Meng Wanzhou, diretora financeira da gigante chinesa das telecomunicações Huawei, compareceu ao tribunal canadense para lutar contra a ameaça de sua extradição para os Estados Unidos. Se ela for extraditada, enfrentará novas acusações feitas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), que imputa a Meng e à Huawei os crimes de fraude bancária e roubo comercial, além da violação de sanções americanas ao Irã. As acusações do DoJ ocorreram apenas dois dias antes das conversas agendadas entre os EUA e a China para negociar o fim da multibilionária guerra comercial promovida pelo governo Trump. Essas novas acusações, que Meng e a Huawei negam categoricamente, prejudicarão, sem dúvida, as negociações comerciais e as relações EUA-China.
Apenas um ano antes, a Huawei dificilmente era um problema nas mentes dos norte-americanos; eles compravam mercadorias alegremente com a familiar marca “Made In China”. Os supostos delitos da Huawei e da China foram levados ao debate público quando o presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 30% sobre as importações de painéis solares (a China é a maior fonte de painéis solares importados dos EUA), lançando o que conhecemos hoje como a guerra comercial EUA-China. O que se seguiu foi o intenso escrutínio de todas as mercadorias chinesas, incluindo produtos como os telefones Huawei e hardwares de telecomunicações.
Desde o início de sua campanha presidencial, Trump criticou o déficit comercial dos EUA com a China. Ele alegou que os chineses estavam “roubando” os EUA, e a imposição de tarifas era a única coisa que faria a China negociar de forma justa. O déficit desde que os EUA e a China começaram a ter relações comerciais está se aproximando de US$ 420 bilhões. Este não é um número pequeno, mas, quando comparado à dívida americana de empréstimos estudantis – próxima de US$ 1,6 trilhão – e à dívida americana com cartão de crédito – acima de US$ 1,05 trilhão –, o déficit comercial com a China se torna menos significativo. Além disso, a maioria dos economistas concorda que os déficits comerciais não são inerentemente bons ou ruins. Embora as empresas chinesas vejam um aumento nas vendas para os EUA, muitas não enxergam nesse comércio tamanho benefício que os consumidores americanos veem na forma de mercadorias com preços mais baratos.
Trump está realmente travando uma guerra para proteger os consumidores americanos de práticas comerciais desleais? Se Trump se preocupasse com as pessoas que lutam por seu país, ele não teria apoiado o plano de corte de impostos de 2017 que elimina o imposto federal imobiliário e o Imposto Mínimo Alternativo (ATM), pagos apenas pelos super-ricos.
Será que Trump é um falcão anti-déficit tentando limitar desperdício e excesso de gastos sempre que possível, incluindo comerciais? Não, Trump reverteu o curso do déficit orçamentário desde que assumiu o cargo, levando-o ao maior patamar em seis anos. O gabinete de Trump é um dos mais ricos da memória recente, repleto de plutocratas vindos da Goldman Sachs, firmas de private equity e a boa e velha riqueza de herança, não deixando dúvida de que os interesses dos americanos comuns não estão representados.
Então, se não se trata de uma disputa econômica, o que é que a China e a Huawei têm que faz o governo Trump ficar infinitamente obcecado? E por que esse conflito está se desdobrando agora?
Ascensão pacífica da China
Depois que as relações sino-soviéticas entraram em colapso por divergências ideológicas e diplomáticas em 1966, a força do movimento socialista mundial foi dividida ao meio. Os diplomatas de Washington procuraram dividir ainda mais seus dois inimigos por meio de uma série de viagens diplomáticas – primeiro à China e depois à União Soviética – em 1972. Henry Kissinger, conselheiro nacional de Segurança do presidente Richard Nixon, explicou a estratégia americana, apelidada de “diplomacia triangular”, de forma muito clara em seu livro Diplomacia: “A posição de barganha dos EUA seria mais forte quando a América estivesse mais próxima de ambos os gigantes comunistas do que cada um do outro”.
Em outras palavras, Kissinger queria que a União Soviética e a China lutassem pela atenção diplomática dos EUA para serem reconhecidas como a capital do movimento comunista mundial, deslegitimando-se e eventualmente se destruindo mutuamente no processo. O resultado inevitável foi que os dois lados do triângulo congelariam o terceiro e o fariam perder poder.
Incapaz de negociar com seu ex-aliado industrializado, a China foi forçada a enfrentar seu próprio subdesenvolvimento. Enquanto a Revolução de 1949 aboliu a exploração feudal, derrubou o controle estrangeiro sobre a China, reduziu o analfabetismo e quase dobrou a expectativa de vida, o país ainda era predominantemente agrário e pobre. Com a população crescendo tão rapidamente, o líder chinês Deng Xiaoping previu a incapacidade da China de fornecer um padrão de vida adequado e introduziu uma política de reforma para industrializar o país.
Deng explicou sua teoria do socialismo da seguinte forma:
“Se não fizermos todo o possível para aumentar a produção, como podemos expandir a economia? Como podemos demonstrar a superioridade do socialismo e do comunismo? Temos feito a revolução por várias décadas e construído o socialismo por mais de três décadas. Em 1978, o salário médio mensal de nossos trabalhadores ainda era de apenas 45 yuans, e a maioria de nossas áreas rurais ainda estava atolada na pobreza. Seria possível chamar isso de superioridade do socialismo? Por isso insisti que o foco de nosso trabalho deveria ser mudar rapidamente para o desenvolvimento econômico”.
Em resumo, ainda que fosse crucial criar uma sociedade mais igualitária – especialmente para as mulheres, os pobres e as minorias étnicas –, a igualdade era menos importante se significasse dividir igualmente a pobreza. As reformas abriram a China ao capital de investimento estrangeiro para aproveitar a economia de mercado internacional, ao mesmo tempo em que tomariam o cuidado de não permitir que o capital estrangeiro ditasse a direção do governo. Isso ficou conhecido como “socialismo com características chinesas”.
Para atingir esse objetivo, Deng promulgou uma política de transferência de tecnologia. Quando a China abria relações diplomáticas com um país, usualmente introduzia essa relação com um tratado de cooperação científica e tecnológica – por exemplo, o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica EUA-China de 1979.
Esses acordos deram ao capital estrangeiro e às corporações acesso ao vasto mercado chinês. Em troca, as empresas chinesas não precisariam gastar capital reinventando tecnologias que já haviam sido inventadas. A China assinou acordos de cooperação com mais de 100 países por meio da Associação Chinesa para Ciência e Tecnologia, trazendo um rápido crescimento para o setor de tecnologia da China.
A política de abertura trouxe a indústria pesada para a China, elevando o país ao status de superpotência mundial. Em 2010, a China ultrapassou o Japão como a segunda maior economia do mundo, com um produto interno bruto de US$ 5 trilhões. Desde então, o PIB da China mais do que dobrou, chegando a US$ 12 trilhões, apenas US$ 7 trilhões atrás dos EUA.
Condizente com a visão de Deng, o crescimento da China ajudou a promover a maior campanha de redução da pobreza na história da humanidade. Segundo o Banco Mundial, a China tirou da pobreza mais de 800 milhões de pessoas desde 1978, atingindo todos os seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), e serve como um modelo brilhante para a redução da pobreza nos países em desenvolvimento. Funcionários do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento acreditam que a China acabará com a pobreza rural em 2020.
A China também está se tornando a maior fabricante de veículos elétricos do mundo. Na cidade de Shenzhen, a China está criando a primeira cidade do mundo com transporte completamente elétrico. Shenzhen já tem mais ônibus elétricos do que qualquer cidade norte-americana tem ônibus a diesel, e o modelo em breve será expandido para todo o país. A China gasta mais na melhoria de sua infraestrutura do que os EUA e a Europa combinados. Até mesmo Trump comparou a infraestrutura dos EUA com a de um país de Terceiro Mundo, dificultando a compreensão de seu constante embate na China.
A Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada e o Plano Made in China 2025
Por muito tempo, os EUA trataram a China como um país subordinado. A China era alvo de muitas piadas e tratada como uma fábrica pessoal dos EUA. Ironicamente, as manobras diplomáticas de Henry Kissinger conseguiram acelerar a dissolução da União Soviética, mas plantaram, no decorrer do processo, as sementes para uma China independente. As realizações domésticas da China provaram ao mundo que ela não precisa se submeter ao modelo neoliberal dos EUA para prosperar.
Para muitas nações em desenvolvimento, a ascensão da China representa a primeira possibilidade de um mundo multipolar desde a queda da União Soviética. Da mesma forma, em Washington, estabeleceu-se a percepção de que a China representa uma ameaça real à ordem mundial unipolar dominada pelos EUA. Sua resposta? Um ataque total à Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada da China e ao Plano Made in China 2025, rotulando a China como um “poder revisionista”, sob o disfarce de práticas comerciais desleais e crimes cibernéticos.
No decorrer de décadas de trabalho duro, o povo chinês transformou a China no centro manufatureiro do mundo. Reconhecendo as conquistas sem precedentes do país na redução da pobreza e no desenvolvimento sustentável, o mundo em desenvolvimento tem se voltado logicamente para a China, não para os EUA, para superar seus próprios desafios. Da mesma forma, a China é agora forte o suficiente para forjar um caminho independente, ao passo que já enfrentou a ameaça de represálias norte-americanas se perseguisse seu próprio interesse nacional contra os interesses do capital estrangeiro.
Entra a Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada. Em 2013, o presidente Xi Jinping anunciou o projeto, que foi descrito como um dos projetos de engenharia mais ambiciosos da história da humanidade. O projeto visa construir infraestruturas como pontes, rodovias, ferrovias e hidrovias em todo o mundo, a fim de aumentar a cooperação econômica, o investimento e o comércio. A iniciativa envolverá 65 países, 62% da população mundial e 30% do PIB mundial.
Apesar de se encontrar em estágio bem inicial, a mídia ocidental já tentou retratar a Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada como uma tentativa da China de conquistar o mundo ou ganhar influência sobre os pequenos países que procura explorar. Essas acusações são impossíveis de refutar, já que o projeto está longe de terminar. O que podemos observar, todavia, é que o número de participantes ansiosos por participar do projeto tem aumentado constantemente, e os investimentos continuam a crescer. É claro que a abordagem diplomática chinesa conquistou respeito e legitimidade internacional.
Por outro lado, com o poderio militar como seu principal meio para projetar influência, o Império norte-americano se expandiu principalmente por meio da ocupação militar e de mudanças de regime encobertas. Desde a Segunda Guerra Mundial, o expansionismo americano nos deu 20 a 30 milhões de cadáveres por meio do assalto a 37 países diferentes. Compare isso com o Exército de Libertação do Povo, que empregou 60 mil soldados para plantar árvores em uma área aproximadamente do tamanho da Irlanda. Faça sua escolha. Enquanto os EUA matam 30 muçulmanos para cada americano morto em combate, segundo estimativas conservadoras, faz sentido que a Liga Árabe esteja entusiasmada com a adesão à Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada, mas não estivesse com a Guerra do Iraque.
Infelizmente para Washington, as Forças Armadas da China são poderosas demais para que os militares dos EUA invadam o país ou tentem um golpe secreto contra o Partido Comunista Chinês. A guerra comercial permite que os EUA compliquem os objetivos da política externa chinesa por razões aparentemente legítimas. As tarifas de aço e alumínio de Trump se destinam a prejudicar os produtores chineses de aço e alumínio, empresas cruciais para a capacidade da China de erguer a infraestrutura necessária para construir as Novas Rotas da Seda.
Ainda mais ameaçador para a hegemonia dos EUA é o Plano Made in China 2025 anunciado pelo premier chinês Li Keqiang em 2015. O Made in China 2025 visa promover a competitividade das empresas chinesas nas áreas de indústrias avançadas. O plano tem o potencial de desafiar o monopólio americano sobre as principais tecnologias da Internet, especialmente a próxima rede sem fio 5G, que a China está a caminho de completar antes dos EUA. Por meio de reuniões secretas, os EUA pressionaram a Austrália e a Nova Zelândia a proibirem a Huawei de suas futuras redes 5G. O Japão também concordou em proibir a Huawei, e os EUA estão fazendo lobby para que a Itália, o Reino Unido e a Alemanha façam o mesmo.
[button color=”” size=”” type=”” target=”_blank” link=”https://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2019/02/27/huawei-o-5g-e-a-quarta-revolucao-industrial-na-china/”]Leia também: Huawei, o 5G e a Quarta Revolução Industrial da China[/button]
O Plano Made in China 2025 anda de mãos dadas com a Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada. Os participantes da iniciativa esperam importar tecnologia chinesa de ponta, bem como exportar sua própria tecnologia nativa, uma alternativa sensata a serem forçados a receber uma das mais de 800 bases militares estrangeiras dos EUA. O objetivo fundamental da guerra comercial é preservar a hegemonia e monopólio dos EUA em indústrias avançadas e forçar a China a assinar uma nova versão do Acordo de Plaza, acordo econômico que os EUA pressionaram o Japão a assinar e que provocou a “década perdida” do Japão. Fazer isso evita que nações em desenvolvimento saiam da órbita dos EUA – o que é muito para o livre mercado e a livre concorrência.
Ainda parece que a Huawei não é boa
Com todas as manchetes usando as palavras “Huawei”, “espionagem” e “roubo” na mesma frase, muitos acreditam que a Huawei deve estar tramando alguma coisa sinistra, mesmo que não seja tudo do que foi acusada. Contudo, desde que o Comitê de Inteligência da Câmara dos EUA publicou um relatório em 2012 defendendo a proibição dos produtos da Huawei e da ZTE, afirmando que representam uma ameaça à segurança nacional, a evidência para apoiar a alegação de que os produtos da Huawei são dispositivos espiões chineses simplesmente não existe.
Depois que o governo designou as empresas de telecomunicações chinesas como ameaças, o governo do Reino Unido conduziu sua própria investigação sobre o tema. O gabinete do governo britânico rebateu as alegações dos EUA, dizendo que não tinha preocupações quanto à presença da Huawei e da ZTE no Reino Unido. Apenas 10 dias após o Comitê da Câmara publicar seu relatório, a investigação secreta da Huawei e da ZTE vazou para a Reuters e não mostrou provas para respaldar as acusações do documento. Um dos denunciantes disse à Reuters: “Sabíamos que certas partes do governo realmente queriam evidências de espionagem ativa. Nós teríamos encontrado se estivessem lá”.
O Escritório Federal Alemão para Segurança da Informação (BSI) conduziu uma investigação sobre as alegações de espionagem da Huawei, enfrentando pressão dos EUA para seguir sua liderança na proibição da empresa do país. O presidente do BSI, Arne Schönbohm, disse à imprensa alemã que não havia provas para demonstrar um suposto risco à segurança representado pela Huawei. Como o aparato de segurança dos EUA reagiu a essa investigação? Dizendo que não é necessário fornecer provas de que a Huawei representa uma ameaça à segurança porque o governo chinês pode potencialmente exigir informações da Huawei a qualquer momento.
O aspecto mais notório da guerra contra a Huawei é que, em meio aos repetidos fracassos dos EUA em produzir evidências de que a Huawei é uma fachada para a espionagem chinesa, há provas documentadas de que o governo dos EUA invadiu os servidores da Huawei e monitorou suas comunicações. Já em 2007, a Agência de Segurança Nacional invadiu os servidores da Huawei para encontrar conexões entre a Huawei e o governo chinês, segundo documentos vazados pelo denunciante da NSA, Edward Snowden.
Você poderia pensar que, se o aparato de inteligência mais poderoso do mundo tivesse acesso às comunicações internas da Huawei, eles teriam descoberto evidências valiosas provando uma conspiração interna para espionar americanos, o que seria suficiente para banir a Huawei de todos os cantos da Terra. Mas não, a operação da NSA de 2007 voltou de mãos vazias.
Ainda mais insultante é que, graças aos vazamentos de NSA de Edward Snowden, é de conhecimento relativamente público nos EUA que o governo americano recolhe praticamente todas as comunicações digitais feitas por seus cidadãos sem mandado judicial. Então, por que Trump não está pedindo o fim da vigilância sem mandado? Embora tudo isso possa ser uma surpresa para alguns, com o entendimento de que os EUA estão tentando caluniar e sufocar o crescimento da China diante da comunidade internacional para preservar seu domínio global, fica claro que os EUA não precisam de provas – só precisam repetir falsidades o suficiente para fazer o mundo acreditar.
Propaganda de guerra em evolução
Quando a histeria de hackers russos atingiu seu auge, os Russiagaters não perderam tempo em colocar à prova as ligações documentadas de um indivíduo ou organização com a Rússia; eles escolheram debater se uma determinada retórica era “forte na Rússia” ou “o que um bot russo diria”. Não importava se as acusações de hackers russos tinham alguma legitimidade, pois a intenção era simplesmente associar todas as coisas russas a hackers, intenções maliciosas e sentimento antiamericano. Os falcões da guerra e agentes do Deep State usaram essa xenofobia bem cultivada para vender seu projeto imperial na Síria e na Europa Oriental como sendo uma “resistência contra Putin”.
Quase da mesma forma, a guerra comercial EUA-China criou um ambiente político no qual se tornou aceitável que o governo e seus fãs na grande mídia digam o que quiserem sobre a China, desde que isso deixe suas audiências pouco confortáveis quanto aos chineses. Virtualmente copiando a história da Russiagate, Trump acusou a China de hackear a eleição dos EUA – apenas dois meses depois, o mesmo Trump tuitou para o mundo que ele estava escolhendo interferir na política venezuelana ao declarar o membro da oposição Juan Guaidó presidente da Venezuela.
O nível de sinofobia na sociedade americana é o mais elevado desde 1972, e a parte mais aterradora é que esse tipo de sinofobia é mais aceito pelo governo dos EUA e pela mídia corporativa como correção política do que como um viés racista que precisa ser corrigido e combatido. Ainda hoje, muito depois do suposto fim do Perigo Amarelo, os chineses continuam sendo retratados como espiões sorrateiros, astutos, hackers ou ladrões tecnológicos. Os produtos chineses, do projeto 5G aos telefones da Huawei, são retratados como veículos de infiltração chinesa. Um artigo no Washington Post chegou a afirmar que os vagões de metrô feitos na China poderiam espionar o público americano.
A demonização da China acima mencionada não só distorce a percepção do público americano quanto ao país asiático, mas também serve como uma propaganda de guerra extremamente destrutiva. A propaganda sinofóbica ilude o público americano a acreditar que os problemas econômicos nos EUA não são causados por um sistema econômico estruturado para retirar a riqueza dos pobres para os ricos, mas pela “agressão econômica” chinesa. A Casa Branca retratou a China como uma “ameaça aos Estados Unidos e ao mundo” em seu relatório que serviu como declaração da guerra comercial. O Departamento de Defesa dos EUA também acusou a indústria manufatureira chinesa e a cadeia de suprimentos como uma “ameaça nacional”.
É claro que, se você estiver tomando partido contra a Huawei, estará se aliando a instituições que nunca tiveram em mente o bem das pessoas ou a verdade. Essa narrativa deve ser combatida, pois está sendo usada para prolongar a guerra comercial em curso – uma guerra contra a China e o futuro do mundo em desenvolvimento – que prejudica gravemente os interesses do público americano, especialmente da classe trabalhadora americana.
Atualização: alguma conversa feliz
Ambas as delegações chinesa e norte-americana disseram ter perspectivas positivas sobre relação às negociações comerciais de janeiro de 2019. A China concordou em comprar mais de cinco milhões de toneladas de soja dos EUA. Esse desenvolvimento é certamente um bom sinal, mas é necessário lembrar que nenhum acordo definitivo saiu daquela reunião – apenas uma única concessão da China. O importante é que as questões mais sensíveis de propriedade intelectual e de transferências de tecnologia ainda não foram solucionadas, incluindo os problemas relacionados à Huawei, 5G e Meng Wanzhou.
As tarifas dos EUA sobre a China aumentariam em 25% no dia 1º de março. O não comprimento desse prazo restabeleceria o progresso do comércio novamente a um nível maior do que ele é hoje. Enquanto o presidente Trump está celebrando o progresso no Twitter, lembre-se que ele leva em consideração a imprevisibilidade como parte de sua estratégia.
China’s top trade negotiators are in the U.S. meeting with our representatives. Meetings are going well with good intent and spirit on both sides. China does not want an increase in Tariffs and feels they will do much better if they make a deal. They are correct. I will be……
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) January 31, 2019
Em junho de 2018, o Ministério do Comércio chinês lamentou o uso das tarifas pelo governo Trump como meio de forçar as negociações comerciais, claramente revertendo a posição americana e complicando as negociações comerciais. Da mesma forma, Trump elogiou o resultado da Cúpula EUA-RPDC de Cingapura em junho, prometendo o desarmamento nuclear completo da Coreia do Norte. Três meses depois, a Coreia do Norte divulgou um comunicado dizendo que não se desarmaria unilateralmente porque não confiava que os EUA e o governo Trump seguiriam com compromissos finais do acordo. Quando se negocia com Trump, muita coisa pode acontecer em um mês.
Além do conflito entre os dois lados em relação a questões tecnológicas, ambos enfrentariam um desentendimento ainda maior ao discutir as chamadas “questões estruturais”, o papel dos subsídios e das empresas estatais na economia chinesa. Como o vice-presidente dos EUA Mike Pence, declarou em seu discurso, o governo americano insiste que as empresas estatais e os subsídios da China são ameaças injustas aos EUA e exigem que a China reformule sua estrutura econômica, mas, da perspectiva chinesa, tal demanda não é aceitável. Ideologicamente, a existência de empresas estatais é uma base crucial do “socialismo com características chinesas”; e politicamente, a estrutura econômica chinesa é uma parte não negociável da soberania chinesa.
O povo chinês nunca aceitaria ter seu próprio modelo de desenvolvimento doméstico ditado por potências estrangeiras. Essa enorme diferença continua a ser um desafio muito formidável para as negociações em curso.