comunicação de massa como espaço de poder discursivo em meados do século XX, é difícil conceber sociedades sem pensar na influência da mídia sobre a formulação de políticas de Estado. Por décadas, a comunicação midiática foi essencial em sua capacidade de aferir legitimidade ou não a determinadas políticas públicas perante a população.
Todavia, por mais que haja uma farta bibliografia sobre a mídia e seus impactos sobre os sistemas políticos em geral, ainda há poucos estudos tratando especificamente da comunicação sobre as políticas públicas.[2] Por isso mesmo, merece destaque uma das principais correntes de estudo que tratam justamente deste tópico de pesquisa: a deliberação mediada, ou “deliberatividade” da mídia. Essa corrente investiga o potencial da mídia em promover a aprendizagem social, concentrando-se no conteúdo e no teor de cada política pública – de diferentes governos – em debate na sociedade.[3]
Mas no que consiste, na prática, a ideia de deliberação mediada? O conceito remete a Habermas em sua noção de sistema deliberativo, na qual se destaca a importância dos meios de comunicação de massa para conectar “a comunicação política na esfera pública, tanto com a sociedade civil quanto com o centro do sistema político”.[4] Para o filósofo alemão, os meios de comunicação sempre tiveram papel decisivo na mediação das diferentes arenas discursivas, botando para circular os fluxos comunicativos e legitimando ou deslegitimando discursos. Portanto, no modelo deliberativo, a discussão pública é um mecanismo de produção e reconhecimento de decisões políticas.
Desde Habermas, o poder da mídia de massa vem sendo objeto de análise constante a partir desses pressupostos de sistema deliberativo. Vários autores enfatizam a necessidade de usar a esfera pública para aproximar os sistemas políticos vigentes de um ideal deliberativo, isto é, uma forma de governo que realmente enraizaria suas decisões em todo um processo de pensamento amplo e reflexivo, tendo como norte alcançar o bem comum por meio da argumentação.[5]
Entre esses estudos, merece destaque a pesquisa “Medindo a deliberação mediada em uma perspectiva comparativa: uma análise de jornais italianos, franceses e espanhóis”,[6] promovida pelos professores Gianfranco Pomatto e Antonella Seddone, do Departamento de Cultura, Política e Sociedade da Universidade de Turim. Os autores compararam a cobertura jornalística dos três principais sistemas nacional-jornalísticos da Europa continental – Itália, França e Espanha – para identificar os traços da imprensa de cada país e qual mais se aproxima do ideal de deliberação mediada.
Os autores coletaram 2.074 notícias de 15 jornais de circulação ampla – cinco de cada país – durante um período de um mês de monitoramento. A deliberação mediada presente nos jornais foi por avaliada pelo “Índice de Política de Jornais” (Figura 4), que leva em conta: (a) a inclusão do tratamento jornalístico; (b) o uso de argumentação ao longo dos textos; (c) a atenção dedicada a artigos sobre questões de políticas públicas.
Jornalismo deliberativo: pautando a opinião pública
A princípio, todos tipos de jornalismo podem ajudar a desenvolver a capacidade deliberativa de uma sociedade quanto às decisões políticas. O jornalismo deve construir significados para o mundo ao seu redor a partir da conversação sobre diversos temas. A abordagem deliberativa da cobertura midiática – ou resumidamente, jornalismo deliberativo – serve para “aperfeiçoar” a aprendizagem social. Assim, mesmo aquelas atividades que não envolvem diretamente a população, como negociações de gabinete, acabam sendo inevitavelmente influenciadas pelo próprio risco que a visibilidade midiática pode trazer.[7]
Nesse sentido, a título de exemplo prévio com base em outros estudos, Pomatto e Seddone comparam as coberturas midiáticas sobre o aquecimento global na Alemanha e nos Estados Unidos depois da conferência de Kyoto no Japão, em 1997, quando se iniciaram as discussões sobre o tratado internacional homônimo para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa. Foram comparados dois jornais americanos (The New York Times e o Wall Street Journal) e três jornais alemães (Berliner Morgenpost, Die Welt e Handelsblatt). Enquanto a cobertura alemã foi mais deliberativa, já que focava nos méritos das medidas sob discussão, a cobertura americana focava na briga entre atores políticos.
Além disso, há evidências de que a cobertura jornalística em geral é mais deliberativa em um sistema político de maior compartilhamento de poder político (Alemanha) do que em um país com maior concentração de poder (Estados Unidos), e que canais públicos, programas apartidários e programas de notícias aprofundam a cobertura. Por outro lado, quando o tema em questão foi o aborto legalizado, a cobertura dos jornais dos EUA resultava mais deliberativa. Os jornais alemães deram espaço apenas às vozes dos atores organizados tradicionais (partidos políticos, igrejas, público em geral e organizações privadas), enquanto os americanos aprofundaram a discussão, trazendo para o debate os argumentos e opiniões de grupos e associações de base.
Quanto às imprensas italiana, francesa e espanhola, a análise não focou uma única questão política, mas considerou a cobertura informativa como um todo. Esses estudos de caso foram selecionados por conta das características em comum dos três sistemas políticos e midiáticos: os três países caem no chamado modelo Pluralista Polarizado (ou Mediterrâneo).[8] O modelo Pluralista Polarizado, existente na França, Itália, Grécia, Portugal e Espanha (daí o nome “mediterrâneo”), tem como principais elementos de mídia os jornais de baixa circulação, orientados predominantemente para a elite política e a centralidade da mídia eletrônica (rádio e TV) no mercado de informação.
Nos países onde predomina o modelo Pluralista Polarizado, os jornais são frequentemente considerados mais frágeis do ponto de vista econômico e dependentes de subsídios e publicidade governamental. Outra característica é a prevalência de um jornalismo opinativo voltado para a defesa de interesses político-ideológicos e econômicos ou, em casos mais extremos, trabalhando abertamente a serviço de governos, partidos políticos, grupos corporativos ou empresariais.
O tipo de imprensa característico do modelo Pluralista Polarizado se relaciona fortemente ao histórico político-legal dos países em questão, marcados pela democratização recente (Espanha, Portugal e Grécia) e maior intervenção de governantes e partidos na condução da economia graças ao Welfare State (França e Itália). Em suma, os meios de comunicação são ligados a disputas faccionais em um contexto de desenvolvimento historicamente fraco dos meios comerciais, com um diferencial maior para o jornalismo francês. A França se encontra em um espaço fronteiriço, já que a mídia francesa tem um alto grau de envolvimento com o sistema político e o partidarismo confesso de seus profissionais de imprensa, mas também se beneficia de uma tradição mais consolidada de autonomia jornalística.
Matizes ideológicas na França, Itália e Espanha
Conforme já dito, a pesquisa incluiu 15 jornais, cinco para cada país, verificando seu impacto sobre debate público. Na Itália, incluiu-se um jornal de negócios voltado para o mundo financeiro (IlSole 24 Ore) e quatro jornais mais generalistas: um periódico explicitamente orientado à centro-esquerda (La Repubblica), um próximo à centro-direita (Il Giornale) e dois (Corriere della Sera e La Stampa) conotados por uma linha editorial política menos clara, geralmente conhecidos por assumirem os interesses do establishment. Com a exceção do Il Giornale, que foi incluído por causa de sua linha editorial de centro-direita, os três outros jornais têm maior número de leitores na Itália, vendendo cerca de 1,7 milhão de exemplares por dia.
Da mesma forma, a amostra francesa incluía um jornal financeiro (Les Echos) e quatro jornais generalistas, incluindo dois jornais de tendência progressista (Le Monde e Libération) e dois conservadores (Le Figaro e Ouest-France). Mais uma vez, estes são os jornais franceses mais vendidos, exceto no caso do Libération, que foi incluído na pesquisa por causa de sua orientação ideológica esquerdista. No geral, os cinco jornais franceses contam com uma circulação de cerca de 1,8 milhões de exemplares por dia.
Já em relação à imprensa espanhola, nenhum jornal financeiro foi incluído, pois todos os jornais espanhóis com foco financeiro têm uma difusão diminuta. Por essa razão, a amostra da imprensa espanhola consistia em dois jornais generalistas mais próximos à centro-esquerda (El País e El Periódico de Catalunya) e três jornais generalistas próximos ao centro-direita (El Mundo, ABC e La Vanguardia). Novamente neste caso, com um total de cerca de 1,2 milhões de cópias por dia, estes cinco jornais são os mais lidos em Espanha.
Com uma abordagem multitemática, a análise da pesquisa se focou em períodos não eleitorais e feriados. A coleta de dados foi realizada em 2012, durante um período de um mês, da seguinte forma: de 15 de fevereiro a 14 de março daquele ano, para os jornais italianos; de 1 a 29 de outubro de 2012, para os jornais franceses e espanhóis. No caso da imprensa italiana, o monitoramento de 2012 coincidiu com os primeiros meses do governo Mario Monti. Decidiu-se adiar a coleta de dados dos jornais franceses a fim de evitar qualquer viés devido às eleições presidenciais, realizadas na primavera. O monitoramento transcorreu, portanto, durante o primeiro ano da presidência de François Hollande, com Jean-Marc Ayrault como o primeiro-ministro. No caso espanhol, o período de monitoramento abordou o primeiro ano do governo de Mariano Rajoy.
Para identificar as notícias que mereceram ser incluídas na amostragem, todos os artigos publicados nas páginas nacionais desses jornais que apresentavam, ao menos, uma referência política no título, subtítulo ou resumo foram coletados a priori. Isso totalizou inicialmente 3.858 unidades, conforme demonstra a Tabela 1 (ver abaixo). Considerou-se que a mera presença de, pelo menos, uma referência a uma política pública não garantia uma cobertura midiática focada nos méritos de uma dada questão política. Era possível que uma notícia que apresentasse referências a uma questão política a abordasse apenas marginalmente. Portanto, para fins de pesquisa, identificou-se um subconjunto de artigos em que, de fato, a maior parte do texto estava relacionada aos méritos da política – por isso, classificados aqui como artigos de política. Por fim, o contingente de artigos sobre políticas totalizou 2.074 unidades.
Entre as variáveis e indicadores utilizados na análise dos artigos de jornal, estão o foco em tópicos políticos em detrimento de notícias leves ou de entretenimento; a diversidade de tópicos políticos cobertos; o acesso àquela mídia por diferentes tipos de atores, tais como agentes da sociedade civil, cidadãos e especialistas, e vozes de oposição; a presença dos nomes, títulos ou afiliações organizacionais dos diferentes agentes políticos; a presença de opositores e vozes dissidentes; a civilidade na linguagem; a presença de justificação, argumentação e uso de provas; a complexidade das ideias expressas, incorporando valores conflitantes; a presença de respostas diretas entre os falantes e a co-presença de notícias com posições opostas a respeito do mesmo tema.
Imprensa, Estado e sociedade civil
Nos resultados da ampla pesquisa de Pomatto e Seddone, o primeiro destaque nos jornais diz respeito à referência a atores políticos nos mais diversos níveis de governança. Os jornais da Espanha prestam mais atenção às personalidades políticas do que seus pares na França e Itália (ver Figura 1 abaixo). Quase um terço de todas as matérias jornalísticas publicadas pelos veículos de imprensa espanhóis apresentam, pelo menos, uma citação a atores governamentais locais, regionais ou europeus. Por outro lado, os agentes governamentais estão presentes em somente 15,6% das notícias francesas, e têm uma atenção ainda mais marginal na imprensa italiana (7,4%).
Paralelo a essa interessante constatação, a imprensa espanhola fala mais sobre atores governamentais regionais e locais do que os pertencentes à União Europeia. Isso se explica graças à própria organização institucional espanhola, na qual o Estado central tem um papel extremamente relevante nos governos locais. Estes, por sua vez, são consequentemente influentes nos processos de formulação de políticas públicas. Ainda assim, durante o período de acompanhamento dos jornais espanhóis, o país vivia sua pior fase da crise financeira da Zona do Euro, e era razoável esperar algum destaque às posições expressas pelas instituições europeias sobre o “respeito às restrições orçamentais”.
Contudo, essas explicações não bastam para explicar a diferença entre os casos francês e italiano. Os governos locais e regionais da Itália e da França também desempenham um papel significativo na formulação política, e as políticas macroeconômicas italiana e francesa, assim como as espanholas, foram objeto de um significativo intervencionismo da UE por conta da crise econômica. Por último, percebe-se como as diferenças internas entre os jornais de um mesmo país, por mais distintas que sejam suas orientações político-ideológicas, são bastante marginais.
Já de acordo com a Figura 2, a inclusão de atores não governamentais nas matérias jornalísticas parece ser mais relevante nos jornais franceses. De fato, 43,3% dos itens noticiosos analisados dão voz a especialistas, movimentos sociais ou ONGs. A imprensa espanhola está em um nível intermediário: 21,1% dos artigos incluíram, pelo menos, uma cotação desses não governamentais. Um baixo nível de atenção aos atores não governamentais foi constatado nos jornais italianos (12,1%).
Novamente neste caso, a posição ideológica dos jornais não parece ser particularmente relevante, e a diferença entre os jornais dentro de cada país é somente marginal. Em sua totalidade, os jornais franceses frequentemente dão voz a ONGs e especialistas, e estão dispostos a oferecerem uma cobertura rica em pontos de vista externos e internos, enquanto os jornais espanhóis e italianos, em particular os últimos, estão menos interessados em cobrir quaisquer atores que sejam não diretamente políticos.
Pluralidade e partidarização?
A imprensa francesa também tem especificidades em comparação à espanhola e à italiana no que tange à presença dos argumentos e opiniões divergentes acerca de questões políticas (ver Figura 3). Quase todos os artigos políticos da imprensa francesa continham, pelo menos, um argumento focado centralmente nos méritos das medidas discutidas (97%), enquanto a presença argumentativa aparecia em pouco mais da metade dos artigos italianos (51,4%), e em uma proporção menor nos artigos espanhóis (43,6%).
No caso francês, a grande presença de argumentos está associada ao alto grau de discussão interna existente nos artigos: ao menos dois argumentos de orientações opostas são encontrados em 55,9% dos artigos. Por outro lado, a Espanha e a Itália apresentam um quadro bastante diferente: a cobertura jornalística italiana não só conta com menos artigos com argumentações, mas, entre estes, praticamente inexistiam vozes e opiniões dissonantes. Em outras palavras, a imprensa italiana, mesmo quando apresentava argumentos, tende a ser partidária e tendenciosa, dando visibilidade a somente um único ponto de vista.
Essa tendência é ainda mais evidente na Espanha, onde os jornais mostraram um baixíssimo grau de espaço ao contraditório (2,8%). Neste caso, a preferência partidária da linha editorial de cada veículo e seu respectivo paralelismo político eram irrelevantes, uma vez que este era um comportamento bem homogêneo entre todos os jornais dentro do país.
Por fim, o índice de aditivos, mostrado na Tabela 2, oferece uma avaliação da qualidade deliberativa dos artigos de política. Em primeiro lugar, o jornal financeiro italiano Il Sole 24 Ore foi o jornal que mais proporcionou visibilidade à cobertura das políticas públicas, com 31,2% de seus artigos tratando do tema.
Já os jornais franceses estudados não tinham apenas artigos com uma qualidade deliberativa superior, mas também com uma maior incidência de artigos sobre política entre os três países estudados (com a única exceção do já mencionado Il Sole 24 Ore). Como resultado, os periódicos franceses obtiveram os valores mais altos no Índice de Política de Jornais, sinalizando assim uma deliberação mediada significativamente maior do que os veículos de imprensa italianos e espanhóis.
Por fim, os artigos espanhóis tinham uma qualidade deliberativa ligeiramente superior à dos jornais italianos. Isso se deve, em especial, à alta inclusão de atores governamentais em sua produção jornalística, mas essa característica foi contrabalançada pela menor incidência de artigos sobre políticas. Consequentemente, os valores do Índice de Política de Jornais foram maiores para a imprensa italiana.
Deliberatividade jornalística e o debate político
Pelo ideal de deliberatividade de um jornal, fica claro que ele envolve toda a potencialidade de um meio de comunicação de prover o cidadão de informações balanceadas sobre aquilo que é de interesse público, fomentando o debate e trazendo à população a visibilidade de argumentos plurais. Nesse aspecto, a pesquisa de Pomatto e Seddone, realizada sobre a imprensa da Itália, França e Espanha, de fato, demonstra o quanto essas dimensões estão, em maior ou menor grau, demarcadas e de que maneira e em que quantidade as questões políticas aparecem na cobertura midiática desses três países europeus.
A análise demonstra que os jornais franceses examinados se caracterizam por um grau superior de qualidade deliberativa, com a inclusão consistente de distintos atores políticos e uma relevante presença de argumentos nos textos jornalísticos. Por sua vez, a imprensa espanhola dá menos atenção à discussão de políticas públicas do que a italiana e apresenta ainda menos recursos à argumentação. Contudo, a Espanha se destaca pela sua maior inclusão dos atores propriamente políticos, dando visibilidade às suas instituições regionais e locais.
Outro fato interessante é a consideração de que os diferentes níveis de deliberação mediada não estão correlacionados com a orientação ideológica de cada jornal. Fatores ligados às culturas jornalísticas nacionais podem influenciar mais na cobertura. Por exemplo, o jornalismo francês, diferentemente de outras formas de jornalismo no Mediterrâneo, é estruturalmente caracterizado por um estilo particular, baseado em um formato de debate entre visões opostas. Ou seja, é claramente um estilo que poderia aumentar a deliberatividade do jornalismo local.[9]
Por outro lado, os jornalistas italianos se caracterizam por uma inclinação politicista, baseada na ideia profundamente enraizada de que as políticas públicas são determinadas sempre pela política.[10] Isso implica uma atenção esmagadora aos atores políticos, seu comportamento e evoluções, em detrimento de uma cobertura profunda e fundamentada sobre os próprios méritos das políticas públicas.
Essas digressões entre três países importantes da Europa Ocidental, tidos historicamente como modelos de democracias liberais da União Europeia, ressalta a função inerentemente política do jornalismo. Em diferentes níveis, a imprensa continua atuando como espaço de deliberação pública e, apesar da crise do jornalismo corporativo, ainda não está plenamente afastada da sua importância em fornecer insumos informacionais e opinativos, que permitam cativar a atenção da população acerca do que acontece na cena política e da atuação das autoridades.
Assim, a crise de confiança popular quanto aos meios de comunicação tradicionais parece não prenunciar, até o momento, uma ruptura súbita de seu público-consumidor. O básico de informações sobre os fatos e discussões políticas cotidianos continua sendo provido pelos velhos jornais, e foi nesse campo que as instituições jornalísticas construíram sua credibilidade perante a população, outorgando a si próprias o status de “quarto poder” ou “cão de guarda” daquilo que é de interesse público.
Essas características históricas realmente conferem aos meios de comunicação de massa uma aproximação do modelo de sistema deliberativo, proposto por Habermas, em que o amplo fluxo de informações na imprensa e o debate público de ideias levam ao bem comum da sociedade por meio da argumentação? Pois os veículos de mídia privados, como todas as empresas capitalistas, têm seus próprios interesses corporativos e são agentes dentro dos jogos de poder político e econômico, em que os limites éticos são pouco ou nada visíveis. É possível vislumbrar uma “transparência” discursiva e pluralismo cultural e ideológico em um cenário como este? O ceticismo é nítido, e aponta para longas outras discussões.
Fontes:
[1] – https://bit.ly/2BqErkK [2] – https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/107769900207900211