Uma crise existencial abala atualmente certos setores da comunicação de massa de tendência opositora na Venezuela. Não é de se admirar: sua verdade tem sido questionada não pelas pessoas que estão acostumados a desqualificá-la (e bem treinados para fazê-lo), mas por meios de comunicação que, até agora, haviam sido referências importantes, faróis a orientar o seu trabalho.
A chuva cai e não cessa para essa gente. Primeiramente, houve vários meios de comunicação, incluindo a extremamente antichavista CNN, que se atreveu a usar o termo “autoproclamado” para se referir a Juan Guaidó, em vez de chama-lo de presidente interino, tal como, ao que parece, haviam acordado os grandes poderes políticos, diplomáticos e midiáticos em uma espécie de consenso semântico.
É surreal, mas devemos esclarecer, caso alguém leia esse texto daqui a alguns anos. Os adjetivos “autoproclamado” ou “autojuramentado” são estritamente verdadeiros, pois Guaidó se juramentou no meio de uma manifestação de rua, mas os impulsionadores do consenso semântico ficam bravos com essa verdade, na medida em que Departamento de Estado repreendeu publicamente seus companheiros desencaminhados.
Então veio o pior. O jornal diário The New York Times – um dos sonhos dourados de quase todos os jornalistas fabricados nas escolas de Comunicação Social da Venezuela – teve o descaramento de dizer a verdade sobre a queima dos caminhões na ponte internacional em 23 de fevereiro, contrariando um acordo tácito que neste caso – como se entende – não dizia respeito somente à semântica, mas algo mais profundo: sobre a própria realidade.
Essa foi uma verdadeira coronhada no meio da cabeça e não foi dada por Diosdado Cabello, mas por um meio de comunicação gringo de completa “gringuitude”, quase um mito do jornalismo americano, só comparável em seu papel heroico ao Planeta Diário, onde trabalham Clark Kent e Lois Lane.
Outra nota necessária: o New York Times estava muito longe de ser o primeiro a dizer que os caminhões foram queimados por guarimbeiros opositores e não por funcionários do governo. Ao vivo e diretamente da fonte, fizeram vários outros meios de comunicação, incluindo o site LaIguana.TV e a emissora de televisão TeleSur, mas, para que a crise existencial eclodisse, era necessário que um corpo validado pelo status quo midiático certificasse como verdade o que já foi demonstrado em incontáveis vídeos, fotos, áudios e depoimentos
O terceiro impacto veio em nome da revista Forbes, que saiu em cena para adiantar que é perfeitamente viável a possibilidade de que o apagão nacional em 7 de março tenha sido causado por uma sabotagem perpetrado de maneira remota pelos EUA, como tem denunciado o governo da Venezuela.
E para completar esse tipo de ataque repentino de precisão midiática, ressurge a CNN, dessa vez com uma investigação sobre um evento ocorrido há mais de sete meses atrás: o magnicídio fracassado de 4 de agosto de 2018. A reportagem mostra que era verdadeiro o complô planejado e ensaiado a partir da Colômbia para assassinar o presidente Nicolás Maduro, um fato que a mídia e os jornalistas opositores tanto globais como venezuelanos cansaram de negar, refutar e ridicularizar.
Este último episódio já deu ao assunto um giro de alta suspeita, porque ninguém estava esperando que esse assunto voltasse a flutuar em um momento como o atual. Tornou-se inevitável pensar que algo estranho estão tramando os patrões do NYT, da CNN e de outras mídias, algo certamente relacionado às formas de disputar o poder das máfias políticas americanas.
De qualquer forma, é evidente que a verdade para esses grandes veículos é uma ferramenta que elas só usam quando lhes convém. É por isso que elas quase nunca a fazem reluzir desde o primeiro momento, mas a escondem até que seja um bom negócio (político ou econômico) fazê-la aparecer.
Apesar de tal sentido questionável de ética informativa, esses meios de comunicação globais estão em melhor situação do que os meios de comunicação e jornalistas da oposição venezuelana, que, no transe da sua tremenda crise existencial, clamam pela restauração imediata das “verdades” feitas pelo consenso político-diplomático-midiático.
Mafalda perguntaria: “Mas que tipo de jornalismo é esse?”.